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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Miss Marple e o Incrível Hulk


Miss Marple resolve intrincados casos policiais por analogias com personagens do seu pequeno mundo rural.
A velha senhora “sabe” que a natureza humana está sempre à flor da pele, mesmo que escondida por sucessivas camadas de verniz cultural e civilizacional.
E não é necessário muito para que o verniz estale e qualquer sofisticado gentleman se transforme no primata territorial que nunca deixou de ser. Há um Incrível Hulk em cada um de nós.

Há dias ia no carro de um casal amigo, gente racional que se dá bem e tem uma conversa inteligente e sensata.
Ele ia a conduzir com o cruise control em 120 Km/h, e foi a essa velocidade que iniciou a ultrapassagem de um camião.
Algumas centenas de metros atrás, um fitipaldi em aproximação já vinha a fazer sinais de luzes e, a uma velocidade estonteante, colou-se à traseira do nosso carro apitando e barafustando.
Uma situação irritante e susceptível de fazer saltar o verniz a muita gente. A mim, por exemplo.
O meu amigo, detentor de uma notável carapaça, completou imperturbavelmente a ultrapassagem à velocidade a que vinha , fez sinal e retomou a faixa da direita.
O fitipaldi estava furioso e fez questão de o demonstrar, plantando-se à frente do nosso carro e executando sucessivas travagens.
Uma situação perigosa, mas banal nas nossas auto-estradas.
Este poste é sobre a reacção da esposa.
Eu estava indignado com o fitipaldi e, se o apanhase de feição, provavelmente o meu Incrível Hulk faria um bonito.
A senhora, visivelmente nervosa, desatou a criticar o marido e a assacar-lhe culpas por ter incorrido na fúria do fitipaldi, apesar de ele não ter feito rigorosamente nada, e ter agido até com notável contenção.
É aqui que entra a análise à Miss Marple.
Eu sou diferente da senhora. A minha solidariedade vai para os meus, para aqueles que são a minha pertença e a fúria reservo-a para o “outro”.
A senhora vê o seu mundo a ser agredido e, em vez de apoiar os seus, desata a criticá-los e a culpá-los. O fitipaldi, se assistisse à cena, esfregaria as mãos de contente pelo improvável aliado.
O que mais me impressionou, é que em nenhum momento a senhora se lembrou de criticar o óbvio culpado. É como se, para ela, o fitipaldi não pudesse agir de outra forma, sendo obrigação do marido adivinhar, ceder e adaptar-se às características do fitipaldi, mesmo que para isso infringisse as regras do seu mundo.
A senhora é de esquerda, mesmo que o não saiba, porque a sua atitude é exactamente a que define a esquerda “multiculturalista”: infinitamente tolerante para com o “outro” e absurdamente crítica com a própria cultura e civilização; sempre disponível para justificar e compreender o terrorismo e obcecada com a condenação e crítica daqueles que lhe fazem frente.
E depois percebi a razão:
Medo animal.
A senhora tinha medo do que dali pudesse resultar. Temia pelo seu mundo. E estava disposta a todas as cedências e indignidades para evitar a situação de onde esse medo nascia.
É também o medo que faz mover a esquerda.
Na década de 80 a esquerda berrava “antes vermelhos que mortos”, e criticava não os mísseis russos apontados às suas cabeças, mas os que os americanos queriam instalar para responder a essa ameaça. Temia os russos e por isso criticava os americanos.
Hoje a esquerda critica, não o terrorismo, mas a resposta ao terrorismo. Não o islamismo, mas a resposta ao islamismo.
Tem medo dos americanos?
Não, teme os terroristas! Consequentente critica os americanos.
É por isso que o grito “antes dhimmis que mortos”, está pronto a sair das gargantas de muita gente.
Medo puro e simples!
A esquerda, segundo Miss Marple!

2 comentários:

Unknown disse...

Um amigo enviou-me um mail com o seguinte comentário a este post:
"A situação retratada é comum nas nossas vidas. A reacção de muita gente é exactamente aquela, quiçá pelos mesmos motivos apontados.
Já a analogia, pura e simples, com o comportamento “esquerda” /”direita”, não me soa bem, por considerar que é redutora. E depois, há uma evidência nessa coisa do terrorismo e da “reacção” ou não reacção ao dito: a política externa dos EUA no mandato Bush (e não é preciso recuar mais) tornou, descaradamente, um rumo intervencionista, imoral, ilegal e surreal."

Unknown disse...

"Já a analogia, pura e simples, com o comportamento "esquerda" /"direita", não me soa bem, por considerar que é redutora."

Exacto. É nisso que Miss Marple é boa. Agarra numa situação,descarta o bla bla bla e reduz o assunto ao seu core irredutível. Mesmo que o recusemos, por ser "redutor", coisa que acontece sempre que não gostamos da lógica da coisa.

" a política externa dos EUA no mandato Bush (e não é preciso recuar mais) tornou, descaradamente, um rumo intervencionista, imoral, ilegal e surreal."

"descaradamente"
Um advérbio interessante e moralista. Condenatório. A política podia ser apenas "intervencionista, imoral, ilegal e surreal". Porquê "descaradamente"? Será que a descrição reside na política em si, ou nos preconceitos ideológicos de quem a profere?

"intervencionista"
Sim, exacto. Mas uns meses antes do 9/11, qdo Bush sugeria a retirada americana da questão balcânica, chamavam-lhe "isolacionista". A Europa não se tem dado mal com o "intervencionismo" americano...sem ele estávamos basicamente a fazer a saudação nazi ou a passar férias repartidas no Gulag.

"imoral"
Porquê? Quem define a "moralidade"? É "imoral" tudo o que cada um acha que é "imoral"? Bem, há 6 biliões de gajos no mundo. No mínimo 6 biliões de moralidades.
Dar uma queca é imoral? Para uns sim, para outros não...em que ficamos? Cada um é o eu próprio Rei Sol? Voltamos ao imperativo categórico?

"ilegal"
À luz de que lei? A que cada marmelo tem na cabeça? Acusador, juíz e executor?

"surreal"
Trata-se de um adjectivo indignado (género, o Bush é um cabrão, e é estúpido, e é feio, e cheira a enxofre, e é mau) ou a palavra é usada com um significado preciso?