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terça-feira, 28 de abril de 2009

Do mundozinho que convém explorar

Como complemento (vice-versa, certamente) deste meu outro post, e até que surja um outro ainda em caldeirão, haverá interesse em ler Paulo Tunhas, que transcrevo.
No outro dia, ia eu muito lampeirinho apanhar um táxi que me conduziria directamente à felicidade, quando de repente ouvi o meu nome berrado muito alto. Era um conhecido do tempo do neolítico que, pelos vistos, estava muito satisfeito por me rever. Lá exprimia ele o seu júbilo enquanto eu meditava noutra coisa, até que uma expressão sua me despertou dos pensamentos radiosos com que me entretinha: “Sabes, apesar de tu seres de direita…” (e seguia-se um elogio vago à minha pessoa).

Sempre me interessou muito esta fórmula “apesar de seres de direita”, que ouvi vezes sem conta. Por acaso, ainda no outro dia, ao jantar com um casal amigo – esses do tempo do paleolítico (inferior) -, o tema tinha vindo à baila, e discutiram-se exemplos concretos, com amplo proveito. Confirmei mais uma vez, à pala de um caso que me respeitava, que quando o visado não se encontra presente e a sua, por assim dizer, fisionomia política é apresentada aos outros, ele deixa de ser de direita e passa a incluir-se na “extrema-direita”. Votar-se na (primeira) AD, por exemplo, ou dizerem-se, naqueles longínquos tempos, umas banalidades de base social-democratas eram sinais inequívocos de pertença à raça.

Mas não é isso que é interessante. Interessante a sério é o “apesar de”. Há um mundozinho aqui que convém explorar. Porque não se trata apenas de, através da fórmula, assinalar a perversão política do outro e a nossa própria integridade. É isso, também, mas não é só isso. É sobretudo afirmar tacitamente que o critério decisivo na apreciação do outro é de natureza política e que qualquer coisa que se pense dele deverá a esse critério ser subordinado. Vale a pena notar que em circunstâncias um bocadinho a puxar para o excepcional esta maneira de pensar arrisca-se a ter consequências desagradáveis. Aí, o “apesar de” muda de aspecto. Passa a ser “apesar de seres uma óptima pessoa”, e o que se segue pode não ser lindo.

Dir-me-ão que também há os “apesar de seres de esquerda”. Há, certamente, mas são muito menos. Por uma razão simples. A direita é mais avessa à paixão política do que a esquerda, e duvida, na maioria dos casos - e nalguns deles duvida com imensíssima razão -, da sua própria bondade moral. O que, podendo em muitas situações ser nocivo, tem pelo menos o mérito óbvio de introduzir na cabeça um niquinho de cepticismo que é muito bem-vindo nestas coisas. A esquerda é incomparavelmente mais estanque e propensa ao delírio de virtude.

O meu amigo do neolítico não me estava certamente a ameaçar com aquela simpática franqueza. Mas, noutro contexto, estaria. Como estaria vária gente que conheço. Por essa e por outras é que não sou “de esquerda”.

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