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domingo, 20 de abril de 2008

Reagan e Carl Sagan

A História regista Carl Sagan como um bom cientista e um invulgar divulgador da ciência. Os seus livros sobre ciência são de leitura obrigatória.
Um mundo infestado de demónios”, escrito em 1995, é um livro emblemático, sobre a influência do pensamento mágico em todas as épocas da História. Tenho-o ao alcance e profusamente sublinhado.
Tendo sido um “liberal” moderado (no sentido americano do termo) durante grande parte da sua vida, uma certa esquerda reclama-se proprietária da sua memória numa tentativa de marcar território e associar as suas convicções políticas à excelência como cientista. Trata-se de uma atitude algo primária, mas que se entende. Einstein sofre do mesmo sequestro.
Claro que, pelo mesmo racional, Teller, Heisemberg, e outros vultos incontornáveis da Física seriam considerados imbecis por terem outras visões políticas.
Sagan era apenas um homem e, como todos os homens, o seu carácter desdobrava-se em múltiplas dimensões, não necessariamente “boas” ou “correctas”.
Do facto de ser consumidor de haxixe, dificilmente se pode concluir que os consumidores de haxixe são génios da ciência ou que os génios da ciência têm de consumir haxixe.
Em termos políticos, Sagan comungava da amálgama ideológica que caracteriza a bempensância”: uma mistura estranha de liberalismo clássico, com cristianismo, utopia libertária, pieguice, demagogia floribélica e crenças vagamente socialistas.
Na altura este indigesto pot pourri estava na moda, e era assumido como a “Verdade”, por quase toda uma geração de intelectuais formatados no cadinho do marxismo cultural.
Era essa amálgama que fazia dele anti-nacionalista embora vivesse e prosperasse na nação mais bem sucedida do planeta; ou anti-capitalista, embora usasse os frutos mais saborosos do capitalismo.
Foi também essa amálgama irracional que o levou a politizar a sua credibilidade científica desaguando nos dois maiores fracassos da sua vida:
O catastrofismo climático e a oposição à Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE) de Reagan, presidente que na altura era brindado pela bempensância com os mesmos adjectivos que hoje estão reservados a Bush.
Quanto ao catastrofismo climático, Sagan liderou um grupo de activistas que profetizava o arrefecimento global, e dardejava veementes condenações ao capitalismo, ao nuclear e à indústria. Hoje como ontem, a amálgama esquerdista aglomera-se também por detrás do catastrofismo climático e usa a mesma retórica, os mesmos alvos e as mesma tácticas embora a questão esteja apontada numa direcção que dista exactamente 180º.
Quanto à IDE, na campanha presidencial de 1984, Sagan fez frente com Walter Mondale e com uma plêiade de activistas de esquerda (e direita, note-se), contra a IDE e contra as políticas de Reagan, não se dando conta de que a sua posição era exactamente aquela que interessava ao Kremlin.
Em termos puramente técnicos, Sagan tinha razão, isto é, o projecto era caro e de factibilidade duvidosa. O que Sagan nunca parece ter compreendido, é que o jogo de poder é essencialmente um jogo de percepções, tal como o poker, em que o que realmente interessa não são as cartas na posse do jogador, mas sim as que o adversário acredita que ele tem.
Os líderes soviéticos, levando ou não a IDE a sério (e tudo indica que levaram), sabiam que a URSS não estava em condições, económicas e tecnológicas, não só para acompanhar o bluff, mas também para construir mais mísseis que saturassem o eventual sistema.
A História provou que as politicas de Reagan era superiores e hoje poucos investigadores credíveis têm dúvidas de que foram elas que encostaram a URSS à parede e a levaram a lançar a toalha ao tapete.
A memória é curta, a ignorância deliberada é poderosa, mas convém relembrar que o “cowboy” “warmonger”, Reagan só avançou com estas politicas após a URSS ter estupidamente recusado a chamada Opção Zero, (a total erradicação das armas nucleares no teatro europeu), numa altura em que toda a gente acreditava que o seu poder era esmagador. Acabou por aceitá-la mais tarde, em posição de fraqueza.
Carl Sagan, nestas matérias esteve do lado errado da História e aqueles que se encostam à sua autoridade noutros campos, não entendem que lhe estão a denegrir a imagem de homem de ciência, trazendo à superfície os seus fracassos.

11 comentários:

Paulo Porto disse...

É bem assim. No caso português, como não temos propriamente grandes cientistas, a transferência fica-se apenas pelas figuras mais notórias (não digo notáveis) da TV. Qual será o pensamento político da 'Floribella'?

ml disse...

Sou optimista e acredito na capacidade cognitiva dos humanos. Por isso tenho a certeza de que tem pelo menos a intuição, já não seria mau, de que a retórica paternalista que tenta desculpar politicamente o coitado do Sagan e glorificar politicamente o magnífico Mamet só convence os já convencidos. Teses que partem das conclusões para as premissas são sempre simpáticos exercícios autogratificantes, se ajudam a manter o ego a um nível razoável já cumprem uma função qualquer.

E é que Sagan nem ‘moderado’ foi, como a sua ânsia de justificação (oh ridículo, que és capaz de matar os melhores, quanto mais os outros) tenta fazer crer. Foi um homem de manifestações, preso por desobediência civil, de alguma simpatia por Trotsky, de combate a religiões e outras crenças. E nascido e educado judeu, só podia ser uma mistura estranha de qualquer coisa com cristianismo. É o que acontece aos judeus que não se acautelam, acabam agnósticos cristãos.
Mas como diz que leu o livrinho – que se esqueceu de recomendar vivamente – fico-me por aqui.

As opiniões de Sagan não estão aqui em causa, isso é uma outra discussão que decorre do ângulo dos observadores e o seu postiguinho é completamente inócuo na história das ideias. Mas é o seu, espreite por ele as vezes que lhe der jeito que isso não altera o rumo de nada.
E não têm também a ver com os tiraços no pé de quem defende uma ‘tese’ num post e a contrária no seguinte.
Entre Sagan e V. Incelência, num juízo assim rápido, é claro que o vejo a si muito mais capaz de discernimento.

David Mamet, judeu americano, consagrado autor de peças de teatro, filmes, livros séries televisivas, etc, prémio Pulitzer, é um apóstata porque cometeu o supremo pecado de ter abandonado as suas crenças esquerdistas, proclamando o facto com estrondo e escrevendo “Why I Am No Longer a 'Brain-Dead Liberal'.

... e associar as suas convicções políticas à excelência como cientista. Trata-se de uma atitude algo primária, mas que se entende.


Claro que se entende. Que mais se pode exigir a um bloguista?

Unknown disse...

“ acredito na […]. Por isso tenho a certeza”

Ainda bem que o diz pelas suas próprias palavras. Tem a certeza porque acredita. Quantas vezes aqui neste blogue eu lhe disse exactamente isso?

“E é que Sagan nem ‘moderado’ foi”

As certezas que nascem da crença são válidas apenas para quem tem fé.
Mas um homem que escreve que “Os autores da Constituição eram estudiosos da História. Conhecendo a condição humana procuraram inventar um meio de nos mantermos livres a despeito de nós próprios” enquadra-se no meu conceito de moderação.
Um homem que se refere com admiração e respeito a Jefferson, Madison, Franklin,Washington, Adams, Monroe e Paine, é para mim um moderado.
Um homem que advoga a disseminação da democracia no mundo (pág 424, da Edição Gradiva), é para mim um moderado.
Um homem que criticava duramente o modelo comunista e chamava à URSS um “estado totalitário” é para mim um moderado.
Um homem que chama “reconhecidos criminosos” a Estaline, Hitler e Mao, é para mim um moderado.
Um homem que cita Stuart Mill é, para mim, um moderado.

“ Foi um homem […] de alguma simpatia por Trotsky”

Só as certezas da crença permitem a alguém afirmar que Sagan simpatizava com o fundador do Exército Vermelho e responsável directo por milhares de execuções.
Um exemplo claro dessa “simpatia” pode aliás encontrar-se nesta passagem do tal livro:
“O Izvestia enalteceu Trotsky como um “grande revolucionário. O que sugere que as autoridades não aprenderam nada com a sua história, a não ser substituir uma figura histórica por outra, na lista dos irrepreensíveis”


“E nascido e educado judeu, só podia ser uma mistura estranha de qualquer coisa com cristianismo. “

Sim, deve ter razão. O cristianismo não absolutamente nada a ver com os judeus. A começar por Cristo.


“ quem defende uma ‘tese’ num post e a contrária no seguinte. “

Acredito que lhe pareça tudo igual. Nem podia ser de outro modo se, como afirma, extrai as certezas das crenças. Mas o que fez Mamet famoso foi justamente a produção e a transmissão de ideias sobre a sociedade, a vida, e a cultura. É a sua especialidade. É por isso que a sua “conversão” é relevante. Porque teve lugar exactamente no campo onde é especialista.
Se Mamet tivesse mudado de opinião quanto à teoria das cordas, seria irrelevante.
Sagan, por seu lado, foi um homem de ciência. É importante aquilo que ele pensava sobre ciência.
As suas opiniões filosóficas são interessantes, em grande parte revejo-me nelas, li-as com agrado, mas nada mais do que isso. Não acrescentam nada de novo. Não valem por si, mas apenas porque se apoiam na relevância do seu autor noutro campo do conhecimento.

De resto, como ele próprio escrevia “As nossas percepções são falíveis. Vemos muitas vezes o que não existe. Somos facilmente induzidos em erro, incapazes de distinguir entre o que nos agrada e o que é verdadeiro”.

E um aviso: “Desconfia das afirmações das sumidades. Muitas dessas afirmações revelaram-se tristemente erradas”

E todos sabemos que isso aconteceu também com Sagan, na questão do catastrofismo climático, na IDE, etc.
Não há anjos, ml, pese embora a fúria das suas crenças.

Anónimo disse...

"Quanto ao catastrofismo climático, Sagan liderou um grupo de activistas que profetizava o arrefecimento global, e dardejava veementes condenações ao capitalismo, ao nuclear e à indústria"

Pois é... Não deixa de ser curioso que o Carl Sagan tenha começado a sua carreira a trabalhar justamente na área de armamento nuclear. E esta hein ?

/Infidel

ml disse...

enquadra-se no meu conceito
é para mim

Ah, bom, se é para si está muito bem. Faltava-me este dado para a interpretação do pensamento de Sagan. Se fosse algum argumento fundamentado lá teria eu que rever o assunto, assim ficamos conversados.

Um exemplo claro dessa “simpatia” pode aliás encontrar-se nesta passagem do tal livro
E ...?

Pouco depois de Estaline tomar o poder, as imagens do seu rival, Leon Trotsky – figura monumental das revoluções de 1905 e 1917 – começaram a desaparecer.

... esses velhos bolcheviques que ainda se lembram do papel periférico de Estaline na revolução e o papel central de Trotsky, foram denunciados como traidores, ou burgueses a reeducar, ou ‘Trotsky-fascistas’...

Nos anos 80 e antes, Ann Druyan e eu contrabandeávamos regularmente para a Rússia cópias da ‘História da Revolução Russa’ de Trotsky – para que os nossos colegas pudessem saber um pouco acerca das suas próprias origens’.

(Carl Sagan)

Vai ver que Sagan até era mesmo partidário da tese Golstein/Snowball/Trotsky. Ou apenas apreciava calafrios na espinha e a vida aventurosa de salta-fronteiras, sei lá.

O cristianismo não absolutamente nada a ver com os judeus. A começar por Cristo.
Tem tudo, ora essa. É por isso que por estas alturas já desistiram de aguardar o Messias, investiram Cristo nesse cargo. E em troca os cristãos desistem da queixa contra os judeus por causa da 6ª feira santa.
Não há hoje melhor veículo para um judeu se expressar do que através do cristianismo ateu.

E a mais acarinhada rubrica, que ocupa ¾ de qualquer post, o ‘Tretismo’, continua alheia ao mais elementar decoro.

Mas o que fez Mamet famoso foi justamente a produção e a transmissão de ideias sobre a sociedade, a vida, e a cultura. É por isso que a sua “conversão” é relevante. Porque teve lugar exactamente no campo onde é especialista.
- O Arthur Miller, se se tivesse convertido aos ‘long- time-dead conservative’, não teria sido o dramaturgo que foi nem apanhado a Marilyn a jeito.
- O Kubrick não teria sido o realizador que conhecemos se se tivesse transformado numa outra coisa qualquer.
- Tivesse o William Faulkner sido arregimentado pelos ‘liberals’ e os seus romances não passariam de literatura light.
- O Harold Pinter, creio que amigo do peito do Mamet, se não se bandeia para os ‘tories’ perde o talento para prémio Nobel.
- Se Charlton Heston tivesse voltado a ser um ‘liberal’, seria um péssimo atirador. Não, não é isso, não teria sido o péssimo actor que foi.
Já o pateta do Sagan, tanto faz. Vire-se lá ele para onde quiser.

acredito que lhe pareça tudo igual.
É uma boa crença. O que fez Sagan [também] famoso foi a produção e a transmissão de ideias sobre a sociedade, a vida, e a cultura, especialmente com “Um mundo infestado de demónios” e “Billions and Billions”.

Luís Oliveira disse...

[Sagan liderou um grupo de activistas que profetizava o arrefecimento global]


Também apadrinhou a tosca teoria do "inverno nuclear", desenvolvida por Sagan e outros proeminentes cientistas da época. Mas pseudo-ciência feita com a melhor das intenções não deixa de ser pseudo-ciência.

Fica "The Demon Haunted World", um dos melhores livros sobre os objectivos e alcnace da ciência.

ml disse...

Vá, toca a bater no Sagan, afinal o tipo foi um medíocre. Se fosse da tal direita que se fixa no presente, ou assim, teria sido um cientista verdadeiro. Mas nem todos podem ser Mamets, há cotas para a inteligência. E porque os cientistas non-liberals é que lideram a investigação em todos os campos, sem uma falha, a criatura devia prever que anda aqui um blogue de olho nele.
Escusava de passar por este enxovalho público.


Fica "The Demon Haunted World"

Ah, tinha que ser. Conflitos familiares é que não, já basta o desgosto da pseudociência.

NachtEldar disse...

Caro Lidador:

Refere um grande livro. Quanto ao background ideológico de Carl Sagan, abstenho-me de comentar, pois não o conhecia.
Reveja apenas "Heisenberg" (não se escreve com m)e, "puxando a brasa" à Quântica, na sua formulação matricial, tem-se:
QP-PQ= h/4.PI.i
Relembrando Heisenberg:
"Delta"x."Delta"p >= h/4.PI

É só factores esféricos...

Cumprimentos

Unknown disse...

Cara ML, não há nada a fazer. Uma vez que retira as certezas da crença, como muito bem reconheceu, está imune a toda e qq informação que a contrarie. Se acredita que Sagan tinha simpatia por Trotsky, nada poderá desbastar essa crença e usará sempre a falácia que o próprio Sagan descrevia como "pesca à linha", isto é, irá por aí vasculhar tudo aquilo que lhe pareça estar da acordo com a sua crença.
Os factos estarão sempre subordinados à conclusão, o que é exactamente o contrário do pensamento científico.

O que se entende, porque só as pessoas com raciocínio ilógico defendem teorias fracassadas, como você faz.

A sua "argumentação" é típica de um crente que cita a Bíblia para provar aquilo em que acredita ( e tb segundo Sagan, pode-se citar a Bíblia para provar o que quer que seja)

Caro Nacht, tem razão, é Heisenberg. Erro de digitação, claro...o n e o m estão ao lado um do outro no teclado...

ml disse...

Cara ML, não há nada a fazer
...
( e tb segundo Sagan, pode-se citar a Bíblia para provar o que quer que seja).


Patuá oco, renhéu-nhéu, disco rachado. Tanto encaixa aqui como na criação de patos.

Vá com deus.

NachtEldar disse...

Caro Lidador:

Convido-o a tecer uma crítica a "Meia noite em Zurugoa". Apareça no meu "Botequim".

Cumprimentos