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domingo, 11 de setembro de 2011

A LONGA SOMBRA DAS TORRES – E DE TEERÃ (3)

Pieter Brueghel, A Queda dos Anjos

(...)

5. Interregno afegão ou começa a jihad

Se o 11 de Setembro de 2001 começou a nascer em 1º de fevereiro de 1979, com o retorno triunfal do aiatolá Khomeini a Teerã, que levaria à guerra Irã-Iraque de 1980-1988 e esta à invasão do Kuwait por Saddam Hussein em 1990, levando por sua vez as tropas americanas à vizinha Arábia Saudita num movimento preventivo, e encolerizando um jihadista saudita chamado Osama Bin Laden então recém-aposentado, o segundo espasmo uterino do 11 de Setembro deu-se em 25 de dezembro daquele mesmo ano de 1979: quando a URSS invadiu o Afeganistão para apoiar o governo militar esquerdista de Cabul, ameaçado por milicianos tribais e islâmicos contrários às suas reformas modernizantes, e que agora olhavam para Teerã. Além disso, a revolução iraniana, se fora antiamericana, também era antissoviética: o aiatolá Khomeini e seus asseclas de turbante perseguiram e massacraram os membros do Partido Comunista Iraniano com tanta ferocidade quanto invadiram a embaixada americana. A eventual queda do governo de Cabul, além da perda de um aliado, significaria a exportação da revolução islâmica para o coração da Ásia Central. Nada que a URSS, no auge da Guerra Fria, estivesse disposta a aceitar.

Mas tudo deu errado. O fator religioso fez o papel que, em outros países, seria do nacionalismo, de agregar e estimular os combatentes locais contra um invasor estrangeiro. Não só: pois o islã não tinha um apelo apenas local. Assim, surgiu uma espécie de repetição farsesca das Brigadas Internacionais que, nos 1930, saíram voluntariamente de todo o mundo para lutar na guerra civil espanhola, estimuladas pela solidariedade socialista e pela luta antifascista. Cinquenta anos depois, seria a vez das brigadas internacionais islâmicas que foram lutar voluntariamente na guerra afegã, estimuladas pela solidariedade muçulmana e pela luta contra os “infiéis”.

Ao mesmo tempo, o contexto global, ou extraislâmico, era o do auge da Guerra Fria. Nele, os inimigos do meu inimigo, no caso, a URSS, eram meus amigos. Em 1984, os EUA passaram a fornecer aos mujahedin mísseis leves terra-ar da família Stinger, capazes de, a partir dos ombros, derrubar um helicóptero de ataque e mesmo um caça MIG. Os soviéticos perderam primeiro o controle do ar e depois a guerra. Acabariam por deixar derrotados o Afeganistão em fevereiro de 1989. Antes do final desse ano, e tendo a derrota no Afeganistão como golpe de misericórdia, a própria URSS deixaria de existir.

Parte importante do mundo comemorou o fim da URSS. Assim, enquanto a esquerda, com exceções, lamentava o fim da “grande pátria socialista”, apesar de toda sua apregoada rejeição (mais de boca do que de coração) ao stalinismo, os liberais e os muçulmanos a aplaudiram. Os primeiros por motivos óbvios. Os segundos por motivos igualmente óbvios – ao menos para os próprios militantes muçulmanos. Pois estes viam a URSS como uma potência imperialista e ateísta, contra a qual deram seu sangue (o sagrado sangue dos mártires) no Afeganistão por dez anos.

A derrota e a subsequente implosão da URSS não seriam, porém, seguidas imediatamente pela paz no Afeganistão. Ainda haveria uma guerra civil para decidir quem, entre os muitos senhores de guerra tribais, ocuparia o poder agora vazio em Cabul. A vitória acabou nas mãos de um grupo islâmico apoiado, principalmente, pelo vizinho Paquistão: o Taleban. Corria o ano de 1996. Bin Laden retorna, vindo de seu exílio no Sudão.

Cinco anos depois, após vários ataques indiretos durante os dois governos Clinton, entre os quais às embaixadas americanas na Tanzânia e no Quênia e ao encouraçado U.S.S. Cole no Mar da Arábia, a Al Qaeda está pronta para seu grande ataque ao coração dos EUA. Ou melhor, aos corações dos EUA, animal ao menos tricárdio: o coração econômico, representado pelo Word Trade Center; o coração militar, representado pelo Pentágono; e o coração político, representado pela Casa Branca. Os três seriam atacados ao mesmo tempo naquela manhã de 11 de setembro. A Casa Branca só não foi destruída porque o avião a ela destinado atrasou vinte minutos na decolagem. Com isso, quando foi sequestrado em voo, seus passageiros receberam ligações de parentes contando dos ataques ao WTC e ao Pentágono, acontecidos minutos antes. O vôo 93 da United Airlines caiu na Pensilvânia já em rota para Washington, durante a luta corpo a corpo dos passageiros e tripulantes contra os sequestradores.

6. Saddam, that bastard

Havia de fato uma ligação entre o Iraque de Saddam Hussein e o 11 de setembro, como pretendia Bush-filho. Pois o 11 de Setembro foi resultado direto da instabilidade geopolítica do Oriente Médio causada por Saddam a partir de 1991. E se Bush-pai conseguira obrigá-lo a sair do Kuwait, também deixaria no poder um Saddam machucado, pronto para aproveitar qualquer oportunidade para causar problemas: Bush-pai, diplomata de carreira e membro dos serviços de inteligência com conhecimentos profissionais da Ásia, temia a instabilidade do país com a queda de Saddam, e a eventual subida ao poder de mais uma teocracia islâmica, imposta pelos xiitas do sul com apoio do vizinho Irã.

Saddam manteria tropas ostensivamente na fronteira saudita, estressando o já estressado mercado mundial de petróleo, e ajudaria também ostensivamente os grupos palestinos que se opunham ao caminho recém-adotado (Oslo, 1993) pela OLP, de negociações com Israel. Depois de 11 de setembro de 2001, resultado e culminância de uma década de instabilidade gerada pelo ditador iraquiano, derrubar Saddam era mais do que um desejo dos EUA. Em muitos sentidos objetivos, era uma necessidade.

Bush-filho errou ao acreditar que seria mais fácil dizer que Saddam era aliado da Al Qaeda, além de mentir ao afirmar que ele possuía armas de destruição em massa, tornadas intoleráveis com o 11 de setembro. A Al Qaeda era inimiga de Saddam Hussein desde sempre, e ele não tinha tais armas. Mas como explicar tudo isso para o grande público em dois minutos pela TV? A verdade é que, além de estar na origem do 11 de Setembro, ao ameaçar invadir a Arábia Saudita natal de Bin Laden e levar o rei a pedir a presença americana em 1991, a grande instabilidade mundial gerada pelo 11 de Setembro não poderia conviver, ainda por cima, com a continuidade da pequena grande instabilidade regional representada por Saddam Hussein.

Bush-filho invadiu o Afeganistão com autorização da ONU para acabar com o governo pária do Taleban e com a Al Qaeda por ele protegida, e o Iraque sem autorização da ONU para acabar com governo desestabilizador de Saddam Hussein. Mas não foi o petróleo?! Claro, foi o petróleo. Aproveitar toda essa confusão para garantir a mão na mesa do grande jogo para as próximas décadas etc. Enquanto isso, os EUA compram boa parte de seu óleo da Venezuela de Chávez. Poderiam muito bem comprar de Saddam. Aliás, haviam feito isso mesmo por muitos anos. Nada impedia que continuassem a fazê-lo, assim como sempre fizeram com a Arábia Saudita. A não ser, é claro, as atitudes erráticas e perigosas de Saddam Hussein desde a não-vitória na guerra contra o Irã em 1988 – cuja causa foi a revolução iraniana de 1979. Revolução popular que, em seguida, tornou-se islamofascista. Não é novidade: a Revolução Francesa resultou no Terror jacobino, e a Revolução Russa no stalinismo. Revoluções são, afinal, como as guerras: sempre se sabe como começam, mas jamais como terminarão.

Resta apenas imaginar alternativas. Como a queda de Saddam Hussein afinal se revelou uma antevisão da queda de outros ditadores árabes dez anos depois, o fim desses ditadores talvez acabe por levar de roldão, depois de Muamar Kadafi, também Bashar Assad no Síria e os teocratas islâmicos em Teerã. Desde que, obviamente, não se abram assim as portas para novos teocratas islâmicos...

sábado, 10 de setembro de 2011

A LONGA SOMBRA DAS TORRES – E DE TEERÃ (2)

Pieter Brueghel, O Triunfo da Morte

(...)

3. Pródromos

O mundo, na verdade, não mudou em 11 de setembro de 2001: ao menos, não tanto quanto em 1º de fevereiro de 1979, dia em que o aiatolá Khomeini desembarcou em Teerã, voltando de seu longo exílio em Paris. Duas semanas antes, o xá Reza Pahlevi deixara o poder e o país, expulso por uma revolta popular nos moldes das atuais revoltas árabes.

Duas grandes questões geopolíticas e ideológicas marcariam, assim, o final do século XX: uma, o “fim do comunismo”, com a queda de URSS em 1989; outra, o surgimento do islã político, com a Revolução Iraniana de 1979. Se a queda da URSS não é difícil de entender, a ascensão do islã político é quase impossível de explicar.

No final dos anos 1970, em plena Guerra Fria, a URSS parecia ter a vantagem no presente e o domínio do futuro. A década fora de derrotas para os EUA. Em 1973, a grande crise do petróleo, com os países produtores impondo uma majoração geral dos preços; em 1974, a renúncia de Nixon no rastro do escândalo de Watergate; em 1975, a queda de Saigon e a saída desesperada das últimas forças americanas do Vietnã; em seguida, guerrilhas na África e na América Central. E em 1979, por fim, a queda do xá do Irã, então o mais importante aliado dos EUA na região.

No contexto de um mundo dividido em duas “esferas de influência”, com os EUA apoiando grupos anticomunistas onde pudessem, e a URSS apoiando os grupos opostos nos mesmo lugares, a revolução que derrubou o xá deveria ter, necessariamente, se não um verdadeiro caráter de esquerda, ao menos uma postura pró-soviética. De fato, em todos os casos semelhantes ao redor do mundo, como em Cuba em 1959, onde outro ditador aliado dos EUA foi derrubado por uma revolução popular, quem assumiu o poder foram comunistas, socialistas, nacionalistas de esquerda etc. Jamais padres ou sacerdotes de qualquer tipo. Não se imaginava, nem havia por que se imaginar, uma revolução de padres. Ou de rabinos. Ou de mulás. Mas essa revolução aconteceu, apesar de inimaginada. E de ser inimaginável. Afinal, não fazia qualquer sentido.

As explicações posteriores para essa completa excentricidade se basearam, em grande parte, em duas hipóteses: primeiro, a ideia da modernização teria ficado associada ao xá e portanto ao Ocidente, tornando uma modernização democrática e laica à ocidental não palatável; segundo, a alternativa à esquerda não existia, porque o xá fora eficiente em destruir a oposição de esquerda. Mas isto não é verdade. A repressão do xá era menos intensa e eficaz, por exemplo, do que seria em seguida a de Khomeini.

A senhora foi perseguida pelo regime do xá Reza Pahlevi por suas atividades como líder estudantil. Com a Revolução Islâmica, tornou-se alvo dos aiatolás ao liderar um movimento contra o uso obrigatório do véu...

Sim, mas não há comparação. Como líder estudantil em Tabriz, tive problemas durante o regime do xá: não podia ler alguns livros, dizer algumas coisas, tinha de me apresentar de tempos em tempos à polícia, mas era, por assim dizer, um jogo com regras claras. Com Khomeini, no entanto, tudo ficou muito mais brutal (Mina Ahadi, “Eu renunciei ao islã”, entrevista à Veja, 2 de fevereiro de 2011, p. 15).

Na verdade, o Partido Comunista Iraniano era relativamente forte entre os grupos clandestinos de oposição ao xá, e tinha um importante braço armado, os Mujahedin Khalq. Eles não foram destruídos pelo xá: afinal, participaram da Revolução Iraniana de 1979 (para ser depois destruídos por Khomeini). Mas se havia uma oposição de esquerda no Irã em 1979, além de uma importante classe média urbana, que liderou os protestos na moderna capital do xá, Teerã – Khomeini só voltaria ao país depois da vitória da revolução e da queda e saída do xá –, como e por que a Revolução Iraniana pôde ser sequestrada pelo clero xiita e se transformar nessa inteiramente excêntrica, nos dois sentidos (de fora de centro e fora da normalidade) retrovolução teocrática em pleno final do século XX?

A explicação passa, em parte, pela pessoa do próprio Khomeini, que soube, a partir do exílio, transformar-se numa espécie de “pai da pátria”, reserva moral, histórica e cultural do “verdadeiro” Irã contra o entreguismo modernizante do xá e os confusos antagonismos da dividida oposição, que congregava todo o espectro político iraniano com exceção do grupo no poder, da extrema esquerda aos liberais ocidentalizantes. Essa imagem, naturalmente, era falsa. Khomeini não era nenhum “pai da pátria”, mas seu padrasto, cujo verdadeiro filho dileto era o regime teocrático islâmico, que ele introduziu na geografia político-ideológica contemporânea. Khomeini está para a teocracia islâmica como Lênin esteve para os governos revolucionários de esquerda. Mas se a Revolução Russa tem por contexto histórico e ideológico o marxismo e as jornadas revolucionárias europeias da segunda metade do século XIX, a teocracia islâmica não tem contexto algum. Parece, de fato, ter caído do céu. Alá é grande.

Naturalmente, isso não é verdade. A Revolução Iraniana foi uma revolução xiita. E uma das diferenças entre o xiismo e o sunismo é que no sunismo pode ou não haver separação entre clero e Estado, enquanto no xiismo pode, mas não deveria. O xiismo nasceu de uma querela sobre a sucessão de Maomé, em que os futuros xiitas defendiam que o poder no Califado, o império muçulmano criado pelo Profeta (que além de líder religioso foi governante de fato), deveria ficar com seus descendentes diretos, numa espécie de monarquia, enquanto o sunismo defendia os companheiros do Profeta. O xiismo considera seus principais sacerdotes herdeiros diretos de Maomé. Portanto, devem governar.

A perda do Irã foi tão mais surpreendente quanto era enorme a importância do país, por sua posição geográfica, entre o Oriente Médio, a URSS e a China, sua relevância econômica, pela produção petrolífera, e sua situação estratégica, dominando o Golfo Pérsico ao lado (literalmente) da Arábia Saudita. A URSS tentaria conter a desagradável surpresa ideológica em seu flanco sul invadindo o vizinho Afeganistão para sustentar o governo esquerdista de Cabul. Os EUA tentariam reverter a desagradável surpresa geopolítica em sua região petrolífera apoiando o Iraque numa guerra contra o Irã.

4. Saddam, our guy

Saddam Hussein, porém, não atacou o Irã, em 1980, como garoto de recados dos EUA, mas como aliado. Pois se isso era do interesse dos EUA, também era do interesse do Iraque. A região sudeste do país, fronteira com o Irã, abriga uma enorme minoria xiita. Saddam Hussein temia, com razão, a exportação da revolução teocrática para seu próprio quintal. Um ano depois da revolução iraniana, com o país ainda instável e o governo de Khomeini não consolidado, eram grandes as chances de ainda se conseguir fortalecer as forças antagônicas, e também grandes as chances de, se nada fosse feito, o aiatolá querer exportar sua revolução para fortalecer a si próprio. Fazia sentido o Iraque atacar o Irã. O que não fez sentido foi o Irã resistir ao forte exército iraquiano.

Saddam Hussein lutou contra Khomeini por oito anos, armado e financiado pelos EUA. Se não foi derrotado, não saiu vitorioso, e acabou exaurido. Em 1988, depois de mais de 1 milhão de mortos, a guerra Irã-Iraque terminou em empate. O governo de Khomeini se manteve, assim como se mantiveram as fronteiras. Saíram destruídas a economia iraquiana e a oposição iraniana, pois Khomeini aproveitou a situação de guerra externa para vencer a luta interna definitivamente. Restou, ainda, uma dívida do Ocidente com Saddam Hussein. Ao menos segundo o próprio, que acreditava dever o Ocidente lhe compensar por seus grandes gastos na guerra, além da enorme devastação que ela causou ao país. Então, em 1990, depois de esperar por dois anos, Saddam “foi às compras”: anexou o Kuwait como compensação de guerra, acreditando que os EUA tolerariam o fato em função do empenho de quase uma década para tentar destruir o regime iraniano. Mas Saddam errou o cálculo.

Existe uma ingênua crença popular segundo a qual países têm ou deveriam ter compromissos eternos, como num casamento religioso. Mas todo casamento político é civil: dura enquanto vale a pena. Os EUA foram de fato aliados de Saddam Hussein por muitos anos. Mas isso não impede que se tenham transformado em seus mais sinceros inimigos. Pois se Estados não têm amigos, mas apenas aliados, porque se movem não por amor, mas por interesses, podem ter e têm verdadeiros inimigos. Além disso, os mesmos aliados de hoje podem se tornar os inimigos de amanhã (e vice-versa). Como o Iraque ao invadir o Kuwait, ameaçando desestabilizar geopoliticamente todo o Golfo Pérsico e se tornando uma das causas do 11 de Setembro.

Depois de invadir o Kuwait, ante a reação dos EUA e de seu principal aliado na região, a Arábia Saudita, que levou tropas para a fronteira enquanto os EUA se preparavam para atacá-lo, Saddam ameaçou tomar a dianteira contra essa reação e invadir também a Arábia Saudita, levando suas próprias tropas para a fronteira.

Osama Bin Laden, um guerrilheiro islâmico saudita recém-desempregado, que há pouco lutara no Afeganistão contra a URSS (enquanto o Iraque atacava o Irã em 1980, a URRS invadia o Afeganistão, e as duas guerras durariam quase o mesmo tempo), ofereceu seus serviços militares ao rei saudita. Não foi difícil: a família Bin Laden é a mais rica, poderosa e influente do país depois da própria família real. Sua ideia era defender o país da possível invasão iraquiana com seus mujahedin, ex-companheiros na guerrilha afegã. O rei agradeceu e disse a Bin Laden que não precisava telefonar: ele mesmo ligaria depois para dar a resposta... Em vez disso, o rei ligou para Bush-pai, autorizando a entrada das forças armadas americanas no país. Não se pode dizer que não foi sensato. Saddam Hussein tinha um exército enorme, dimensionado e treinado pela guerra de quase uma década contra o Irã.

Bin Laden julgou-se duplamente traído pelo rei. Por lhe negar a possibilidade de defender seu próprio país, ele que já ajudara a defender outro país islâmico, o Afeganistão, contra um exército muito maior que o do Iraque, o da URSS, e por permitir a entrada de milhares de “infiéis” norte-americanos no “sagrado solo” saudita, pátria de Maomé e lugar de Meca e Medina. Bin Laden jurou o rei saudita de morte – além de jurar de morte os Estados Unidos da América.

Posto nesses termos, parece mera loucura. Mas como disse Polônio sobre Hamlet, é de fato loucura, porém há método nessa loucura. Bin Laden acreditava que assim como os jihadistas haviam derrotado militarmente e ajudado a destruir politicamente uma das duas superpotências da época, a URSS, poderiam e portanto deveriam fazer o mesmo com a outra, os EUA. Isso abriria caminho para uma terceira força mundial, o Califado. Destruir os EUA tornou-se, a partir de 1991, a missão de Bin Laden.

Mas agora persona non grata na Arábia Saudita, ele precisava primeiro sobreviver, e encontrou refúgio no teocrático Sudão, onde se pôs a planejar os primeiros atentados contra os EUA. Em 1996, com a subida do Taleban ao poder no Afeganistão, ele retornaria ao país, de repente um lugar mais promissor do que o Sudão. E bem mais produtivo. Cinco anos depois, ele derrubaria o WTC, atacaria o Pentágono e ameaçaria a Casa Branca.

(cont.)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A LONGA SOMBRA DAS TORRES – E DE TEERÃ (1)

Hyeronimus Bosch, Os sete pecados capitais

A propósito dos 10 anos decorridos após o atentado às Torres Gémeas, inicio hoje a transcrição deste novo texto enviado por Luís Dolhnikoff, que dividi em três partes. Publicarei as outras duas, amanhã e depois de amanhã.


1. O 2997º cadáver

Na madrugada de 10 para 11 de setembro de 2001, eu discutia com um artista plástico os planos para uma nova revista cultural. Ela era pretensiosa, no bom sentido, baseada em editoriais independentes e numa abordagem densa de cada tema, envolvendo arte, política e meio ambiente. Eu pretendia começar por localizar e traduzir indiretamente a poesia curda contemporânea. Não que eu tivesse a mais pálida ideia sobre ela. Mas acreditava que devia haver uma poesia curda contemporânea, enquanto a maioria das pessoas ao meu redor ignorava a mera existência do povo e da língua curdos. Por que a poesia curda? Por essa mesma ignorância. Os curdos eram o maior povo sem Estado do mundo, mas o mundo só parecia ser capaz de se preocupar com os palestinos. Tal preocupação com a questão palestina, se era inteiramente legítima, era perfeitamente seletiva. Havia dois pesos e duas medidas entre as “pessoas de bem” em relação aos palestinos e aos curdos: preocupação máxima com os palestinos, preocupação nenhuma com aos curdos. Eu não buscava a resposta na poesia curda, porque ela não estaria ali, e porque já a conhecia. Pretendia apenas demonstrar de forma direta, palpável, tanto a existência do povo curdo quanto a inexistência de qualquer preocupação das “pessoas de bem” por seu destino de grande pária entre os povos. Pode o verdadeiro humanismo ser assim seletivo? A preocupação com os palestinos, ao lado da despreocupação com os curdos, um povo maior e que sofria mais intensamente nas mãos de regimes cruéis como o de Saddam Hussein, não era de fato uma preocupação com os palestinos, mas uma forma de se mostrar contra Israel sendo a favor dos palestinos, o que, por sua vez, era um modo de ser contra os EUA. Não por acaso, havia dois grandes centros ou focos desse apoio particular ou especial para um povo sem Estado em particular, em detrimento de todos os demais (como ocorrera entre 1975 e 2000 com a luta “silenciosa” do Timor Leste contra a Indonésia): a esquerda internacional e o mundo árabe. Na noite de 11 de setembro de 2001, sentei-me com o mesmo artista plástico para pensar no que acabara de acontecer.

Não haveria mais a nova revista, nem interesse particular em traduzir a poesia curda (de fato, uma das consequências indiretas do 11 de Setembro foi o mundo “descobrir” os curdos). O mundo mudara de repente. Além disso, eu sentia uma enorme tristeza.

Em parte, porque o pós-Guerra Fria acabara de terminar. Se a própria Guerra Fria durara longos quarenta anos, entre 1949 e 1989, quando da queda do Muro de Berlim, o período pós-Guerra Fria, que prometia ser de distensão progressiva, da qual o governo Clinton fora uma pálida amostra inicial, mal durara, afinal, uma década, espremido e esmagado entre a queda do muro e a queda das torres. A alegria fora curta. E seria, agora, pouca.

Pois agora começava outra coisa. Uma coisa muito diferente desse curto e promissor interregno. Pois enquanto a queda do muro, que lhe dera início, além de marcar o fim da cinzenta e asfixiante Guerra Fria, fora um evento sem sangue marcado pela alegre libertação de países inteiros da ditadura stalinista, a queda das torres era um evento sanguinário que levaria a uma necessária reação militar dos EUA. Uma grande potência simplesmente não se deixa atacar assim sem reagir. A guerra voltara.

Ao mesmo tempo, minha tristeza era pela derradeira morte da esquerda.

A esquerda vinha morrendo há muito tempo, e morrera várias vezes. Morrera quando Lênin adoeceu antes de impedir que Stálin assumisse a liderança do Partido Bolchevique, ou quando, antes de adoecer, decidira silenciosamente não impedir que Stálin assumisse a liderança, ou antes ainda, quando recusou as teses de Rosa Luxemburgo sobre a necessidade da democracia interna, ou quando criou a primeira polícia política de esquerda, a Tcheka, ou quando Trótsky atacou militarmente os marinheiros revolucionários de Kronstadt em nome da unidade revolucionária, ou quando Bukharin foi morto por Stálin, ou quando Stálin fez um pacto de não-agressão com Hitler, ou talvez já em outubro de 1917, quando o Partido Bolchevique deu um golpe dentro da Revolução Russa de fevereiro, que depusera o czar e derrubara o czarismo num amplo movimento popular. A esquerda ainda morreria outras vezes em Budapeste, em 1956, em Pequim, em 1966, com o fascismo de esquerda da Revolução Cultural, em Praga, em 1968, e em 1975, nos arredores de Phnom Pen, quando Pol Pot abriu o primeiro campo de extermínio do Camboja. Mas a esquerda era um cadáver resistente. Desta vez, porém, eu tinha certeza de que chegara o fim final.

Fui uma parte da vida o que se chama ou chamava de “um homem de esquerda”, apesar de carecer da vocação para a cegueira voluntária que se espera e se exige dos fiéis. Mas porque, como diz o adágio, “Quem não foi comunista antes dos trinta, não tem coração; quem é comunista depois dos trinta, não tem cérebro”, queria acreditar e por isso acreditava na vitória final e inexorável do socialismo redentor da história e dos povos – mas tinha de me esforçar. Naturalmente, sempre fui um cético. Devia, por isso mesmo, ser um cético na mente, mas um crente no coração, porque o pesadelo da história, se podia ter um fim, devia ter um fim. E não havia outro fim além do socialismo. O socialismo, porém, era mentira e miragem. De um lado, revelou-se miserável politicamente, nada mais do que o fascismo vermelho do stalinismo; de outro, era miserável economicamente, pois a economia centralizada jamais gerou riqueza comparável ao capitalismo, mesmo porque jamais gerou riqueza, como a implosão de podre da URSS demonstrou de modo espetacular, e o lento, patético e interminável crepúsculo da ilha de Cuba demonstra de modo farsesco, com a miséria nojenta da Coreia do Norte correndo por fora, e a opulência da China depois de adotar o capitalismo correndo mais por fora ainda. Por fim, a esquerda também se demonstrou miserável culturalmente. A grande arte do século XX veio do mundo capitalista ocidental, a começar de todos os ismos de sua primeira metade, do cubismo ao abstracionismo, passando pelo surrealismo, o expressionismo etc., para não falar da arte pop e popular, do jazz ao rap. O mesmo vale para a ciência, da física à biologia, para a filosofia e para a tecnologia, incluindo celular, internet e cia. O socialismo foi afinal pródigo e prodigioso apenas em produzir cadáveres. Um deles, o seu próprio, que se recusava a ser enterrado. Porque os mitos são difíceis de matar e de morrer – ainda que facilmente façam matar e morrer por eles.

Em 11 de setembro de 2001 descobri, para minha surpresa, que minha rejeição racional do mito que eu mesmo acalentara por tantos anos no passado não fora tão completa quanto acreditava. Minha tristeza por sua morte derradeira o demonstrava. Mas por que a esquerda iria agora morrer derradeiramente? Porque ficaria do lado errado da história, que pegara um atalho imprevisto naquela manhã em Nova York.

Porque o fascismo islâmico atacou de modo furioso os EUA, o inimigo histórico, a maior parte da esquerda desconfiaria da vítima. “Ninguém é atacado assim sem motivo”, seria de fato um mote muito repetido. Principalmente uma superpotência imperialista e capitalista. Os EUA foram realmente atacados por bons motivos. Isto é, pelo que têm de bom, de melhor, ou seja, pelos motivos errados. Mas a miopia histórica da esquerda a impediria de ver o óbvio.

Ante a impossibilidade de apoiar de forma clara o fascismo islâmico, optaria por tampouco atacá-lo de forma consistente, deixando afinal o repúdio franco a esse novo fascismo para a direita. Assim, enquanto a direita se tornaria antifascista, a esquerda tornar-se-ia mal disfarçadamente filofascista – pronta para sacar a alcunha de islamofóbico contra todos os que são, de fato, fóbicos em relação ao fascismo, incluindo o islâmico. A esquerda tornou-se, enfim, ainda mais confusa, e ainda menos convincente.

2. Fogo, fúria e infâmia, versão I

Ao meio-dia de 23 de novembro de 1993, uma caminhonete explodiu num dos estacionamentos subterrâneos da torre norte do World Trade Center, matando seis pessoas e ferindo e asfixiando outras tantas, mas falhando em seu propósito homicida de derrubar a torre norte sobre a torre sul, ao abalar suas fundações, causando a morte de milhares de inocentes. Bill Clinton era o presidente dos EUA (e não Bush-filho, tampouco Bush-pai, recém-derrotado pelo mesmo Clinton). O 11 de Setembro de 2001 seria assim a repetição de um atentado anterior, pelos mesmos autores e pelos mesmos motivos, com a diferença de que, desta vez, em lugar de tentar derrubar as torres por baixo, eles decidiram fazê-lo por cima.

Portanto, todas as afirmações que relacionam o 11 de Setembro com qualquer característica do governo Bush-filho são falsas ou idiotas ou ignorantes, pelo simples fato de que os atentados contra o WTC foram concebidos, planejados e tiveram sua execução iniciada muito antes de Bush-filho sequer imaginar ser um dia candidato a presidente dos EUA. Os atentados contra o WTC (e contra o Pentágono e a Casa Branca – este evitado pela queda na Pensilvânia do avião a ela destinada) foram concebidos contra os EUA. Os EUA em si mesmos. Até porque, Bush-filho, recém-eleito, nada tinha de intervencionista no início de seu primeiro mandato.

A grande acusação contra ele, tornada depois irônica pela história, e esquecida pelos idiotas desmemoriados de plantão, era a de ser um autista, que só tinha preocupações e interesses quanto à política doméstica, além de surfar na onda da prosperidade deixada por Clinton e na tranquila e incontrastada hegemonia mundial depois da autoimplosão da URSS. Bush tornou-se um intervencionista depois do 11 de Setembro. E em função dele. Logo, não pode ter sido sua causa. A invasão do Iraque, não custa lembrar, dada a capacidade de desmemoria dos idiotas de plantão, também aconteceu depois do 11 de Setembro. Portanto, tampouco pode ser uma de suas causas.

(cont.)

sábado, 7 de maio de 2011

Finalmente!


A Al-Quaeda confirmou oficialmente a morte de Osama bin Laden. A partir daqui, podemos tentar ver para além do facto e perguntar, por exemplo, se :

- ele está, de facto, morto, porque os restantes elementos das cúpulas, fartos do homem, fizeram panelinha com a CIA, para agora poderem disputar a chefia da organização;

- ele está, de facto, morto e se foi algum dos guarda-costas que o liquidou no meio da confusão, face ao perigo de poder vir a dar com a língua nos dentes;

- ele não está, de facto, morto, mas a ser interrogado pela CIA por meios mais violentos do que aqueles que usou, e a Al-Quaeda, para não apresentar o flanco, o dá como morto no intuito de reafirmar a sua perene vitalidade na luta contra o Grande Satã, aproveitando, deste modo, ao mesmo tempo, para baralhar os americanos;

- ele não está, de facto, morto, e a CIA matou, de facto, grande parte dos seus companheiros, substituindo-os por sósias, os que vieram agora reconhecer a sua morte, com vista a lançar a confusão e, assim, fazerem implodir a organização;

- ele não está, de facto, morto, porque um agente infiltrado da Al-Quaeda sabia de antemão que os americanos o lançariam ao mar, ainda vivo, e construíram nesse local uma clínica submarina secreta para onde bin Laden foi transportado de imediato, a qual funcionará como o seu novo quartel-general, depois de recuperar;

- existiria um acordo secreto, firmado na Indonésia, durante a infância de Obama (terá bin Laden sido companheiro de brincadeiras do actual iluminador da consciência americana?), que não só permitiu que, no futuro, houvesse capitais escondidos que ajudassem a financiar as suas campanhas eleitorais, como também, através de um golpe de teatro como este, possibilitasse a hipótese de uma reeleição do primeiro presidente mulato, facilitando um discreto mas eficaz processo imparável de enfraquecimento dos USA - numa palavra: serão Obama e bin Laden, na realidade, dois braços do mesmo polvo? Nesse caso, o ícone maior da Al-Quaeda poderá não estar morto, apenas a preparar a sua ascensão à presidência dos Estados Unidos sob falsa identidade, ascensão essa facilitada pela implacável substituição dos actuais membros do Senado e do Congresso por sósias (ter em atenção os casos apresentados no CSI);

- existirá um acordo secreto entre a Al-Quaeda e o governo de Cuba para (a coberto do anúncio de uma imparável descoberta científica feita pela inigualável medicina cubana quanto à possibilidade de rejuvenescimento celular, e ao mesmo tempo que a Al-Quaeda reafirma o seu vigor com nova liderança) Fídel ser substituído por bin Laden, reforçando, assim, o cerco ao mundo capitalista e a sua queda a breve trecho ou após prolongada e heróica luta (tanto faz).

Seria legítimo levantar muitas outras hipóteses plausíveis, das quais, seguramente, essa fonte inesgotável de saber e de liberdade que é a internet virá a proporcionar-nos indícios periscópicos de inexcedível fiabilidade. Porém, mesmo que aquelas que aqui, modestamente, aventei se revelem descabidas, poderão constituir, em última instância, matéria para os indispensáveis momentos de lazer sob a forma de romances que, se escritos por ou em nome de um jornalista de qualquer estação televisiva, lhe trarão os sempre bem-vindos proventos, sobretudo se adaptados à 7ª Arte.

Olhem, por exemplo, pelo Vítor Bandarra. Só o nome, ajuda.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Este cheiro a esturro incomoda-me

Desculpem lá insistir outra vez. Mas sou eu o único que acha uma história muito mal contada que a captura e morte do inimigo público nº1 por parte de força especiais americana termine com a deposição do corpo no mar? Não há necessidade de certificar de que se tratava de facto de Bin Laden? Essa confirmação não pode ter um escrutínio, não diria público, mas mais alargado?
É que dita acção, a ter acontecido, não pode ter sido derivado da multidão em júbilo ou de um acidente. Tem de ter sido um acto premeditado uma vez que o mar se encontra a 1500km de Islamabad.

E a fotografia vinda a público ser um descarado photoshop não está a levantar suspeitas a ninguém?

E o facto de esta notícia surgir numa altura em que Obama se encontra desesperado por subir nas sondagens numa campanha de propaganda só comparável à campanha eleitoral?

E que saiam logo no notícias a relacionar a descida do preço do petróleo e a subida das bolsas com com a morte de Bin Laden não é estranho? Desde quando Bin Laden ameaçou de forma sequer mais insignificante o abastecimento de petróleo? Sem Bin Laden o Ocidente ficou um sítio assim tão mais apetecível para investir que justifique uma euforia dos mercados?