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quinta-feira, 21 de abril de 2011

COMPARAR SISTEMAS


Troca privada de impressões com um amigo de esquerda. Como a temática é bastante actual e do interesse geral, tomei a liberdade de tornar a coisa pública. O texto a vermelho é indiscutivelmente do meu amigo de esquerda e o meu, como de costume, a preto…

Tento ver as coisas em perspectiva e em movimento (a tal dialéctica de que falava o Hegel). Não sou positivista e não analiso os fenómenos sociais isolados do seu contexto. Já referi, mais do que uma vez, que não podemos (se queremos ser honestos intelectualmente) isolar os factos e tentar explicar a realidade através de uma fotografia. Eu não sou fotógrafo. Quanto muito cinéfilo. Para mim, uma estória (a História) deve ser contada em imagens (24 por segundo, de acordo com o Godard). Ou seja, não vale de nada dizer que o sistema X é melhor ou pior do que o sistema Y, porque todos os sistemas têm vantagens e desvantagens e a História da Humanidade não é apenas o presente (tem, pelo menos, a idade da escrita) e vai continuar por muitos milhares de anos...

Desde quando e porque carga de água é que não se pode comparar sistemas? Foi Deus que disse? Que fazer quando o sistema X tem só vantagens e o sistema Y só desvantagens? Não abordar o assunto, porque é feio fazer comparações?

O capitalismo de que tu falas (e que eu conheço tão bem como tu) tem na sua origem dois factores essenciais:

1. A ajuda do plano Marshall, que possibilitou aos países do centro da Europa reconstruir as suas economias e criar, durante o “boom” económico dos anos 50 e 60, um estado de protecção social avançado para a época (lembro que foi o PVDA com Drees, o responsável pelas primeiras leis sociais holandesas em pacote, WW, WWV, AOW, WAO e WWF, ainda nos anos 50).

2. A necessidade de impedir o crescimento dos partidos comunistas e socialistas na Europa, após a 2ª guerra mundial (lembro que a URSS era, já à época, a 2º maior potência mundial e que a sua influência junto da esquerda europeia nos anos cinquenta era enorme). Portanto, a criação do “estado social” europeu foi, também, uma resposta às reivindicações dos partidos e sindicatos de esquerda.

O Plano Marshall é, por excelência, um excelente exemplo das vantagens do sistema X sobre o sistema Y. Os americanos (sistema X) implementaram-no e isso realmente “possibilitou aos países do centro da Europa reconstruir as suas economias”, mas passados 4 semanas foram-se embora porque a reconstrução estava bem encaminhada, a democracia funcionava e o dinheiro era bem empregue.

E o que fez o sistema Y, a segunda potência mundial, ou seja, os russos?

Instauraram ditaduras, construíram um muro (precisamente para as pessoas não poder comparar sistemas) e ocuparam países independentes durante 40 anos… É verdade que no Ocidente os partidos e sindicatos de esquerda (sobretudo os de filiação comunista) apoiavam todo o tipo de reivindicações, mas apenas com o intuito de sabotar o sistema X, a única coisa em que estavam interessados. A gente na altura, burros como cepos, é que julgávamos que a intenção dos tais partidos e sindicatos era realmente fazer com que os trabalhadores ocidentais trabalhassem apenas de manhã e à tarde fossem à pesca! Mas não, andaram a enganar-nos durante toda a nossa juventude e a prova é que eles nunca se preocuparam com as muito mais justas reivindicações dos camaradas do outro lado do muro, do sistema Y, que passavam fome e não podiam abrir a boca…

Dito isto, devo acrescentar que o exemplo de capitalismo que tu apresentas, é apenas um exemplo de capitalismo. Ou seja, existem vários capitalismos e, infelizmente, o estado social europeu está reduzido a uma dúzia de países.

Pelo menos tenho o mérito de apresentar um sistema que representa 12 países que existem realmente: não são utopias, quimeras, ou amanhãs que cantam!

Mas, mesmo nesses países, onde o estado social é mais forte, enfrentam diversos problemas. O regabofe de que tu falas, só foi possível porque a economia crescia a 4 e 5% ao ano. Isso acabou. A Europa foi ultrapassada pelos EUA e pela Ásia e hoje a UE cresce em média 1% (o chamado “crescimento negativo”).

É claro que todos os países têm problemas – conheces algum país sem problemas? Mais uma vez, refiro-me a países existentes e não a paraísos mitológicos que só existem na fantasia de ideólogos de esquerda! Eu não percebo a ponta dum corno de economia, mas uma coisa sei: sei que é absurdo comparar as percentagens de crescimento económico da China, Brasil e Índia (onde há tudo por fazer), com o da Holanda e Dinamarca (em que quase tudo está feito)… Mesmo com o tal “crescimento negativo”, estes dois últimos países são ainda de longe superiores ao resto, e por enquanto é para lá que toda a gente quer fugir, e não para os BRIC’s…

“Isso acabou. A Europa foi ultrapassada pelos EUA e pela Ásia e hoje a UE cresce em média 1%”, dizes tu! Aquilo que já disse sobre as comparações assimétricas de crescimento económico, gostaria de acrescentar que não entendo em que baseias o teu fatalismo acerca da Europa? O que é que impede a Europa (ou pelo menos os tais 12 países) de ter amanhã outra vez um crescimento económico de 4 ou 5%? E também não entendo em que é que os EUA ultrapassaram a Europa? Na dívida? Sim, neste caso até já ultrapassaram Portugal…

É por isso que, desde os anos oitenta, o estado social europeu deixou de ser tão generoso e passou a haver muito mais controlo e cortes nas despesas sociais. Sem crescimento económico significativo (3 a 4%) não há criação de emprego e sem criação de emprego, é difícil criar riqueza.

O Estado Social na Holanda continua a ser bastante generoso! O que acabou (mas só recentemente e com este governo) foi o regabofe. Não sei por quanto tempo ainda, mas mesmo um país como Portugal tem um Estado Social mais generoso do que o Brasil, Rússia, Índia e China (os famosos BRIC’s). E nos tais doze países da Europa continua haver crescimento económico, criação de emprego e de riqueza -- nuns mais do que noutros claro, mas em todo o caso ninguém morre de fome…

Logo, a única forma de manter os apoios sociais existentes, é aumentar os impostos e estes não podem ser aumentados infinitamente. Não podes exigir aos cidadãos de um país que paguem 50% dos seus rendimentos, a menos que a maioria da população ganhe ordenados acima da média, o que não é o caso. Portanto, a escolha é entre aumentar os impostos e perder os eleitores, ou cortar nos apoios e aumentar as diferenças sociais, com o risco de maiores convulsões sociais (veja-se os protestos em França. Itália ou Inglaterra, para citar 3 exemplos recentes).

Creio que há ainda muita margem de corte nos apoios sociais nos países capitalistas do norte da Europa, mas deixo isso para os entendidos. Uma coisa é certa, se aumentar os impostos faz perder eleitores, como tu dizes, isso significa que os votos vão automaticamente para partidos que não querem aumentar os impostos - os votos não se evaporam... A democracia não deixa de funcionar!

Não compreendo a tua insistência em esboçar cenários catastróficos para determinados países - certamente aqueles que pessoalmente não vais muito à bola, penso eu? Mas pronto, é verdade que em França, Itália e Inglaterra há diferenças sociais, mas por enquanto são muito menores do que nos BRIC’s, os países em que pelos vistos te apoias como o exemplo a seguir. E se realmente existem riscos de convulsões, não são tanto de ordem social, mas mais de ordem cultural. Mas quem é que nos pode garantir que não existam actualmente convulsões, ou coisas ainda mais chatas, no Brasil, Rússia, Índia e China?

Resta acrescentar que o envelhecimento da população europeia é uma das razões porque há menos pessoas a descontar e, portanto, menos dinheiro nos orçamentos de estado para as prestações sociais. Dizes que esse é um problema menor. Mas, isso já foi tentado (durante os anos de crescimento económico) com a importação de mão de obra barata e dócil dos países periféricos e agora a Europa está a braços com o problema da integração das comunidades islâmicas. Não é tão fácil assim, até porque essas comunidades vão ficar aí.

Se disse que “o envelhecimento da população europeia” é um problema menor, errei, porque, no que diz respeito à Holanda, é realmente um problema grave que é debatido regularmente no parlamento e todas as soluções apontam para adiar o mais possível a idade da reforma. Mas isto não é nada que não tenha solução e tão pouco significa que os outros SISTEMAS não tenham outros problemas ainda mais graves, como por exemplo a China, com a política de uma só criança…

Não houve importação de mão de obra barata. Houve sim uma necessidade mútua: os países industrializados precisavam de mão-de-obra e os trabalhadores dos países periféricos de trabalho. Vieram de livre vontade e eram pagos segundo contratos colectivos de trabalho com base nas suas aptidões profissionais. E vieram porque os salários praticados nos países do norte da Europa eram (e continuam a ser) significativamente superiores aos que eles estavam habituados a receber nos seus países, de outra forma teriam ficado em casa a ver a bola.

O problema da integração da (muito pouco dócil) comunidade islâmica está apenas relacionado com a comunidade islâmica e só com ela. Nada tem a ver com a comunidade portuguesa, polaca ou chinesa. É um problema específico sem qualquer relação com crescimento económico, prestações sociais ou reformas… Se a comunidade islâmica pensa cá ficar não sei? Sei que o melhor para todos seria que os menos dóceis decidissem reimigrar para os seus países, ou então para a Arábia Saudita, onde podem usufruir de um salário razoável e gozar de todos os privilégios que oferece a religião da paz...

Por hoje é tudo porque quero ver na TV com uma cervejinha à mão de semear a COPA del REY (Real Madrid vs Barcelona) em directo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Nós todos a fazer contas http://lmmgarcia.wordpress.com/2011/04/21/contas-depois/

Carmo da Rosa disse...

Luis Garcia, trata-se de um comentário ou apresentação do seu enorme currículo?

EJSantos disse...

O nossos sistema não é perfeito. Mas mesmo assim prefiro-o.
Já estive num País socialista, que entretanto mudou de regime, e ficou muito melhor.