... mas não o das "alternativas", recolhida aqui, e cujo período final me abstenho de comentar:
Haveria tamanha crise
se a União Europeia não andasse de abraços com o crime organizado, a fraude e a
corrupção? E o que é que Portugal tem a ver com isso?
"Agora sabemos
que é tão perigoso ser governado pelo dinheiro organizado como pelas máfias
organizadas." Não, a frase não é atual. Quer dizer, atual até é, mas foi
proferida em 1936 pelo Presidente dos EUA, Roosevelt, na ressaca da Grande
Depressão. "É uma frase totalmente aplicável aos nossos dias",
garante Carlos Pimenta, do Observatório de Economia e Gestão de Fraude da
Faculdade de Economia da Universidade do Porto (OBEGEF).
As palavras de
Roosevelt podem até inspirar a conferência que o Observatório organizará, por
estes dias, no Porto, com a "nata" do País e do estrangeiro no estudo
e investigação da fraude e da corrupção. Afinal, "a crise que estamos a
viver está muito ligada a situações dessas. Começou nos EUA, com o subprime,
mas também é resultado das más políticas da União Europeia, promotora de
medidas que, do ponto de vista científico, foram abandonadas há muitos
anos", resume Carlos Pimenta.
Não se assuste, mas o
resultado é este: "A Europa concentra hoje um grande número de off-shores
e 'câmaras' de corrupção entre bancos sem qualquer registo de movimentos. É
benévola para o crime organizado e comporta-se como um grande paraíso
fiscal", resume o catedrático de Economia.
Faça-se um exercício
sobre o desconhecido: quem reparou na adesão ao euro de países que não integram
a UE e que, por vezes, nem nos lembramos que o são? Vaticano, São Marino,
Kosovo e outros territórios constituem, segundo Carlos Pimenta, "o centro
do tráfico internacional" e conquistaram o melhor de dois mundos: usam a
moeda única, mas não respondem perante as leis europeias. "O dinheiro que
ali circula fica automaticamente lavado." Não admira, pois, ver a Europa
"extremamente vulnerável".
Portugal, galinheiro de serviço
Não sendo ainda um
paraíso para as máfias, a verdade é que a moldura europeia, mais jeitinho menos
jeitinho, cabe na perfeição a Portugal, país onde as raposas encontram sempre o
galinheiro aberto, e à discrição, para se empanturrarem. Carlos Pimenta
socorre-se da metáfora de Jean-François Gayraud - autor de diversas obras sobre
fraudes e crime organizado - para ilustrar o nacional-porreirismo nestas
matérias, conivente e irresponsável. "As crises e o endividamento do
Estado geram situações de grande fragilidade. Degrada-se a situação social,
abre-se a porta a negociatas", refere o economista. A estratégia de rapina
é fácil e dá milhões: "As organizações criminosas não têm falta de
liquidez. Além de facilitarem o crédito, tomam conta de empresas em situação
difícil e dos negócios legais, através de jogos de influência e de
branqueamento de capitais. As privatizações são um dos alvos", explica
Carlos Pimenta.
Os sinais são variados
e estão para durar. É "o cancro do off-shore da Madeira, onde Portugal só
tem a perder". São as Parcerias Público-Privadas (PPP´s), "onde era
bom saber quantas foram negociadas em situação de conflito de interesses".
São os negócios entre Portugal e Angola, com "exemplos de uma relação
pouco clara entre empresários portugueses e angolanos e onde a diplomacia
secreta aparece em grande". Há tempos, em Luanda, Carlos Pimenta ouviu
mesmo da boca de responsáveis da polícia económica angolana uma frase curiosa:
"Disseram-se espantados com o facto de empresários falidos em Portugal
serem um sucesso por lá." Por cá, valham-nos o Ministério Público e a PJ
que, "mesmo sem recursos, têm sido extremamente corajosos. Nos últimos
anos, foram trazidos a público e investigados casos que, noutros tempos, nunca
viam a luz do dia".
Neste momento, de
acordo com as estimativas de Carlos Pimenta, a "economia sombra"
representa já 35% do PIB. Em 2007, o cenário corresponderia a uma pilha de
notas de cem euros, quase do tamanho da Torre dos Clérigos. "Agora, são
várias torres", ironiza.
Entretanto, "a
comunidade pacífica de revoltados" de que falava Torga parece manter a
fervura, sem levantar a tampa. Somos até "muito tolerantes com a fraude e
a corrupção autárquica", sobretudo ao serviço da máxima "rouba, mas
faz", mas continuamos impressionáveis quando o aparelho de Estado dá nas
vistas. Os exemplos, esses, já não vêm de cima. "As revistas sociais
alteraram o padrão de ética das pessoas", afirma Carlos Pimenta. "As
referências, hoje, são tipos que vão à TV, alguns bandidos e
vira-casacas." Tudo bons rapazes, portanto.
Elite nacional e mundial no Porto
Susan Rock-Ackerman,
uma das maiores autoridades mundiais na área da fraude e da corrupção, e
Friedrich Schneider, autor de um estudo sobre economia paralela na UE, são dois
dos oradores da conferência Percepção Interdisciplinar da Fraude e Corrupção,
organizada pelo OBEGEF e que decorre de hoje, 12, até sábado, 15. Na abertura
do evento será divulgado o mais recente Índice de Economia Não Registada, da
autoria do Observatório. Paula Teixeira da Cruz (ministra da Justiça) Cândida
Almeida (diretora do DCIAP), João Amaral Tomaz (administrador do Banco de
Portugal) e Carlos Tavares (presidente da CMVM), serão alguns dos oradores.
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