Este, o título da crónica de João César das Neves, no DN:
Eu não
percebo nada de economia, mas..." Esta é a frase mais ouvida hoje em
Portugal. O mais curioso é que, logo após a admissão de ignorância, quem a faz
costuma apresentar um conjunto de afirmações cortantes e taxativas, que defende
com unhas e dentes sem hesitação. Afinal aquilo que não sabe chega e sobra para
ser conclusivo e incontestável. Este comportamento paradoxal merece análise.
Parte é
perfeitamente compreensível e justificada. Muitos de nós também não percebemos
de medicina mas não estamos dispostos a aceitar tudo aquilo que os tratamentos
nos querem impor. Uma coisa é a recomendação técnica, outra a nossa vidinha que
a tem de suportar. Curas dolorosas são fáceis de recomendar aos outros, mas
difíceis de engolir.
Apesar
disso, admitimos que os médicos é que sabem. Mesmo quando não lhe ligamos,
reconhecemos-lhe autoridade. De médico e de louco todos temos um pouco, mas
poucos se atreveriam a apresentar e discutir com especialistas as terapêuticas
e teorias de leigo que inventaram no duche. Na economia, porém, isso é
habitual. Porque será?
Primeiro
porque a economia, afinal, parece ser uma ciência rudimentar, como a própria
crise manifesta. Tantos estudos e teorias e afinal estamos na miséria. Mas
serão os economistas culpados? Afinal o País ignorou os sucessivos avisos que
eles fizeram durante décadas. Além disso não nos passa pela cabeça acusar os
meteorologistas pelo recente furacão ou os médicos pela morte do doente. A
razão é que se compreende que clima e corpo humano são sistemas complexos e
difíceis de controlar, mas não se entende que empresas e mercados são sistemas
ainda mais complexos e difíceis de controlar. Dez milhões de pessoas, cada uma
a puxar pelo seu lado e a tentar melhorar a vida, é algo indescritível,
enigmático e insubordinável.
Apesar
disso, a economia, como meteorologia e medicina, conseguiu avanços espantosos.
Não só a recessão é muito menor do que se esperava e do que costumava ser há
cem anos, mas o nível de vida que temos, mesmo com crise, é muito superior ao
que se podia imaginar há uns anos. Só que ninguém dá valor a isto, dado as
coisas estarem pior do que deviam ser. Todos se acham com direito a uma economia
próspera e não vêem que isso é tão tolo como exigir um dia de sol ou uma vida
longa e saudável.
Outra
razão para a desconfiança é alegadamente os economistas estarem sempre em
desacordo, sem se entenderem na cacofonia de opiniões. Existe realmente muita
discussão, natural em assuntos complexos e difíceis de controlar. Só que o
público respeita as polémicas médicas e meteorológicas mas, não só leva a mal
os debates económicos, como ainda os empola. Porque as fortes controvérsias na
economia não são em assuntos simples e claros, como a recessão portuguesa. Aí a
generalidade dos economistas está de acordo e não existem muitas dúvidas acerca
do caminho a seguir, para lá de variantes no detalhe.
Isso
ficou evidente há um ano, quando no final de Fevereiro de 2012 o prémio Nobel
Paul Krugman, professor em Princeton, visitou Portugal. Apesar de bem conhecido
pelas suas posições polémicas, desabridas e keynesianas extremas, face à nossa
realidade, desiludiu os críticos, concordando com as propostas da troika e a política
seguida: "Detesto dizê-lo, mas não faria muito diferente do Governo
português" (Público 29/02/2012).
Se é
assim, como podem os nossos jornais e televisões estar cheios do que parecem
ser as maiores discussões entre eminentes economistas? Bem, isso não é debate
económico, mas outra coisa, que é fácil de entender para quem analisa a doença
portuguesa. Para sairmos da crise temos de reduzir fortemente os gastos
insustentáveis que beneficiavam muitos grupos e interesses dos vários sectores
da sociedade. Naturalmente que, perante esses cortes, as vítimas não estão de
acordo e movem todas as suas influências. Muitas mascaram os argumentos de
teoremas científicos. Assim, embora travado com termos económicos, o debate é
realmente político. Ora eu não percebo nada de política, mas...
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