... mais três crónicas de Alberto Gonçalves:
O pensamento mágico
Após o heróico 0-4 com a Alemanha, as televisões foram naturalmente à cata de transeuntes frustrados. Encontraram imensos, cada um com a sua justificação para a derrota. Algures em Lisboa, à porta de um daqueles antros que congregavam os militantes do falecido BE, uma rapariga com ar de militante do falecido BE explicava que o pior nem era a goleada: era a goleada perante os alemães e, evidentemente, a sra. Merkel.
Apesar do profundo e até certo ponto indescritível absurdo da opinião, esta esteve longe de ser isolada e circunscrita ao Bairro Alto. Contaram-me que, na Sport TV, o ex-futebolista Carlos Manuel, com um sorriso onde em tempos medrava farto bigode, dissertava antes do jogo sobre a necessidade de vencer a chanceler alemã. O também funcionário da casa Pedro Henriques, que não conheço de lado nenhum e que é o único comentador televisivo que, no futebol e no resto, escapa ao ridículo, informou o sr. Manuel que a sra. Merkel trata de defender os interesses dos seus eleitores, e que teria sido preferível os nossos governantes destes 40 anos procederem de forma idêntica em vez de alimentar bodes expiatórios para a inépcia e a trafulhice.
Do que o País precisava era de um Pedro Henriques em cada esquina. Infelizmente, tal não se vislumbra possível, pelo que convém aceitar a realidade: muitos portugueses não aceitam a realidade. O tipo de cerebelo que julgava vingar as frustrações pátrias num jogo da bola é o mesmo que atribui a terceiros a responsabilidade pelos erros próprios. Por improvável que pareça, havia gente que ansiava por ver no relvado uma compensação face à "arrogância" da sra. Merkel. Sem surpresas, é a mesma gente que decidiu unilateralmente a obrigação da sra. Merkel em patrocinar-nos sem condições. Trata-se, sem tirar nem pôr, daquilo que os antropólogos designam por "pensamento mágico".
O pensamento mágico estabelece nexos de causalidade entre acções ou eventos independentes entre si. Imaginar que a queima de uma madeixa de cabelos implica que o seu antigo proprietário irrompa em chamas é igual a imaginar que um remate certeiro de Cristiano Ronaldo afectaria a economia alemã. Ou a imaginar que a prosperidade da economia alemã é que maldosamente impede o Estado indígena de gastar tudo o que gostaria. Estamos no reino, ou na república, do puro vudu, típico em sociedades primitivas e, pelos vistos, na portuguesa.
A má notícia é que o pensamento mágico é obviamente irrelevante para o mundo exterior. A boa notícia é que pode ser exercido com absoluta liberdade. Se o confronto em Salvador da Bahia não correu bem, nada impede a menina do BE de humilhar a Alemanha numa partida de poker com o Franz do InterRail, ou o ex-futebolista Carlos Manuel de exibir mestria nos dardos contra um retrato do ministro Schauble. Claro que o ideal seria um país capaz de escolher a racionalidade e lidar com as coisas como elas são. Mas isso já entra no domínio do sonho, e convém deixar o pensamento mágico aos especialistas.
O sexo e a idade
Uma Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde realizou um estudo sobre a implementação da educação sexual nas escolas. Os resultados são dúbios. Por um lado, de acordo com o Jornal de Notícias, "os alunos do ensino secundário gostariam ainda de estar mais envolvidos nas atividades relativas à educação sexual nas escolas, manifestando disponibilidade para serem "mentores, em atividades informativas e formativas com colegas mais novos"". Por outro lado, os alunos em geral sentem-se desmotivados - sempre uma maçada nestas questões - e "criticaram a forma "idêntica e sem progressão" de apresentação" dos assuntos. Vamos por partes.
Desde logo, é bom sinal que os petizes mais crescidos pretendam ser "mentores" (um óbvio eufemismo) dos mais pequenitos no que toca ao sexo. Sempre indicia que a existência dos adolescentes contemporâneos não se esgota na PlayStation e no Facebook conforme se chegou a temer. Pelo menos alguns percebem que, em matéria de possibilidades reais, a Patrícia do 8.º G é preferível a Lara Croft.
Em contrapartida, talvez não se aconselhe ouvir as recomendações de crianças a propósito das disciplinas a sério. No caso da Educação Sexual, que não serve para nada, excepto para preencher horários e convencer pedagogos da sua própria modernidade, o problema não se põe. Mas imagine-se que se passa a ouvir os meninos e as meninas acerca dos conteúdos e dos processos de ensino em Matemática, Física e coisas assim: na perspectiva optimista, arrasa-se num ápice com o que resta da exigência educativa. Na perspectiva pessimista, essa exigência faleceu há muito, pelo que ouvir crianças, pais, tios, sindicatos, professores, tutelas ou os órgãos sociais da Associação Recreativa de Massarelos não faz diferença nenhuma.
A terceira via em "collants"
Ainda haverá alguém com vontade de rir das pantominices de "Tozé" Seguro? Bastou espevitar as ambições do dr. Costa para o ainda secretário-geral parecer, por comparação, um paradigma de sensatez. No início da sua caminhada triunfal rumo ao poder, o dr. Costa, que, segundo artigo biográfico no Público, praticou ballet com os "filhos de operários e de prostitutas", começou por adoptar o exacto vazio retórico do seu concorrente. A estratégia motivou, entre a escassa opinião publicada que não venera o antigo bailarino, acusações diversas, ou sobretudo a acusação de que, salvo pela tez de um e as sobrancelhas do outro, era impossível distinguir o dr. Costa do dr. Seguro.
Alarmado, o ex-colega dos filhos de operários e de prostitutas convocou o staff a fim de adoptar novo plano: se a emissão de vacuidades comuns não funcionava, havia que passar a emitir vacuidades absolutamente tresloucadas de modo a elevar-se acima da concorrência - ou, na pior das hipóteses, abaixo.
O primeiro fruto desta visão revisionista surgiu sob a forma de uma pérola de economia alternativa. De acordo com o dr. Costa, o primeiro-ministro "ou aumenta os impostos para aumentar a receita ou faz corte dos salários para baixar a despesa. Ora, nós não podemos viver neste quadro de opções tão limitado e temos que dizer ao primeiro-ministro que percebemos que ele não sabe sair dessa receita". Por felicidade, "há uma outra receita", "uma terceira via" que Passos Coelho "não sabe, nem quer aprender", mas há que "lhe ensinar": "aumentar a riqueza".
Repito, para que não restem dúvidas: num demi plié arrebatador, o dr. Costa propõe aumentar a riqueza. E é isto que distingue os eleitos. Enquanto a comum cavalgadura se debate com um cobertor que ora cobre a cabeça ora cobre os pés, os que desenvolveram o génio junto da descendência de proletários e marginais arranjam um cobertor maior. Desde a Maria Antonieta da lenda e dos brioches que não se via rasgo assim: para não sermos pelintras basta que sejamos milionários, evidência cujas aplicações são ilimitadas. O cidadão hesita entre a bicicleta e os transportes públicos? É melhor comprar um Mercedes. Férias em Tenerife ou no Algarve? Quinze dias no Sandpiper em Barbados. T0 em Campo de Ourique ou T2 no Cacém? T4 tangencial a Washington Square.
A continuar neste ritmo, o dr. Costa já não irá a tempo de ensinar a terceira via ao pobre dr. Passos Coelho. Mas arrisca-se a conquistar a chefia do PS, a liderança do Governo, um ou dois Nobel e um lugar de solista no Bolshoi.