É este o título de um texto do economista, presidente do SIBS e Conselheiro de Estado Vítor Bento, aqui publicado, que passo a transcrever na íntegra:
Como me têm sido dirigidas muitas perguntas sobre o assunto, algumas delas recorrentes, e porque as respostas vão ficando dispersas por comentários que nem sempre são lidos por todos, deixo aqui mais algumas ideias sobre o assunto, apresentadas na forma de pergunta/resposta. O meu intuito é meramente pedagógico, ajudando a perceber melhor o que está em jogo, e não pretende envolver nenhuma apologética.
1) Reduzir a TSU (ou os salários) para competir pelos custos não é rebaixar o padrão competitivo e fomentar uma economia de baixa qualidade? Não seria preferível estimular a inovação e, mais em geral, a produtividade?
Sim, só a produtividade permite melhorar o nível de vida e esta é que é a variável fundamental sobre que há que actuar, seja através da inovação, da organização, dos processos… Só através da produtividade poderemos ser competitivos e melhorar, ao memso tempo, o nível de vida. Mas, mesmo que se faça tudo certo para que este objectivo seja alcançado – e essa deve ser a prioridade da política económica –, ele só é atingível num horizonte de médio e longo prazo.
Até lá, porém, temos um problema sério de desemprego. Problema que se vai agravar com as medidas de austeridade necessárias para estabilizar a situação de descalabro financeiro em que nos encontramos.
Portanto, se quisermos minorar o efeito recessivo dessas medidas e conter o desemprego, teremos que tentar contrapor um estímulo económico de efeitos imediatos. E isso só pode ser conseguido por via da redução dos custos de produção. Dos custos de produção e numa perspectiva macroeconómica só há dois tipos de custos com origem interna e, por conseguinte, controláveis internamente: custos laborais – salários e fiscalidade sobre os salários (a cargo das empresas) – e rendas do sector não transaccionável. São estas, pois, as variáveis sobre que é possível actuar se se quiser ganhar competitividade imediata. Isto é, custos laborais e preço relativo ST/SNT.
Se se dispusesse de moeda própria, aqueles dois efeitos seriam atingidos de imediato através de uma desvalorização. Sem este instrumento, só se pode – com menos eficácia, mais incerteza e mais custos de implementação – tentar actuar directamente sobre aquelas variáveis. Mas tem que ser sobre as duas!
E é aqui que surge a TSU, como forma de evitar ter que reduzir os salários nominais. Mas, mais uma vez, só funciona, como numa desvalorização, se o efeito for significativo e imediato. Daí que pensar neste instrumento para montantes de menos de 5% e ou pensar na sua implementação gradualista – i.e. ao longo de vários anos!!! – não faça qualquer sentido e seja até contraproducente.
Compreendo perfeitamente as dificuldades associadas à sua implementação, nomeadamente a necessidade de gerar receitas compensatórias, e compreendo que isso crie um dilema político para o qual não há recomendação “técnica”. Agora se alguém pensa que vamos sair desta situação sem muita dor, é muito provável que também acredite na existência do Pai Natal. E as escolhas são isso mesmo: ponderar os custos e benefícios das várias soluções e escolher aquela que mais satisfaz a função de preferência do decisor e da sua base de apoio. Como mais de 2/3 da economia funciona no Sector Não Transaccionável, não será difícil imaginar para onde se inclinam as preferências sociais. Embora o desempenho do Sector Transaccionável seja fundamental para o sucesso da economia e da sociedade. Mas quando a função de preferência social é míope – pesa muito mais o resultado imediato (i.e. só vê o que está perto) do que o resultado sustentável –, tende a maximizar os benefícios de curto prazo (evitando os custos imediatos), mesmo que à custa dos benefícios futuros.
2) O IVA é a melhor receita compensatória para a perda de receitas da TSU, porque penaliza as importações?
O IVA é a melhor receita compensatória, sobretudo porque desencoraja o consumo e nós temos um excesso de consumo (face à nossa capacidade de produção de riqueza) que precisamos de reduzir para tornar a economia sustentável.
O IVA onera de facto as importações, tornando-as mais caras. Mas como se aplica também ao consumo de produtos de origem nacional, não penaliza a competitividade das importações. Em termos fiscais, a competitividade SÓ é afectada pela TSU que, incidindo sobre a produção nacional, a torna mais barata, quer no mercado externo (favorecendo as exportações), quer no mercado interno (favorecendo a substituição de importações).
3) A redução da TSU não se arrisca a beneficiar apenas a rentabilidade das empresas, sem (suficiente) reflexo nos preços?
Sim, este é o principal risco e é um risco muito difícil de controlar sem montar uma máquina muito pesada. É razoável esperar que as empresas que operam no ST tenham um incentivo forte a reduzir os preços para vender mais – exportando, ou substituindo importações. No SNT, também é razoável esperar que, nas actividades onde haja mais concorrência efectiva e onde a elasticidade procura/preço seja mais alta, a concorrência, juntamente com a contracção da procura interna, faça baixar os preços. Mas nos sectores com baixa concorrência EFECTIVA e baixa elasticidade procura/preço, só uma intervenção administrativa (do Governo ou dos reguladores) conseguirá assegurar que a redução dos encargos fiscais não é retida como lucro.
Mas, no geral, é muito provável que nem toda a redução de TSU seja repassada aos preços, sacrificando a esperada eficácia da medida. E essa pode ser uma razão válida para as hesitações na sua utilização.
4) Porque não reduzir a TSU apenas para as actividades exportadoras e em proporção do seu volume de exportações?
Em primeiro lugar, esse tipo de discriminações colide com a legislação comunitária sobre o mercado único e poderá ser difícil de conseguir um regime de excepção. Depois, a competitividade tanto se destina a favorecer exportações, como a favorecer a substituição de importações. Ou seja, todas as actividades que compitam com produção internacional. E para a substituição de importações já seria mais difícil encontrar um indicador que permitisse criar selectividade.
1 comentário:
"Como mais de 2/3 da economia funciona no Sector Não Transaccionável,"
... onde chegámos!
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