“Os partidos ocupam em Israel um lugar mais proeminente e exercem mais influência do que em qualquer outro país do Mundo, com excepção dos sistemas de partido único”
Benjamin Akzin[1]
A frase que abre este trabalho remonta à primeira década da existência do Estado e da democracia Israelita, mas nem por isso deixa de ser uma evidência que influi de diversas formas no sistema político Israelita na actualidade. Este sistema em concreto, como sabemos, é marcado por uma gritante fragmentação partidária, que a juntar à necessidade de formação de coligações parlamentares extensas em número de partidos e diversificadas em termos ideológicos para segurar o executivo, lhe concede um cariz único. Este cariz único é o objecto deste trabalho, nomeadamente no que às suas influências sobre a política externa diz respeito; assim sendo, no decurso deste ensaio procuraremos ver de que forma é que a estruturação do sistema político Israelita influi nas decisões e indecisões de política externa, bem como a influência que a política externa tem sobre os cidadãos, e vice-versa.
Convém, como ponto prévio, frisar duas coisas: em primeiro lugar, que a política externa Israelita é tremendamente influenciada pelo conflito Israelo-Palestiniano, que na verdade é Israelo-Árabe, pelo que é importante termos na retina a influência que as guerras e a possibilidade de reacender de conflitos tem no seio do sistema e que, muitas vezes, explicam os seus bloqueios; em segundo lugar, que questões de política externa já fizeram cair governos e que elas são absolutamente centrais no debate político e eleitoral Israelita. Esta importância dos assuntos de política externa é visível empiricamente, tendo o condão de colocar em causa todo o sistema: em 2005, por força de divisões no seio do Likud concernentes ao plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza, Ariel Sharon (então Primeiro-Ministro e líder do partido) decidiu deixar o partido e formar o Kadima. Escusado será dizer que esta criação teve uma influência tremenda no comportamento eleitoral, no alinhamento partidário e na forma de construção de coligações. São estes e outros episódios que levaram Giovanni Sartori, em 1976, a afirmar que: “Israel dificilmente pertence a algum sistema de partidos”[2] sendo que, diga-se, à data em que Sartori proferiu esta frase apenas o Mapai e o seu sucessor Labour tinham sido cabeça dos governos Israelitas (diga-se que decidiu-se incluir na política externa Israelita, para o âmbito deste trabalho, as negociações com os Palestinianos e os colonatos. Sabe-se a controvérsia que esta questão tem tomado na comunidade científica, mas por razões de tempo e espaço não a vamos abordar).
Hoje em dia, à fragmentação já detectada por Sartori juntou-se um novo factor: o crescimento dos partidos dos extremos, que jogam hoje mais do que nunca um papel importantíssimo na formação de coligações, constituindo-se como autênticos veto players às necessárias decisões que precisam e devem ser tomadas pelos partidos mais ao centro do espectro político. A extrema proporcionalidade do sistema eleitoral, algo importado do modelo dos congressos Sionistas do início do século XX[3], explica alguma coisa, como já sobre isso escreveu o francês Maurice Duverger[4], mas não explica tudo. O crescimento das forças centrípetas nas últimas eleições legislativas ligou os alarmes no ocidente e no mundo Árabe, tendo-se afirmado que os resultados representavam um perigo para a paz e para a estabilidade governativa, mas como veremos estas são apenas mais uma confirmação daquilo que já há muito se observa.
O parlamentarismo Israelita: presidente, Primeiro-Ministro e Knesset
O sistema político de cada país é fortemente influenciado pelas exigências que as comunidades políticas exercem sobre as autoridades. Esta influência é, obviamente, maior nas democracias, onde não só as características do sistema político são de certa forma ditadas pelo povo como também as políticas perseguidas são influenciadas pela opinião pública[5]. Assim sendo, a existência de democracia, o parlamentarismo e as eleições extremamente proporcionais em Israel, bem como muitas medidas tomadas no âmbito de política externa, estão intrinsecamente ligadas às características e tendências da sociedade Israelita.
O sistema político Israelita está delineado nas 11 basic laws[6], uma vez que o país não possui constituição escrita. Destas 11 interessam-nos especialmente três, as que definem os órgãos de soberania, as suas competências e o relacionamento inter-institucional dos órgãos: a lei que diz respeito ao Presidente, a que diz respeito ao Governo e a que diz respeito ao Knesset (Parlamento). Convém frisar, primariamente, o seguinte: que o único destes órgãos que é directamente eleito pelos cidadãos é o Knesset, em eleições a realizar de quatro em quatro anos, sendo que todo o território nacional constitui um só círculo onde os 120 lugares serão distribuídos de forma proporcional pelos partidos que reúnam mais de 2% dos votos. Há quem defenda, por força da fragmentação partidária existente no Parlamento e das consequentes dificuldades em formar executivos coesos e capazes, em subir este limite para 5%, numa tentativa de dar mais força aos maiores partidos e combater a instabilidade governamental[7]. Como veremos, tal não resolveria o problema de fundo: o sistema eleitoral é pura e simplesmente o reflexo das enormes divisões existentes na sociedade Israelita (religiosas, étnicas, ideológicas), que certamente não desaparecerão pela alteração da quota de entrada no Knesset.
Ao Knesset pertence o poder legislativo, sendo da sua exclusiva competência a aprovação de leis, que são geralmente submetidas pelo Governo, pelos grupos da oposição ou por deputados ou grupos de deputados. Embora se possa afirmar que a principal função do Knesset é legislativa, outras funções oferecem-lhe lugar de destaque no sistema, como a eleição do Presidente, a necessidade do voto de confiança em qualquer novo Governo e a possibilidade de moção de censura sobre o Governo. Dada a inexistência, até hoje, de um governo assente numa maioria parlamentar unipartidária, o Knesset raramente é ignorado ou enviado para segundo plano, como às vezes ocorre no modelo parlamentar de Westminster; o executivo é dele dependente e só com o apoio dele sobrevive, sendo que o Primeiro-Ministro geralmente prefere demitir-se quando se apercebe que a sua maioria corre o risco de desaparecer, evitando dessa forma uma moção de censura e lançando eleições antecipadas (só uma moção de censura foi aprovada na história da democracia Israelita: tal aconteceu em Março de 1990[8]). O PM tem de ser um verdadeiro estratega, capaz de reunir consensos e formar uma maioria parlamentar e, mais importante que isso, mantê-la ao longo do tempo, algo que a história demonstra ser algo muito difícil de fazer.
Sartori frisaria em 1976 que Israel fazia parte um “pluralismo extremo”[9], por força dos muitos partidos existentes no Knesset, mas diria que este não era polarizado, apesar das tensões e condições para um sistema polarizado existirem (clivagens variadas e profundas). O facto de Israel ser um país pequeno e frágil, com lutas constantes pela sobrevivência, levou os partidos durante muito tempo a esquecerem as diferenças por força da necessidade de formação de executivos com maioria parlamentar capazes de lidar com as ameaças externas, mas hoje este característica está cada vez mais incipiente no sistema, por força das maiores reivindicações dos partidos dos extremos, alicerçadas na sua crescente força eleitoral.
O executivo é composto por um Governo politicamente responsável perante o Knesset, do qual o Primeiro-Ministro é a principal figura, até porque é ele que forma a coligação e é perante ele que todos os outros ministros são responsáveis[10]. O Gabinete, e em especial o Gabinete restrito (na actual coligação este Gabinete é conhecido como o Gabinete dos 7, uma vez que sete ministros fazem parte dele, com maior importância para o PM, o Ministro dos Negócios Estrangeiros [MNE] e o Ministro da Defesa) são responsáveis pelas mais importantes decisões de política externa[11]. Dentro deste gabinete restrito, o PM tem para si o maior papel na decisão da política externa, geralmente delegando para o MNE a implementação daquilo que foi decidido.
Teoricamente, o MNE formula, implementa e apresenta a política externa Israelita; ele representa o Estado vis-a-vis outros governos e organizações internacionais, explicando as posições do seu governo ou promovendo relações económicas/políticas, por exemplo. A importância do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros é aliás visível pelo facto de até agora Israel ter tido 16 MNE, dos quais 7 chegaram a Primeiro-Ministro[12], sendo que o actual Presidente e o actual PM foram, eles próprios, Ministros dos Negócios Estrangeiros. A independência e relevância dos MNE varia muito em Israel, sendo afectada por diferentes factores: a pertença do MNE ao partido do PM ou não; os assuntos de que se trata (assistindo-se a uma predominância clara do PM quando a questão visa o conflito Israelo-Árabe e a relação com os EUA); as personalidades e legitimidade do PM e do MNE. Uma análise empírica à relação do actual Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu (Likud) com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Avigdor Lieberman (Yisrael Beiteinu) pode levar-nos a algumas conclusões: são conhecidos os choques entre os dois, nomeadamente aquando da nomeação do Embaixador para Londres e para as Nações Unidas[13], tal como as diferentes posições em relação ao seguimento a dar às negociações com os Palestinianos, algo só existente pelo facto de o sistema tornar necessária a construção de coligações amplas e a distribuição de postos ministeriais por diferentes líderes políticos por parte do líder da coligação, mas parece-nos inegável a superioridade do PM em relação ao MNE. No entanto, é relevante não subestimar o poder de veto de Lieberman e dos seus 15 deputados no Knesset: sem dúvida alguma que todas as medidas tomadas na política externa passam por Lieberman e são do seu conhecimento, usando o líder do Yisrael Beiteinu os seus resultados eleitorais e a possibilidade de saída da coligação como uma arma para obter dividendos políticos.
O Presidente é eleito pelo Knesset em voto secreto, exercendo primariamente funções cerimoniais. Eleito por sete anos, ele tem uma certa liberdade nas acções que vai desenvolver, dependendo estas das suas inclinações pessoais e da sua relação com o governo (poderes informais)[14]. É o Presidente que faz o Governo, baseado nas consultas que faz com os partidos e nos resultados eleitorais, tendo sempre em linha de conta qual o partido com melhores condições para formar um Governo maioritário estável. Ele participa em cerimónias, visitas oficiais e recebe as creditações dos diplomatas de outros países. A sua participação na política externa pode no entanto ser mais significativa, à luz dos seus poderes informais: Shimon Peres, actual Presidente, por exemplo, pediu recentemente a Ban Ki-Moon para este cancelar o relatório Goldstone, tendo feito isto durante uma visita aos EUA, onde visitou uma série de oficiais Norte-Americanos, nomeadamente o Presidente[15].
Coligações: fruto da diversidade, causa da imobilidade?
Seria naive considerar que o sistema eleitoral Israelita não influenciou o sistema de partidos, embora nos pareça ser pouco razoável utilizar o sistema eleitoral como única e mais importante variável explicativa do sistema de partidos Israelita. Na verdade, a fragmentação é muito mais explicada por características da sociedade Israelita, uma sociedade cheia de divisões, diferenças e clivagens[16]; foram mais estas clivagens que justificaram o actual sistema eleitoral do que o sistema eleitoral criou ou estimulou as divisões. Em 1976, Sartori falava-nos da importância da clivagem religião vs secularismo, chamando-a de “a mais importante clivagem em Israel”[17]. Mas as divisões vão muito para além disso: liberais economicamente vs socialistas; liberais sociais vs conservadores; defensores dos direitos da minoria Árabe vs política de contenção aos Árabes; visão sionista legitimadora do Estado vs visão não sionista; judeus ortodoxos vs judeus seculares; judeus vs árabes; etc. A fragmentação é tanta que a dada altura chegou a existir um partido que era pro-soviético, defensor da propriedade privada e da vida orientada pela Tora e ao mesmo tempo anti-Sionista[18].
É certo pensar que nem todas as clivagens dão origem a partidos e que o sistema eleitoral estimula o aparecimento de partidos, uma vez que a representação no Knesset não requer uma percentagem muito elevada de votos. Nas últimas eleições legislativas, realizadas em 2009, 34 partidos concorreram, tendo 12 alcançado lugares no parlamento (menor partido com 3 deputados, maior com 28). Esta fragmentação partidária, e a crescente polarização a que se assiste, leva à inevitabilidade de construção de coligações que são um autêntico caldeirão de ideologias, etnias e religiões: em 1999, por exemplo, o Labour formou uma coligação da qual faziam parte o Meimad (esquerda religiosa), o Gesher (direita religiosa), o Shas (ultra-ortodoxos), o Mafdal (direita religosa), o United Torah Judaism (ultra-ortodoxos) e o Meretz (sociais democratas), entre outros. Escusado será dizer que estas coligações são constantemente marcadas por instabilidade, decorrentes das diferentes políticas defendidas, nomeadamente no que à política externa concerne. Em 60 anos, Israel teve 32 governos diferentes, sendo que só um sobreviveu durante os 4 anos da legislatura[19].
O decréscimo ideológico ocorrido ao longo dos anos, a necessidade de formulação de coligações e a constante ameaça externa contribuem para um certo relaxamento das diferenças e crispações, mas isto não tem sido suficiente para salvar e estabilizar muitos governos, ainda para mais depois dos constantes ganhos dos partidos religiosos e nacionalistas nas urnas, partidos que estão muito menos disponíveis para fazer concessões pela paz e que representam sectores bastante específicos da população. Partidos pequenos, que não representam o eleitorado, têm poder de veto em muitas decisões: o próprio Netanyahu afirmou em Julho de 2010 que a possível instabilidade da coligação era em parte a razão pela qual a moratória de não construção nos colonatos, decretada em Novembro de 2009, não ia ser renovada[20]. Por força da manutenção necessidade de manutenção de diferentes coligações, decisões de ruptura e importantes para a paz são constantemente congeladas por grupos minoritários que ameaçam sair do governo se certos pontos forem abordados (relembrar decisão de Sharon em 2005, com problemas dentro do próprio partido…).
Não admira que alguns tenham já afirmado que “O carácter reactivo da política externa Israelita tem sido muitas vezes frisado”[21], algo que se justifica pela dificuldade em se gerar consensos internamente. São bem conhecidas as diferenças entre a esquerda Israelita (doves) e a direita (hawks) e em especial a dificuldade que alguns partidos religiosos têm em abrir mão dos territórios conquistados durante a Guerra dos Seis Dias. Na verdade, alguns autores apontavam já na década de 80 que a paralisia da política externa Israelita em relação à paz se devia à construção de uma nova clivagem a seguir à Guerra dos Seis Dias, clivagem essa marcada pela indecisão sobre o que fazer com os territórios ocupados[22]. Esta clivagem cria obviamente problemas aos governos de coligação, que nunca conseguiram encontrar consensos e dessa forma procuraram na maior parte das vezes evitar tomar decisões de relevo.
Enquanto que nos primeiros anos de independência o Mapai teve força para guardar para si as pastas mais importantes, como a Defesa e os Negócios Estrangeiros, isto hoje em dia deixou de ser verdade, uma vez que os diferentes PM têm que lidar com mais membros de coligação, geralmente mais radicais, mais fortes e mais cientes da sua importância. Estes partidos contentam-se hoje em dia com pouco, sendo que muitos deles já se habituaram a estar no poder e extraem dele importantes dividendos políticos e eleitorais, como é o caso do Shas e dos seus requerimentos para mais fundos para as yeshivas. Assim sendo, eles estabelecem reivindicações geralmente altas para entrarem na coligação, tendo em conta o número de lugares que o partido tem no Knesset e a dependência que o futuro líder da coligação tem do seu apoio; como fruto disto, os partidos que são sempre necessários ao estabelecimento de coligações apoiarão o partido/líder que lhes forneça maiores e melhores condições, passando para segundo plano algum tipo de afinidade ideológica, que mantém no entanto a sua importância. O número de ministros e secretários de estado vai também variar de governo para governo, tendo em conta os membros da coligação e os acordos de coligação estabelecidos, acordos esses que podem estabelecer limites, objectivos e compromissos no âmbito da política externa.
O mecanismo de selecção do Primeiro-Ministro, agarrado à necessidade de construção de coligações heterogéneas e frágeis, leva à existência de governos fracos, que se sustentam muitas vezes, e por força de necessidades securitárias, num forte e intrometido aparelho militar. Os líderes Israelitas despendem muito do seu tempo a pensar como vão sobreviver politicamente, em vez de pensarem nos problemas do país. Importantes figuras do exército, a par de muitos advisers e experts, têm muitas vezes um papel importantíssimo na definição da política externa Israelita, até pela sua independência em relação a qualquer possível ligação político-partidária.
A influência do eleitorado na política externa, e vice-versa…
As mudanças na política externa podem ser impostas por líderes ou choques externos[23] (algo que parece ser especialmente verdade para o caso Israelita), entre outras razões, mas em sociedades democráticas a condição essencial para que alterações se processem reside no apoio, que não precisa de ser explícito, da sociedade civil à mudança. Este apoio pode manifestar-se não em apoio propriamente dito, mas na ausência de oposição organizada e massificada. No caso Israelita, reunir uma maioria ou encontrar um consenso tem sido impossível, isto porque as medidas de política externa são centrais nas disputas políticas e eleitorais e portanto fonte de fortes e variadas divisões, algo que a acrescentar às já existentes crispações e clivagens existentes na sociedade dificulta o trabalho das autoridades. As mudanças de política externa, como bem nota Hermann[24], têm de ultrapassar oposições de vários quadrantes, nomeadamente no político e no social. Como já vimos, a configuração do sistema político está longe de ajudar (por força dos bloqueios provocados pela existência de governos de coligação numerosos e instáveis, onde alguns partidos agem de forma irresponsável e o Primeiro-Ministro não tem força para se impor), tal como as divisões existentes na sociedade.
Segundo Asher Arian: “A dimensão segurança-paz é a mais importante dimensão na hora de votar para os eleitores Israelitas”[25], algo que nos parece ser indiscutível. Em 1999, Ehud Barak prometia a retirada do sul do Líbano durante a campanha eleitoral e um completo novo espírito na negociação com os Palestinianos, o que lhe valeu a vitória sobre o cessante PM Benjamin Netanyahu; 2 anos depois, uma série de erros na prossecução da política externa e do processo de paz, a aliar ao eclodir da 2ª Intifada, levaria à sua queda. Um estudo feito 7 meses depois do começo da 2ª Intifada[26] realçaria o impacto desta sobre o eleitorado Israelita, nomeadamente a sua viragem à direita (em matérias de defesa, segurança e política externa) e o declínio no apoio aos Acordos de Oslo. Houve uma queda dramática naqueles que pensavam que a paz poderia ser alcançada através de tratados, enquanto que a maioria do eleitorado defendia um aumento significativo no orçamento de defesa. 38% dos inquiridos afirmava agora estar menos disponível para fazer concessões pela paz, ao mesmo tempo que 31% da mesma amostra afirmava estar mais tentado a votar na direita por causa da Intifada. Estes dados só confirmariam estudos feitos por outros autores anos atrás[27] aquando da 1ª Intifada, quando 33% dos inquiridos disseram defender posições mais extremistas por conta da Intifada e 66% dos mesmos afirmava que a Intifada iria beneficiar o Likud (direita) nas próximas eleições.
O eleitorado é portanto bastante sensível ao terrorismo, que causa a polarização do mesmo[28]. O terrorismo beneficia os partidos de direita, uma vez que “Os partidos beneficiam da saliência de assuntos que eles qualificam como grande prioridade, ou que a sociedade pensa que são a sua grande prioridade”. O terrorismo e as políticas de segurança encontram-se claramente ligadas à política externa em Israel, pelo que é-nos possível extrair duas conclusões: que indecisões ou más decisões de política externa, ou qualquer acontecimento ligado a esta área, influenciam de forma particularmente significativa o eleitorado Israelita (não estamos a afirmar que a Intifada foi causada por más decisões de política externa); que as indecisões ou más decisões causam polarização e aumento do apoio aos partidos dos extremos, nomeadamente de direita, algo que pode estar relacionado com o facto de o eleitorado ter a sensação que um voto nos pequenos partidos nunca é um voto desperdiçado, por força da elevada proporcionalidade do sistema eleitoral. O segundo ponto é particularmente importante, porque vai exaltar e reavivar os problemas de fragmentação, instabilidade governativa e polarização inerentes ao próprio sistema.
Conclusão
Os resultados das últimas eleições de 2009 parecem ir ao encontro daquilo que foi referido ao longo deste trabalho. Segundo Yossi Alpher “Foi o pessimismo em relação às possibilidades de uma viável paz entre Israel e os Palestinianos, mais do que qualquer outro factor, que levou os votantes a abandonar a esquerda e a moverem-se para o centro e para a direita”[29]. A campanha foi marcada pela desastrosa operação no Líbano, pela subida do Hamas ao poder na Faixa de Gaza e pela operação Cast Lead, tendo os assuntos de política externa e de defesa estado mais uma vez no centro do debate e tendo os partidos de direita, nomeadamente os mais extremistas, colhido frutos deste ambiente.
O grande vencedor das eleições seria o Rússofono Yisrael Beiteinu, partido que apesar de “apenas” ter ganho 15 lugares no Knesset iria decidir quem iria chefiar o novo executivo, dada a grande proximidade dos resultados do Kadima (28) e do Likud (27). Jogando com isso, Avigdor Lieberman (líder do Yisrael Beiteinu) impôs várias condições para o seu apoio a qualquer um dos líderes dos maiores partidos, tendo inclusive piscado o olho a Tzipi Livni (Kadima), numa clara tentativa de conseguir mais concessões de Benjamin Netanyahu (Likud). De facto, Lieberman conseguiu impor alguns pontos da sua agenda, inclusivamente algumas visões sobre o conflito Israelo-Palestiniano, bastante conhecidas pelo facto de serem controversas e nacionalistas. Livni ganhara as eleições, mas à sua esquerda só tinha um partido de poder (o Labour, que havia tido o pior resultado da sua história), o que beneficiou o Likud, que por proximidades ideológicas e por ter dado o braço a torcer nas várias negociações que foram tendo lugar conseguiu formar governo, por sinal o mais largo em membros da história de Israel.
Benjamin Netanyahu obviamente não queria ficar refém da extrema-direita, pelo que tentou alargar a sua coligação ao centro, ideia que ainda não abandonou, pois uma possível entrada do Kadima na coligação poderia dar-lhe a oportunidade de se ver livre de algumas forças que têm a constante tendência de bloquear qualquer iniciativa tendente à resolução do processo de paz. Os resultados pouco claros da votação tornaram, no entanto, esta opção impossível, pois Livni não aceitaria ser figura de segundo plano quando ganhara as eleições.
O anúncio de Lieberman como futuro MNE causou algum alarido nos círculos diplomáticos ocidentais, mas este facto não consta como surpresa para os conhecedores do sistema político Israelita, uma vez que a necessidade de formação de coligações largas em número de partidos e pouco uniformes em termos ideológicos, para além da preponderância eleitoral do Yisrael Beiteinu, tornaram este facto inevitável. Os resultados desta eleição são aqueles que nós conhecemos: a constituição de um governo duro, feito pelos denominados hawks do Likud, que mais hawks têm tendência para ficar por força dos seus companheiros de coligação, sempre aptos a chantagens e a fazerem bloqueios políticos por conta de qualquer decisão de relevo que seja necessária tomar no âmbito da política externa. Embora possa parecer redutor, o sistema político Israelita no mínimo em nada ajuda o alcance da paz, havendo até quem afirme que este sistema, na verdade, a dificulta.
[1] Akzin, B. (1955). The role of Parties in Israeli Democracy. The Journal of politics 17: 507-545 (p. 507)
[2] Sartori, G. (1976). Parties and Party Systems: Volume 1: A framework for analysis. Cambridge University Press (p. 136)
[3] Bain, A. (2011). Israel’s flawed electoral system: obstacle to peace and democracy. Policy Breaf, no. 32, Middle East Institute (p. 4)
[4] Duverger, M. (1964). Political Parties: their organization and activity in the modern state. Second Edition. London: Routledge Kegan & Paul
[5] Ventura, R., Shamir, A., Arian, A. (1992). Public Opinion and Political Change: Israel and the Intifada. Comparative Politics, Vol. 24, No. 3, pp. 317-334 (p. 317)
[6] Israel Ministry of Foreign Affairs. (2008). Israeli Democracy: how does it work?. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.mfa.gov.il/MFA/Government/Branches+of+Government/Executive/Israeli+Democracy+-+How+does+it+work.htm
[7] Mahler, G. (2004). Politics and Government in Israel: The Maturation of a Modern State. First Edition. Rowman and Littlefield
[8] Israel Ministry of Foreign Affairs. (2008). Israeli Democracy: how does it work?. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.mfa.gov.il/MFA/Government/Branches+of+Government/Executive/Israeli+Democracy+- +How+does+it+work.htm
[9] Sartori, G. (1976). Parties and Party Systems: Volume 1: A framework for analysis. Cambridge University Press (p. 135)
[10] Israel Ministry of Foreign Affairs. (2008). Basic Law: The Government (2001). Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.mfa.gov.il/MFA/MFAArchive/2000_2009/2001/3/Basic+Law-+The+Government+-2001-.htm
[11] U.S Library of Congress. Foreign relations – Israel table of contents. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://countrystudies.us/israel/106.htm
[12] Israel Ministry of Foreign Affairs. (2008). The foreign ministers of the state of Israel. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.mfa.gov.il/MFA/About+the+Ministry/Israels+Foreign+Ministers/The+Foreign+Ministers+of+the+State+of+Israel.htm
[13] Sherwood, H. (2011). Netanyahu and Lieberman at loggerheads over top diplomatic appointments. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.guardian.co.uk/world/view-from-jerusalem-with-harriet-sherwood/2011/feb/14/israel-binyamin-netanyahu
[14] Israel Ministry of Foreign Affairs. (2008). Israeli Democracy: how does it work?. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.mfa.gov.il/MFA/Government/Branches+of+Government/Executive/Israeli+Democracy+- +How+does+it+work.htm
[15] Mozgovaya, N. (2011). Peres to ask UN chief to cancel Goldstone report, sources say. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/peres-to-ask-un-chief-to-cancel-goldstone-report-sources-say-1.354476
[16] Andersen, R., Yaish, M. (2003). Social cleavages, electoral reform and party choice: Israel’s natural experiment. Electoral Studies no. 22, pp. 399-423
[17] Sartori, G. (1976). Parties and Party Systems: Volume 1: A framework for analysis. Cambridge University Press (p. 136)
[18] Mahler, G. (2004). Politics and Government in Israel: The Maturation of a Modern State. First Edition. Rowman and Littlefield
[19] Bain, A. (2011). Israel’s flawed electoral system: obstacle to peace and democracy. Policy Breaf, no. 32, Middle East Institute (p.5)
[20] Ravid, B., Issacharoff, Avi. (2010). Netanyahu: Extending settlement freeze will cause government to collapse. Consultado a 12 de Maio, 2010, do site: http://www.haaretz.com/print-edition/news/netanyahu-extending-settlement-freeze-will-cause-government-to-collapse-1.304671
[21] Shlaim, A., Yaniv, A. (1980). Domestic politics and Foreign Policy in Israel. International Affairs, Vol. 56, No. 2, pp. 242-262 (p.245)
[22] Shlaim, A., Yaniv, A. (1980). Domestic politics and Foreign Policy in Israel. International Affairs, Vol. 56, No. 2, pp. 242-262 (p.250)
[23] Hermann, C. (1990). Changing Course: When governments choose to redirect foreign policy. International Studies Quarterly, vol. 34, no.1, pp. 3-21 (p.3)
[24] Hermann, C. (1990). Changing Course: When governments choose to redirect foreign policy. International Studies Quarterly, vol. 34, no.1, pp. 3-21 (p.17)
[25] Berrebi, C., Klor, E. (2008) Are voters sensitive to terrorism? Direct evidence from the Israeli electorate. American Political Science Review, vol. 102, no. 3 (p.10)
[26] Arian, A. (2001). Israeli public opinion on national security 2001. Jaffee Center for Strategic Studies – Tel Aviv University
[27] Ventura, R., Shamir, A., Arian, A. (1992). Public Opinion and Political Change: Israel and the Intifada. Comparative Politics, Vol. 24, No. 3, pp. 317-334
[28] Berrebi, C., Klor, E. (2008) Are voters sensitive to terrorism? Direct evidence from the Israeli electorate. American Political Science Review, vol. 102, no. 3 (p.6)
[29] Marcus, J. (2009). The 2009 Israeli Election: a bump in the road to peace?. The Washington Quarterly, 32:3, pp. 55-69 (p. 62)
2 comentários:
Olá RB.
Excelente reentrada.
O Rb tinha-me pedido para comentar este trabalho que ele fez e eu comprometi-me a fazê-lo.
Por ponderosas razões particulares não honrei o meu compromisso, o que me dói mais a mim do que, talvez, ao RB.
Lamento sinceramente.
O trabalho é de nível académico e mereceria muito mais do que umas linhas apressadas.
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