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sábado, 16 de novembro de 2013

Com quase uma semana de atraso...


(imagem obtida aqui)


... mais duas crónicas exemplares de Alberto Gonçalves:




O irrealismo mágico




Fui só eu a achar encantadora a criação, na Venezuela, do vice-ministério para a Suprema Felicidade do Povo? Segundo o Maduro que manda naquilo, a coisa destina-se a "elevar a qualidade social dos venezuelanos até ao céu", e só estranho que o céu seja o limite quando, em vez de lidar com a realidade, a política decide inventar uma realidade alternativa. Naturalmente, trata-se de uma característica do socialismo, que começa científico e depressa descamba para o folclórico. Deve ser por isto que, pelo menos na literatura, se associa a América Latina ao "realismo mágico", embora conste que, a certa altura, mesmo o sisudo Estaline começou a financiar investigações psíquicas. Em Caracas, as investigações nem são necessárias: é costume o sr. Maduro afirmar que "vê" Hugo Chávez a pairar junto às montanhas da cidade e, na semana passada, o actual Presidente convocou a imprensa para anunciar que o rosto do presidente falecido surgira na parede de um túnel do metropolitano local. Há dias, o sr. Maduro antecipou o Natal, que de facto é quando um ditador quiser, para Novembro.

Entre nós, devido às greves, é frequente que nem o fantasma de um maquinista se mostre nos "metros" de Lisboa e do Porto. Falta-nos esse mergulho no fantástico, essencial sempre que a despesa com a propaganda e o "bem comum" leva um país a descer sem remédio ou vergonha à indigência e à mendicidade. A miséria aumenta exponencialmente? Tomem um ministério da Felicidade. A crise não parece ter saída? Experimentem uma aparição mística. O povo sofre? Venha uma revolução no calendário religioso.

É verdade que a Constituição caseira já pressupõe uma dimensão paralela, desde logo evidente no "caminho para uma sociedade socialista" do Preâmbulo, mas decretar o direito ao emprego e a uma habitação jeitosa não é igual a impor por lei a alegria das massas. É verdade que o principal responsável pela penúria vigente anda por aí a preparar um inconcebível regresso ao poder, mas dificilmente as aparições do eng.o Sócrates são passíveis de interessar parapsicólogos. É verdade que os senhores ministros prometem a retoma para daqui a dez minutos, mas isso não se compara a bulir na data de nascimento do menino Jesus. É verdade que uma pequena percentagem dos descontentes sai regulamente à rua a fim de exigir que os nossos satânicos credores nos deixem em paz conquanto continuem a enviar o dinheirinho, mas, se bem que por pouco, uma manifestação da CGTP não corresponde às premissas de uma manifestação do reino sobrenatural. É verdade que os gestos e as palavras dos socialistas dissimulados do Governo, dos socialistas assumidos da oposição corrente e dos socialistas maluquinhos das franjas vêm evoluindo vertiginosamente rumo ao delírio, mas ainda carecemos do golpe de asa que nos resgate da pobreza e eleve à irrealidade absoluta.

Precisamos de entregar o destino colectivo nas mãos de xamãs, cartomantes e videntes. Precisamos de confiar o défice aos astros e aos búzios. Precisamos de ler o futuro do Estado "social" nas entranhas de um bicho. Precisamos de responder à rigidez dos "mercados" com festa, dança e candomblé. Precisamos de uma Secretaria de Estado das Energias Positivas. Precisamos que as botas de Salazar ou as sobrancelhas de Cunhal se revelem num muro ou numa torrada. Precisamos de assombrações patrióticas. Precisamos, em suma, de alcançar a dimensão espiritual e transcender a material. Nesta não vamos longe.


A esquerda contra o desemprego




A título de intróito, palavra que nunca escrevera até este momento, deixem-me falar-vos de Rui Tavares, nome que espero não voltar a escrever depois de hoje. O dr. Tavares é o eurodeputado "independente" que se candidatou pelo BE ao Parlamento Europeu e, numa portentosa exibição de independência, saiu do BE a seguir à eleição, embora mantendo o cargo, o salário e a influência. Por azar, uma das maçadas dos processos eleitorais é o seu carácter temporário, pelo que o dr. Tavares vê aproximar-se o fim do mandato e, o que é compreensível, teme que coincida com o fim do cargo. E do salário. Desde já, o dr. Tavares rejeita com veemência uma candidatura nas "listas" do PS, proeza facilitada pelo facto de, salvo por uma vaga simpatia manifestada pelo dr. Assis (em contraponto à antipatia de outros socialistas), o PS não o ter convidado. Dado que o PCP não costuma recrutar no exterior das fileiras, sobra ao dr. Tavares a solução óbvia. Abandonar o sujo universo da política? Esse é o plano B. O plano A consiste em fundar um partido que devolva o respectivo fundador a Estrasburgo. Sucede que, na impossibilidade de enveredar pela franqueza e resumir os estatutos desse hipotético partido aos factos, leia-se preservar o emprego do líder, o dr. Tavares foi obrigado a congeminar uma complexa tese que envolve a falta de "convergência" entre as forças da oposição, a crítica às "plataformas fulanizadas" e, sobretudo, a urgência em criar um "espaço de liberdade à esquerda".

Compreendo a urgência e confirmo a lacuna. Se considerarmos que PSD e CDS são economicamente liberais - o que, a atentar pelas políticas em curso, implica uma desmesurada liberdade poética -, a esquerda caseira conta apenas com o PS, enquanto alternativa de governo; com o PCP, enquanto porta-voz dos "valores democráticos" no sentido não democrático do termo; com o BE, enquanto representante dos jovens que abominam o "sistema" embora ignorem o que o "sis-tema" seja; e com grupelhos microscópicos género PCTP e POUS, que em podendo enforcavam os "ricos" e não se voltava a falar no assunto. É, pois, óbvio que a nossa esquerda ainda é insuficiente, como são insuficientes os marsupiais na Austrália e a dengue no Brasil. Há ali "espaço" para a "liberdade" do dr. Tavares, o visionário que em 2011 descobriu a distância que vai do marxismo à tolerância e que em 2013 oferece à Europa o feliz matrimónio de ambos. Naturalmente, não oferece o ordenado.

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