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domingo, 31 de julho de 2011

"As lições de Oslo"


... é o título deste novo texto de Luís Dolhnikoff:


1. A boa lição de um mau cristão (ou de um cristão mau)

O trabalhista norueguês Thornbjoern Jagland, atual secretário-geral do Conselho da Europa, vê “uma boa lição” a tirar da dupla tragédia de Oslo e de Utoya: “Há uma obstinação em ver uma equivalência entre o terrorismo e o islã como religião”, ele diz. “Ora, o assassino se define como cristão. E por isso se deduzirá que existe um terrorismo cristão, ou cristianismo radical? Essa tragédia tem o mérito de mostrar que um terrorista só tem uma religião: a de eliminar aqueles que têm uma crença diferente da sua” (Marion Van Renterghem, “Os muçulmanos de Oslo estão chocados, mas aliviados por não serem estigmatizados”, Le Monde, http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/07/30/os-muculmanos-de-oslo-estao-chocados-mas-aliviados-por-nao-serem-estigmatizados.jhtm.

Um dos principais (e dos mais previsíveis) efeitos dos atentados de Oslo é certa pressa da esquerda, dos multiculturalistas e dos muçulmanos a fim de “provar” a inocência (em mais de um sentido) do islã. Volta a ganhar força a afirmação de que o islã é apenas uma religião como qualquer outra, eventualmente sequestrada por um bando de fanáticos, aliás instigados por ações pérfidas do próprio Ocidente. Isso é verdade. Mas não é toda a verdade.

O islã é, de fato, uma religião como qualquer outra. E isto inclui uma profunda aversão congênita à modernidade, à democracia, à sociedade aberta, à liberdade de expressão, à igualdade de gêneros, pois a religião existe para ser conservadora, ou seja, para conservar as tradições, não para questioná-las, a fim de assim conservar seu papel de guardiã da verdade e da salvação. As grandes religiões do Ocidente, num arco histórico que vai dos atos anticlericais da Revolução Francesa, no fim do século XVIII, aos atos anticlericais da guerra civil espanhola, no início do XX, passando pela reforma protestante, pela instituição da liberdade de culto e da laicidade do Estado, para não falar da crítica sistemática da filosofia a partir do Iluminismo, foram submetidas à modernidade, e forçadas a se reformar para conviver com a sociedade civil, laica e aberta. As leis religiosas não têm mais força de lei. Nada disso vale para o islã.

Não vale para o islã nos corações e nas mentes de seus praticantes, não vale para o islã nas práticas sociais e familiares, não vale para o islã em sua visão de mundo. Homens não usam véus. Mulheres não vestem a igualdade de gênero.

Outra confusão deliberada diz respeito ao terrorismo. O terrorismo clássico, anterior ao terrorismo de massa islâmico ao estilo da Al Qaeda, era um instrumento político. O IRA matava soldados e policiais ingleses na Irlanda para tentar expulsar a Inglaterra e obter a independência; o mesmo vale para os atentados do ETA na Espanha em relação ao País Basco. Isso nada tem a ver com o terrorismo de massa. A Al Qaeda não atacou Nova York para forçar Israel a sair da Cisjordânia (os palestinos jamais estiveram no centro de suas preocupações), ou para forçar os EUA a saírem do Iraque e do Afeganistão (os EUA não estavam no Iraque e no Afeganistão quando dos ataques a Nova York). O objetivo do terror de massa é o terror.

Numa mudança radical em relação ao terrorismo clássico, que era um meio, o terror de massa é um fim. Ao menos em termos táticos. Ou seja, não se trata de uma ação tática visando um objetivo político claro e verosímil qualquer, por mais difícil. O terrorismo de massa mata em massa por dois motivos. O primeiro, porque pode; o segundo, porque quer.

Pode, em função de seu idealismo. E aqui não há qualquer conotação positiva, mas denotativa. O idealismo é, fundamentalmente, a crença na existência de verdades abstratas, perfeitas, atemporais, ou seja, separadas da realidade empírica, que não necessitam, portanto, se submeter a ela, mas devem, por outro lado, tentar moldar essa realidade a si próprias. Toda religião é, por definição, um idealismo (foi Nietzsche, se não me engano, quem definiu o cristianismo como platonismo para pobres de espírito). Daí o terrorismo de massa querer matar em massa: pois acredita ser esse, justamente, um bom caminho para tentar forçar a realidade a se submeter às suas verdades ideais. As maiores e piores guerras na longa história de guerras da Europa – até o século XX – foram as guerras religiosas. E no próprio século XX, o idealismo foi uma das forças principais por trás das duas grandes guerras mundiais: o nacionalismo no caso da Primeira, o nazifascismo no caso da Segunda. O idealismo é perigoso porque se julga mais realista do que o rei, no caso, a própria realidade.

Portanto, o fato de o terrorista de massa norueguês não ser muçulmano, mas um cristão conservador, xenófobo e fascista, significa apenas que o idealismo cristão e o fascista, apesar de suas respectivas derrotas históricas ao longo da história moderna e contemporânea, não estão mortos. Mas isso não serve e não pode servir de consolo quanto à existência de outros idealismos perigosos. O fato de haver terroristas de massa cristãos não significa que eles têm, de repente, o monopólio do terror. Apenas se soma mais um perigo à existência de outros idealismos militantes e perigosos, como aquele ligado organicamente ao islã.

Não levar em conta o perigo do neofascismo europeu é um erro mortal, como os atentados de Oslo demonstram. Fazer disso uma desculpa para livrar o islã de críticas à sua própria intolerância é, mais uma vez, defender a cegueira militante do multiculturalismo, a tolerância com a intolerância, desde que esta seja “alheia”, ou seja, “culturalmente” justificável, respeitável ou o que seja. Mas o que os atentados de Oslo na verdade comprovam, mais uma vez, é que não existe a intolerância alheia, porque a intolerância não é alheia à tolerância que marca as sociedades ocidentais. Os pacifistas, no fim, morrem nas mãos dos belicistas. Os tolerantes, no final, morrem nas mãos dos intolerantes. A intolerância com a intolerância é a única defesa da tolerância. Seja ela a intolerância fascista europeia ou a intolerância religiosa do islã.

2. Corrigindo a lição sobre o mau cristão (ou sobre o cristão mau)

Identificado pela mídia como "fundamentalista cristão" ou como protestante tradicionalista, Breivik [o assassino de Oslo] não cita a Bíblia nem personagens do Velho Testamento [em seu manifesto publicado na internet] e se concentra noutro referencial ideológico. Suas principais obsessões são o ódio aos muçulmanos, ao multiculturalismo e à mestiçagem étnica e cultural que, segundo ele, são protegidas pelo "marxismo cultural" e pelos trabalhistas noruegueses. Ora, estes delírios, por mais maníacos que sejam, também alimentam movimentos de extrema-direita em vários países europeus.

Neste contexto, na França, onde o partido de extrema-direita Front National é um dos mais estruturados e eleitoralmente mais fortes dentre os que se alinham ao extremismo europeu, o debate sobre a tragédia da Noruega tomou uma feição particular. Qual o impacto da propaganda anti-islâmica do Front National na criação de um clima hostil, e de eventuais atentados, contra os muçulmanos franceses? (Luiz Felipe de Alencastro, “A tragédia da Noruega e a extrema direita europeia”, http://noticias.uol.com.br/blogs-colunas/colunas/luiz-felipe-alencastro/2011/07/30/a-tragedia-da-noruega-e-a-extrema-direita-europeia.jhtm

A propaganda talvez tenha algum impacto. Mas os fatos, com certeza, têm muito mais.

Na Holanda, um descendente da Vincent Van Gogh, o cineasta Teo Van Gogh, foi morto com uma faca no peito em plena luz do dia: a faca foi também usada para fixar em seu peito uma carta, na qual o assassino, um muçulmano holandês, o acusava de ser um blasfemo, um ofensor do islã, além de ameaçar de morte uma integrante do parlamento (que acabou por se exilar nos eua). Por todo o continente europeu, com destaque para a França e a Suécia (pasme-se), um grande aumento de ações e manifestações antissemitas é causado não por integrantes da extrema-direita, mas por muçulmanos. Nas escolas estatais de toda a Europa, alunos islâmicos reclamam das aulas de educação física mistas, e se recusam a frequentar aulas de biologia em função de negarem o darwinismo, e aulas de história europeia moderna por negarem o Holocausto. Charges de Maomé publicadas em jornais resultam em ameaças de morte aos desenhistas. O romancista anglo-indiano Salman Rushdie foi obrigado a viver décadas sob proteção policial, após ter sido condenado à morte pelo aiatolá Khomeini, em função de haver escrito um livro. Mulheres mortas por “honra”, casamentos arranjados de adolescentes, homofobia... A lista é infindável. Porém insuficiente para que Alencastro em particular e os comentaristas de esquerda em geral façam a seguinte pergunta: o quanto a intolerância islâmica assusta os cidadãos médios europeus ocidentais, e o quanto isto está alimentando os partidos de extrema-direita?

Ao fugirem de tal questão, por ser politicamente incorreta, a esquerda vai tapando o sol negro da intolerância islâmica com a peneira furada do multiculturalismo e da tolerância cega, enquanto os raios que sobram cuidam de alimentar as sementes da confusão e do medo.

1 comentário:

Carmo da Rosa disse...

Há aqui pano para mangas de discussão, caro Jose Gonsalo, mas o texto é longo, o tempo é pouco, e o seu post já foi ultrapassado por 15 outros em três dias!!!