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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ainda a culpa.

A culpa, que pode desaguar no masoquismo, é uma doença ocidental, especialmente europeia (judaico-cristã, berrava Nietzche do alto de um penhasco helvético) que conduz directamente ao relativismo do séc. XX e deu credibilidade a masoquistas convictos como Sartre, ou a loucos furiosos como Fanon.
Criticar o Ocidente, algo que passa por corajoso e sinónimo de sofisticação intelectual, não necessita na verdade de mais coragem do que a necessária para tomar uma bica, e mais inteligência do que a exigida para recitar alguns salmos do vademecum politicamente correcto.
Tendo sido dada como demodé no cair do pano do séc. XX, eis que, dezenas de anos depois do fim dos impérios coloniais, a culpa volta a estar na moda, tal como as ideias comunistas voltam a seduzir à medida que se dilui a recordação da URSS, e o terceiromundismo floresce no olvido do maoísmo, e dos killing fields.
A morte das utopias, afogadas num mar de sangue, em vez de condenar definitivamente as ideologias que as sustentavam, libertou-as da experiência do real. Não morreram, como se chegou a acreditar, apenas se transformaram e renascem agora no mundo do abstracto.
O fracasso real, em vez de condenar as doutrinas, tornou-as esotéricas e apelativas, como se o facto de o templo cair em cima dos fiéis, comprovasse urbi et orbi a inquestionável bondade do deus.
No caso do Ocidente os factos nus e crus, despidos dos filtros ideológicos da culpa e do relativismo, estão à vista: o colonizado como vítima deu ligar ao descolonizado como vítima, desde os 60 milhões de mortos do Grande Timoneiro aos massacres de Pol-Pot, passando pelo delírio medieval dos aiatolas iranianos, pelo totalitarismo cubano, pelo alastrar do nepotismo, da cleptocracia, da corrupção, da fome e da miséria.
O coração das trevas, de há 50 anos para cá, não é o pesadelo colonial, simbolizado, na versão de Copolla, por um Kurtz enlouquecido e disposto a tudo, algures no curso superior do Mekong, mas a África descolonizada, desde Mengistu a Idi Amin, passando por Bokassa, Samuel Doe, Charles Taylor, Serra Leoa, as crianças soldado, as mutilações em massa, as violações colectivas, a morte de milhões de tutsis à catanada, os massacres no Sudão, as guerras esquecidas em Angola, Moçambique, Guiné, Ruanda, Etiópia, Argélia, Somália, Costa do Marfim, a miséria extrema no Zimbabwe, na região subsaariana, etc.
Pelo contrário, a Europa saiu-se bastante bem do trauma do fim dos impérios, provando quão falsa era a patacoada marxista de que a sua prosperidade se devia à exploração e saque das riquezas do sul. Na verdade, alguns dos países mais ricos e bem sucedidos do Velho Continente, jamais foram sequer impérios coloniais, desde a Suíça à Dinamarca, passando pela Suécia, Noruega, Irlanda, etc.
História encerrada?
Não, infelizmente!
Tendo ficado congelado por uns tempos o velho sonho socialista da salvação do proletariado universal, libertado enfim da “canga colonial”, (pese embora a imbecilidade patética do socialismo “bolivariano”), volta a estar na moda a retórica da culpa do Ocidente, legitimada agora pela ofensiva mundial do Islão, reivindicando-se vítima milenar de imaginários e terríveis agravos, e na entronização dos imigrantes, especialmente os oriundos dos modernos corações das trevas, como os novos proletários explorados.
O problema é que este novo terceiromundismo, de natureza introspectiva e suicida, parasita as consciências e conduz ao ódio a si mesmo, frequentemente maior do que o proclamado amor ao “outro”.
E o facto de não estar já apoiado numa proposta política, corrói aos poucos a alma do Ocidente, cada vez mais indefesa perante a paulatina destruição dos valores que lhe deram corpo.

14 comentários:

Anónimo disse...

Este regime com tanto ex-lava pratos de restaurante barato o que é que tem para oferecer senão algo aos seus antigos colegas de trabalho?

EJSantos disse...

Boa noite Lidador. Concordo com a sua afirmação que este complexo de culpa corroi a alma do Ocidente. Em post anterior já afirmei que atrocidades têm sido cometidas por quase todas as civilizações e povos do mundo. Os ocidentais, neste aspecto, não são nem melhores, nem piores.
Infelizmente uma colectividade de pseudo-intelectuais (aparentemente engoliram a parvoice do Rosseau, o tal que falava do bom selvagem) têm feito um ataque tenaz à sua própria civilização, usando de todos os recursos possiveis. Pouco importa que o recurso à culpa seja descabida e até estupida. O que importa é que há um meio de se atacar a nossa própria civilização.
Pessoalmente adorava poder mandar estes pseudo-intelectuais para o hospital psiquiátrico. Ou citando Olavo de Carvalho: Apelo a todos os bem-pensantes: tratai-vos!"
Boa noite

ml disse...

Ou citando Olavo de Carvalho: Apelo a todos os bem-pensantes: tratai-vos!"

Qual Olavo, o astrólogo?
Boa.

Anónimo disse...

Muito bom texto caro Lidador. Para quando a libertação de traumas auto-infligidos por parte do nosso mui estimado Ocidente ?? Teremos algum dia descanso destes idiotas ressabiados ? Duvido, pois o discurso " shame on us " é sempre muito apelativo para a corja pseudo-intelectual esquerdista. Vão, mas é, cavar batatas...

Carmo da Rosa disse...

Paul Scheffer, um pensador de esquerda ligado ao Partido Socialista Holandês disse a 30 de Novembro de 2007:

'Não nos devemos lembrar da escravatura por uma necessidade de autoflagelação ou de autocompaixão, mas para que seja claro que também na nossa história a civilização e a barbárie se confundem, se justapõem.'

EJSantos disse...

Bem observado, caro Carmo da Rosa. Só é pena que, aparentemente, somos os únicos auto-criticos. Por exemplo, os Turcos não reconhecem o genocidio perpretado contra os Arménios, o grande heroi dos zulus é o Shaka Zulu, que era um bom chefe militar, mas francamente psicopata, etc, etc.
Mas no essencial concordo com a afirmação de Paul Scheffer. Mas não deviam ser só os ocidentais a praticar a auto-critica. E nunca nos moldes da extrema esquerda.

Carmo da Rosa disse...

”Mas não deviam ser só os ocidentais a praticar a auto-critica. E nunca nos moldes da extrema esquerda.”

Pois é Santos, mas a auto-critica é precisamente o que define a diferença entre seres civilizados e os outros. Mas isto fica entre nós, senão ainda nos acusam de racistas, fascistas e mais coisas feias.

PS Como é que vai o Vilanovense?

Unknown disse...

"a auto-critica é precisamente o que define a diferença entre seres civilizados e os outros"

Você nem me diga tal coisa, CdR.
A autocrítica era um dos sistemas de controlo de todos os movimentos comunistas. O "camarada" purgava-se periodicamemte frente a uma Assembleia de camaradas, admitia pecados contra o povo e a revolução, assumia que era um a mera engrenagem cujos erros podiam travar a marcha da grande máquina para o socialismo e de um modo geral humilhava-se como ser individual. É uma necessidade.
Nos países totalitários a natural tendência à crítica está bloqueada, pelo que o regime compensa-a através de um processo artificial organizando sessões públicas em que todos expiam as culpas próprias ( a culpa é deles, não do regime) e se chega por vezes ao assassínio dos bodes expiatórios, os inimigos do povo. Estalinem, Hitler e Mao praticaram isto até à exaustão.

No Animal Farm, a coisa esta bem figurada com Snowball a ser nomeado culpado dos insucessos da nva gestão da quinta.

Carmo da Rosa disse...

”Você nem me diga tal coisa, CdR.
A autocrítica era um dos sistemas de controlo de todos os movimentos comunistas.”


Prezado, como diz a ML,

É evidente (julgava eu!) que não me refiro a essa autocrítica, porque torturar um indivíduo até ele estar disposto a dizer aquilo que os esbirros querem perante numa comédia de tribunal, só muito cinicamente é que se pode chamar a isto uma AUTOCRÍTICA.

Eu refiro-me por exemplo à autocrítica dos alemães em relação ao seu período negro da história. Coisa que os Japoneses ainda têm uma certa dificuldade, os Russos continuam a cobrir tudo com a Grande Guerra Patriótica, como eles costumam dizer, e o Chineses nem falam no assunto, que é para não levantar muitas ondas.

Unknown disse...

Os alemães, os russos, os chineses e toda essa gente, fazem bem. As pessoas actuais não têm de carregar com as culpas reais ou imaginárias de pessoas que já estão a fazer tijolo.

A noção de pecado original, tão cara às religiões, segundo a qual ao nascermos já estamos carregados com os pecados dos que nos antecederam, como se isso se transmitisse por via genética, é intolerável.

Importa conhecer a História, para não repetir erros, mas porra, que é que eu tenho a ver com o facto de o Afonso de Albuquerque ter varrido a canhão as costas do Índico?
Que culpa tem o Klaus Heinz, da Baviera, de o Adolfo Hitler ter massacrado os judeus?

Que culpa tem o Carmo da Rosa, de o Marques de Pombal ter cortado as cabeças aos Távoras?

Você já reparou que só o Ocidente anda vergado à culpa?
O espaço onde há mais liberdade, mais respeito pelos direitos, mais evoluído, mais bem sucedido,tudo isso construído a ferro e sangue por gerações de pessoas que lutaram e viveram como sabiam e podiam, anda miseravelmente a rojar-se aos pés de civilizações atrasadas e selvagens, implorando desculpa por ser quem é.
Isso é destrutivo, meu caro. Dá cabo da nossa autoestima.Se não estamos bem na nossa pele, se não gostamos de nós, quem lutará por aquilo que somos?
Como pode uma civilização ter futuro se passa a vida a envergonhar-se e a flagelar-se pelo que foi e pelo que é?
Quem vive com este sentimento desiste ou suicida-se.

Unknown disse...

Já agora, quanto à escravatura, o juizo do tal gajo do Partido Socialista é muito polititicamente correcto, mas está imbuído na asneira.
A escravatura é hoje considerada imoral, ilegítima, insana, etc, por nós e por isso não a praticamos e a condenamos.
Nós, no nosso tempo.

Houve tempos em que era normal, não era imoral e por isso as pessoas daquele tempo praticavam-na sem qualquer sentimento de culpa ou erro.
Quem somos nós para condenar com os valores do nosso tempo, os comportamentos morais assentes nos valores de outros tempos?
Veja por exemplo que hoje comemos frango no churrasco, com evidente satisfação e nenhuma culpa.
Se daqui a 500 anos for considerado que tal prática é imoral, obscena e pecaminosa, acha que os seus descendentes se devem sentir culpados de você se empanzinar com uma boa coxa de frango?

A bem ver, a escravatura ja foi uma coisa boa quando foi "inventada". Significou que os prisioneiros das lutas entre tribos deixaram de ser mortos imediatamente, face ao valor económico do seu trabalho.

RioDoiro disse...

... andam por aí, à solta, movimentos que pretendem "devolver a dignidade às galinhas.

.

EJSantos disse...

Olá Carmo da Rosa. Infelizmente não lhe posso adiantar muito sobre o Vilanovense. Estou a viver, a trabalhar e estudar em Lisboa.
Quanto à auto-critica esta poderá ser salutar se houver:
1.O bom senso de defender, com garras e dentes, as grandes conquistas da nossa civilização, como disse, e bem, o Lidador;
2. Não cairmos na patetice do sentimento de culpa.
Ah, já agora um pormenor asqueroso. A nossa civilização proibiu e condenou a escravatura. Coisa boa e bem feita. MAs ainda há países que a praticam (por exemplo, a Mauritânia) e não sentem nenhum problema com isso.

Carmo da Rosa disse...

”Os alemães, os russos, os chineses e toda essa gente, fazem bem. As pessoas actuais não têm de carregar com as culpas reais ou imaginárias de pessoas que já estão a fazer tijolo.”

Lidador,

Neste caso não se pode meter os alemães, os russos e os chineses na mesma panela. Como eu já disse os alemães fazem bem, os outros aldrabam. E isso nada tem a ver com o carregar com culpas, mas pura e simplesmente com o facto de toda a gente (alemães, russos e chineses) sentir a necessidade de contar a sua história - porquê, não sei… Então, o melhor é contá-la como deve ser.

Ora, o que acontece, é que uns têm tomates para contar a história como deve ser, com um mínimo de objectividade, com decência, os tais civilizados. Os outros, contam a história da carochinha, passam por cima dos factos como se não existissem e perdem-se em feitos heróicos (os seus): a versão infantil da história…

Só isto.

É evidente que o facto do Afonso de Albuquerque ter varrido a canhão as costas do Índico a mim não me tira uma hora de sono, pelo contrário, o que me tira o sono é Portugal, com o melhor jogador do mundo na equipa, ter empatado em casa contra 10 Albaneses, mas sobretudo o facto do presidente da federação e o seleccionador não se terem demitido, e uma pena que os espectadores já não tenham nas veias o sangue dos Albuquerques, para escavacar totalmente o estádio e pedir o dinheiro do bilhete de volta.

”Como pode uma civilização ter futuro se passa a vida a envergonhar-se e a flagelar-se pelo que foi e pelo que é?”

A minha autocrítica, como já vimos, nada tem a ver com autoflagelação, apenas com o abordar da história de forma objectiva. E o tal socialista que eu citei, Paul Scheffer, diz, na realidade, mas por outras palavras, precisamente o que você diz:

”Não nos devemos lembrar da escravatura por uma necessidade de autoflagelação ou de autocompaixão, mas para que seja claro que também na nossa história a civilização e a barbárie se confundem, se justapõem.”

Por isso não vejo onde é que esteja a asneira? Aliás é difícil acusá-lo de correctismo político, porque ele foi o primeiro socialista que em 2000 teve a coragem de escrever o panfleto (que eu cito frequentemente) O Drama da Sociedade Multicultural, o que lhe causou muitos problemas – entre outras coisas foi acusado de racista.

Acerca da escravatura, eu até costumo dizer, para horror dos meus amigos de esquerda, que os descendentes dos escravos Norte-Americanos e Surinames têm hoje sorte, no sentido em que os descendentes dos outros, os que não foram levados como escravos, encontram-se agora em pior situação: são obrigados a pagar balúrdios a gangsters para poder fugir em embarcações decrépitas, arriscando a vida para chegar à Europa ou aos EU.

EjSantos,

”Ah, já agora um pormenor asqueroso. A nossa civilização proibiu e condenou a escravatura. Coisa boa e bem feita. Mas ainda há países que a praticam (por exemplo, a Mauritânia) e não sentem nenhum problema com isso.”

Nem é preciso condenar, é preciso é falar no assunto como deve ser, objectivamente e sem sentimentalismos. A diferença por exemplo entre o documentário do António Barreto sobre a história recente de Portugal, e a maneira como a história era abordada no tempo da outra senhora…