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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

"A fome e a vontade de comer"




(imagem obtida aqui)


Subscrevo o que é dito neste artigo por Alberto Gonçalves, no DN:

Segundo o próprio, Mário Soares não viu tanta fome em Portugal "nem no tempo de Salazar". O que explica isto? Na versão clínica, talvez a hipótese de a memória do dr. Soares sofrer de alguns percalços. Na versão conspirativa, talvez a hipótese de o dr. Soares afinal não passar de um revisionista de Maio disfarçado de campeão de Abril. Na versão plausível, talvez a hipótese de o dr. Soares proferir os disparates que julga necessários aos seus objectivos.

Hoje, é ele mesmo quem confessa: "Toda a gente diz na televisão que não há dinheiro para comprar pão, para comprar nada, tem de ir pedir, ir aos caixotes de lixo. Alguma vez se viu isto em Portugal? Eu tenho 88 anos e nunca vi. Sinceramente nunca vi, nem [todos juntos, agora] no tempo de Salazar." Em suma, a perspectiva histórica de um dos maiores vultos do Portugal contemporâneo fundamenta-se exclusivamente no que lhe chega através dos "telejornais", inexistentes ou inconsequentes durante o Estado Novo e incansáveis em denúncias, com ou sem aspas, desde que, para irritação de muitos amigos do dr. Soares, Cavaco Silva abriu as ondas hertzianas à iniciativa privada.

O dr. Soares responde por ele, mas num país menos exótico atoardas assim não se limitariam a demonstrar ignorância ou má-fé: prejudicariam a causa que actualmente o motiva, leia-se o derrube do Governo. O Governo é uma desgraça? Com certeza. Sucede que, em primeiro lugar, não é uma desgraça pelas razões avançadas pelo dr. Soares, já que uma política que esfola os contribuintes para preservar o Estado lembra bastante mais o socialismo do que o mítico "neoliberalismo", esse consolo dos simples. Em segundo lugar, o Governo não é uma desgraça comparável à regência de Salazar pela prosaica razão de que, ao contrário deste, o dr. Passos Coelho foi livremente eleito por uma razoável quantidade de cidadãos, eventualmente superior às 70 ou 80 alminhas subscritoras da carta do dr. Soares a pedir a demissão do primeiro-ministro. Em terceiro e último lugar, as hipérboles tendem a ridicularizar os seus autores, e só um território de pasmados justifica a tolerância de que o dr. Soares dispõe.

Sem dúvida que a iliteracia do tempo facilita o exercício. Bush invade o Afeganistão e o Iraque? Bush é igual a Hitler. Israel defende-se de ataques terroristas? Os líderes israelitas são iguais a Hitler. Merkel recusa financiar-nos incondicionalmente? Merkel é igual a Hitler. Os novos mapas do iPhone não primam pelo rigor? A Apple é pior do que a Gestapo. Até ver, o dr. Passos Coelho fica-se pela equivalência (desfavorável) a Salazar. Se, um dia, executar uma reforma digna do nome, é garantido que a rigorosa escala do dr. Soares o colocará a par do Führer, o padrão de medida em vigor. Não seria mais idiota se comparássemos o dr. Soares por exemplo a Estaline, com a atenuante de que o dr. Passos Coelho nunca integrou a Mocidade Portuguesa nem alimenta simpatias evidentes pelo Terceiro Reich, enquanto o "pai da democracia" serviu indirectamente o "pai dos povos" ao longo de sete anos. Contra Salazar, que pelos vistos não merecia a desfeita.

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