(imagem obtida aqui)
Duas crónicas suas, no DN (respectivamente aqui e aqui):
Quem se esquece do PS?
À semelhança de boa parte dos portugueses, as trapalhadas internas do PS interessam-me tanto quanto um concurso filatélico. Aliás, reconheço nem saber ao certo de que trapalhadas falamos. Parece que a impopularidade do Governo e uns pulinhos difusos nas intenções de voto convenceram o dr. Seguro de que chegara a sua hora. Parece que os herdeiros do eng. Sócrates, entusiasmados pelos mesmos peculiares motivos, querem remover o dr. Seguro e colocar alguém "confiável" no seu lugar. Parece que António Costa, cuja enorme relevância começou anteontem a ser inventada, é a escolha "natural" dos socialistas que se afirmam alternativa à austeridade. Conforme avisei, a coisa é de facto aborrecida. Excepto para um psiquiatra.
Fora do manicómio em que os políticos indígenas cirandam, os estragos causados nos últimos anos bastariam para erradicar o PS do mapa político. Dentro do manicómio, o PS não apenas se acha no direito de reclamar o retorno antecipado ao poder como julga mais provável consegui-lo na exacta versão que, de desastre em desastre, o levou a perder esse poder. O dr. Seguro, faça-se-lhe a honra, quis mostrar-se envergonhado das proezas do partido e, sem grandes resultados, tentou disfarçá-lo sob o verniz da responsabilidade. O dr. Costa não tem vergonha nenhuma e, se o pernicioso regresso aos mercados não lhe trocar as sondagens, pondera apresentar-se às massas enquanto o orgulhoso representante dos desvarios que condenaram as massas a apertos sem fim à vista. Se nada garante que tamanha extravagância vá longe, a sua mera plausibilidade é suficiente para recear a falta de memória e de juízo do bom povo.
Mesmo no futebol, que não será um universo particularmente lúcido ou vital, é difícil imaginar os sócios do Benfica ansiosos por devolver à presidência aquele fulano que costuma gravitar entre os luxos de Londres e a cadeia. Na política, porém, é teoricamente possível reabilitar com leveza o sicrano que, após reduzir uma população à penúria, experimenta, alegadamente a expensas da família e da banca, as delícias de Paris (mas não, salvo seja, a cadeia). Os apóstolos do sicrano andam desejosos de terminar o lindo serviço que iniciaram, e o próprio já é um nome "óbvio" para Belém. Um país assim dá sempre vontade de rir. Mas raramente dá vontade de habitar.
American idol
Foi exemplar a hesitação de Barack Obama quando, na tomada de posse, tropeçou ao pronunciar o nome do próprio país. É difícil falar em Estados Unidos se, além de cientificamente duvidoso (a referência dogmática ao "aquecimento global" caiu ali a que propósito?), o discurso que o Presidente terminara minutos antes constituiu uma tentativa de inventariar motivos de divisão e conflito internos.
Escrevo "tentativa" porque aludir à discriminação sofrida pelas mulheres, pelos homossexuais e pelos imigrantes soa um bocadinho a anacronismo ou a erro geográfico. Poucas nações exibem os índices de igualdade de género dos EUA. Raríssimas nações são tão progressistas no tratamento legal (e informal) dos homossexuais quanto os EUA. E, em última instância, decerto nenhuma nação acolhe "naturalmente" os estrangeiros como os EUA, aliás definidos em larga medida por esse milagre de integração.
Não digo que, hoje e sobretudo ao longo da História, o milagre estivesse isento de obstáculos. Digo que exagerar as diferenças num momento destinado à coesão demonstra o tipo de estadista que Obama é: um delegado de cliques e parcelas, para quem as políticas de "identidade" têm precedência face ao mundo real. O mundo de Obama não é habitado por indivíduos, mas por grupos que o elegem ou abominam e aos quais ele se preocupa em servir ou alienar. Não custa prever que o segundo mandato reforce a tendência insinuada no primeiro: os estados já estiveram de facto mais unidos. Vale que a partir de agora falta cada vez menos para a reforma de um objecto de veneração e um sujeito que não a justifica.
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