Em tempos, Henrique Monteiro contou uma história que uso para explicar a nossa tragédia. Contava ele que na aldeia onde nasceu, na Beira Alta, havia um maluco que dizia que, se mandasse, a ruas seriam só a descer.
Os seus conterrâneos esforçavam-se logo por mostrar que tal não seria possível. Mesmo assim, o homem insistia: se for eu a mandar as ruas serão só a descer.
Ideia que, segundo um meu colega historiador, tem autoria: João Camoesas, deputado (e ministro da Instrução Pública) do Partido Democrático, que, em finais da 1ª República, terá proposto a construção de estradas só a descer para poupar nos combustíveis.
Foi então que descobri que a ilusão de que a vontade política pode mudar a realidade tem tradição. Uma tradição de visionários que deixou marca no ensino e nas demais políticas públicas. Daí as vias abertas ao crescimento sem austeridade, aos direitos sem deveres e a mais e mais despesa. Até que a realidade deu sinal de vida e os credores entraram porta adentro. Mais uma vez. Mas tal não obsta ao elogio a quem nos arruinou e ao insulto a quem empresta. Daí a acusação ao Vítor de ser um tecnocrata ao serviço de estrangeiros.
Entretanto, o País imaginário da Constituição louva-se no consenso democrático e socialista, sem se reconhecer nos interesses instalados e desenvolvidos a coberto do Estado de Bem-estar. Ou será antes de Bem-estar do Estado?
Volta e meia a malta indigna-se: "Rua com a ‘troika'". O que faz crescer a popularidade de quem condena os sintomas e apoia as causas do nosso empobrecimento. Aqui entra a Imprensa, na disputa por comentadores com experiência política na condução por ruas só a descer. Com vivas ao consenso alargado e palco aos protegidos e medalhados do regime, agora em agonia. Será só maldade ou ignorância?
Resta - em tempo de lamento de cortes "cegos", sem nunca se propor cortes com visão - lembrar uma senhora que foi ontem a enterrar: o melhor homem político da altura. Filha de um merceeiro metodista e de uma modista, esta nascida "em casa com carne uma vez por semana e retrete no quintal" foi, mesmo assim, capaz de desafiar as elites conservadoras. Já entre nós, os grandes merceeiros tendem ao compromisso com os bem pensantes das ruas só a descer. Daí a nossa dificuldade em compreender a oposição de Thatcher à União (UEM). E mais ainda o seu aviso de partida: "Não sou um político de consensos, sou de convicções". Mas em Portugal persiste a ilusão e os avisos são outros: "Seguro exige a Passos e à ‘troika' recuo nos cortes para manter o consenso." E nem o recente aviso do primeiro- ministro da Finlândia - "não há atalhos para o céu" - nos permite ver que a superação da crise depende menos de recuos e mais de coragem para radicais cortes na despesa. Os mesmos que até agora, apesar das exigências da Troika, nunca foram feitos.
José Manuel Moreira, Professor Universitário e membro do Mont Pélerin Society
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