Este artigo por José Carmo foi publicado no jornal Inconveniente mas parece ter desaparecido de lá:
A recente e gelada reunião bilateral entre a China e os EUA, no Alasca foi um bom retrato de que a era da “harmonia” já lá vai e não volta, pelo menos nos termos que conviriam ao Ocidente.
O que aí vem, e que a hostilidade aberta da Administração anterior já sinalizava, é uma China confiante, nos seus objectivos, estratégias, meios e, sobretudo, no seu poder.
É essa confiança que leva à arrogância que se começa a notar, no engrossar da voz, na exibição do músculo militar, na ameaça aberta a quem se coloca, por palavras, actos ou omissões, no caminho do dragão em direcção ao seu grande objectivo: O regresso ao antigo e grandioso estatuto de “Império do Meio”, um degrau acima de todos os outros povos do mundo, os bárbaros que devem fazer ritualmente o kowtow, o acto de submissão dos vassalos ao soberano.
A China, oficialmente numa “Nova Era”, nas palavras de Xi Jinping, pretende, até 2050 o “grande rejuvenescimento da nação chinesa”, o que significa o “regresso a uma posição de poder, prosperidade e liderança”, no tabuleiro internacional. Isso implica competição estratégica com qualquer poder que se atravesse no seu caminho e a prossecução determinada do controlo social e da modernidade cientifica, tecnológica, industrial, militar, etc.
Alcançar o estatuto perdido nos dois séculos anteriores, no confronto com o Ocidente, implica também, para a liderança comunista, reunificar completamente o território que considera seu, nomeadamente Taiwan.
A estratégia chinesa é paciente e abrange todos os domínios do poder, a começar pela reformulação da actual ordem internacional, considerada incompatível com o sistema socialista e intoleravelmente limitador dos seus fins estratégicos, da sua soberania, segurança e interesses. Como disse Xi Jinping, “temos de lançar as fundações de um futuro onde teremos a iniciativa e a posição dominante”
Uma das prioridades tem sido o desenvolvimento económico, porque só ele pode gerar os recursos necessários para prosseguir sinergicamente os objectivos de modernização, incluindo as bases cientifica, tecnológica, industrial, militar, social, económica, etc. O que significa que, ao contrário das sociedades abertas, não há uma linha divisória clara entre o que é civil e o que é militar.
Basicamente, a China é um Exército em que tudo obedece ao Comandante, com tudo o que de vantajoso ou desvantajoso isso implica (sim, há algumas desvantagens militares, a começar pela comprovada ineficiência dos fluxos de informação quase exclusivamente top-down, em situações fluidas e complexas, como as que ocorrem nas batalhas e guerras modernas)
O objectivo militar está definido com alguma clareza: -Até 2050, possuir umas Forças Armadas de “classe mundial”, nas exactas palavras de Xi Jinping (2017), significando isto que tais FA serão equiparadas ou superiores às dos EUA, ou de qualquer outra potência que entretanto surja.
Neste momento, a menos de 30 anos, a China está a agir em conformidade, alocando recursos, tecnologia e vontade política.
Em 2019 o governo chinês anunciou um aumento de 6,2% nas despesas militares que é já, oficialmente, o segundo maior do mundo. Todavia os números deverão ser muitíssimo superiores, dada a prática chinesa de só divulgar as informações que lhe interessa divulgar.
Na realidade está já a confrontar directamente os EUA em alguns itens.
Neste momento o Exército chinês é claramente o mais numeroso do mundo, e está a modernizar-se a olhos vistos, tanto em equipamentos, como em doutrinas de emprego.
A Marinha é também a maior do mundo, em número da navios, está a modernizar aceleradamente as plataformas com equipamentos e doutrinas, e a dotar-se de mais submarinos, porta-aviões e sistemas de comando, controlo e comunicações.
A Força Aérea com cerca de 2500 aeronaves de todos os tipos é a maior da região, e tem vindo a equipar-se com material de elevada qualidade que, em alguns campos, se equipara já ao que de melhor se fabrica nos países ocidentais.
A Força de Mísseis, além dos milhares de vectores convencionais baseados em terra (balísticos e de cruzeiro) está dotada de centenas de ICBM, aptos a lançar cabeças nucleares a distâncias que abrangem todos os continentes.
Em matéria de guerra no espaço, ciberguerra e guerra electrónica e psicológica, os progressos são extraordinários e o alvo principal são exactamente os EUA.
A ideia é, por enquanto, dissuadir, deter ou derrotar intervenções de terceiros durante eventuais operação nas imediações, como, por exemplo a retomada de Taiwan, mas a projecção de poder para zonas mais longínquas está a ser preparada metodicamente, não só com a construção acelerada de porta-aviões, mas também com instalação de bases de apoio. Uma já existe em Djibouti, e estão a ser consideradas outras em Myanmar, Tailândia, Singapura, Indonésia, Paquistão, Sri Lanka, Emiratos, Quénia, Seychelles, Tanzânia, Angola, Tajiquistão, Cambodja, etc.
Isto além dos portos que a China já adquiriu nos EUA, Europa, África, etc, e nos que procura activamente adquirir, como o de Sines.
A China conduz também operações para influenciar decisões de outros países, que sejam favoráveis aos seus objectivos, através de instituições culturais, media, negócios, academia, e politica, nos EUA, países importantes e instituições internacionais, tendo em vista fazer prevalecer a narrativa chinesa e lançar a divisão e a fragmentação nas sociedades potencialmente adversárias.
Paralelamente continua a roubar e/ou sabotar os esforços de pesquisa cientifica e tecnológica dos países ocidentais, usando de acções legais e ilegais. Investimento estrangeiro, joint ventures, fusões, aquisições, espionagem, etc.
Em síntese a China age de forma absolutamente maquiavélica relativamente a tudo, desde o clima ao comércio internacional, assinando acordos que cumpre apenas se e quando lhe convém, mas que comprometem os países ocidentais que os assinam, dada a forma como os encaram.
A nível militar, mais do que o hardware, que é, em si, impressionante, importa ressaltar a alteração das doutrinas de emprego e conceitos operacionais, cujo enfase está a ser colocado na preparação para operações conjuntas, prontidão e capacidade de projecção de poder.
Claro que há ainda muito para fazer, a China não tem ainda as capacidades militares para se confrontar com os EUA num conflito global, mas torna-se evidente que a paulatina modernização das FA não se destina apenas a mostrar brilho para inglês ver, ou para uso nos eventuais conflitos locais.
O que se busca é o seu efectivo uso integrado com os objectivos estratégicos chineses que são, também eles, de “classe mundial” ou seja, nada menos que uma mudança radical da ordem internacional com a China a desaguar um belo dia como a hiperpotência hegemónica.
Independentemente das incertezas do futuro, o facto é que a China tem uma visão estratégica, um objectivo, um plano, capacidades e vontade politica que concorrem para um desfecho que, a ser concretizado, fará da China a hiperpotência mundial, com tudo o que isso significa para o resto do mundo.
A China é um Exército disciplinado, que usa todos os aspectos do poder, tendo em vista a clara missão delineada pelo imperador do momento, o Sr Xi Jinping.
Com as velhas máximas de Sun Tzu e um discurso delicodoce, vai enleando o resto do mundo, particularmente o Ocidente, numa teia de dependências (o Ocidente descobre-se já hoje perigosamente dependente da China para a obtenção de inúmeras matérias primas, como as terras raras, e produtos industriais diversos, em todas as sectores da actividade) e opções tais, que, quando chegar a hora do falcão, só poderá respirar com a autorização do Imperador.
1 comentário:
Que apodreçam em agonia.
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