... de Luís Dolhnikoff, transcrito daqui:
MAS POR QUE NÃO SE PODE QUEIMAR O CORÃO?
No dia 11 de setembro de 2010, um pastor evangélico norte-americano anunciou que queimaria 200 exemplares do Corão, para lembrar a ligação do islã com a queima do World Trade Center em 2001, e a morte de 3000 inocentes. Houve reações planetárias. Da Casa Branca ao Vaticano, passando pela Interpol e o comandante norte-americano no Afeganistão, todos pediram ao pastor que recuasse, porque isso levaria a reações violentas de fanáticos muçulmanos e daria munição a terroristas islâmicos. De fato, houve inúmeras manifestações no mundo islâmico. Incomparavelmente maiores e mais contundentes, em sua quantidade e em sua indignação, do que aquelas registradas no próprio dia 11 de setembro de 2001. Para o mundo muçulmano, parece, queimar edifícios (ao menos edifícios ocidentais) é menos grave e ofensivo do que queimar livros, ou ao menos, exemplares do Corão.
Eis que agora o mesmo pastor volta à carga (ou às chamas) e, mais modesto, queima não 200, mas um exemplar do Corão. Em reação, fanáticos muçulmanos no Afeganistão invadem uma missão da ONU e matam por linchamento nove funcionários. Além dos assassinatos vis, há inúmeras manifestações de condenação violenta da queima do livro, tanto por autoridades políticas do mundo muçulmano quanto do Ocidente, além de autoridades religiosa islâmicas. As manifestações de repúdio à queima são maiores e mais frequentes, ou ao menos mais audíveis, do que a condenação aos assassinatos.
Qual o problema, porém, de se queimar o Corão?
Não se trata, em todo caso, de algo semelhante aos antecedentes mais célebres, os autos-de-fé medievais, em que a Igreja queimava livros proibidos, ou seus equivalentes nazistas: porque estes eram atos de exercício do poder político, no contexto da censura oficial a esses mesmos livros. Tampouco é semelhante a famosos e infames atos históricos de barbarismo, como o do
comandante árabe que no ano de 642, depois de ter entrado em Alexandria [até então uma cidade cristã], mandou que todos os livros da grande biblioteca fossem queimados. O que está nela e também no Corão, teria dito, não precisa ser conservado; o que está nela e não está no Corão, não serve para nada (D. J. Struik, “Por que estudar a história da matemática”, in Ruy Gama (org.), História da técnica e da tecnologia, São Paulo, Edusp, 1985, p. 191).
Qual é então, afinal, o problema de se queimar o Corão? Tenho um exemplar do Corão na minha biblioteca (Alcorão Sagrado, trad. Samir El Hayek, São Paulo, Marsam, 2001). Se um dia eu decidir me desfazer dele, não posso, portanto, jogá-lo no lixo? Principalmente se decidir queimar nesse dia o meu lixo? Ou seja, o que eu decidir fazer ou não com o exemplar do Corão de minha propriedade, que faz parte, com o resto dos meus livros, da minha biblioteca particular, diz respeito ao islã em geral e aos muçulmanos em particular?
Do ponto de vista islâmico, surpreendentemente, sim, porque o islã não conhece, ou não reconhece, a separação entre vida religiosa e vida civil, portanto, entre a esfera pública e a privada, marcas definidoras da modernidade ocidental. Por isso, preciso tomar cuidado com o que faço com meu próprio exemplar do Corão em minha casa, assim como uma mulher não pode fazer com o seu próprio corpo o que queira (inclusive escolher o modo de se vestir). Por isso, também, o islã se comporta, como regra, como um corpo estranho na sociedade aberta ao estilo ocidental: pois o fundamento dela é a lei civil, que além de laica, tem como objetivo primordial a defesa do indivíduo e de sua liberdade individual, inclusive contra ações do próprio Estado, que dirá das religiões.
Quando eu era mais jovem, vi muita gente enrolar cigarros de maconha em páginas da Bíblia. Porque o famoso papel-bíblia, por sua finura, servia como um substituto palatável ao papel de cigarro, quando este faltava. Mas além do aspecto pragmático, havia também no gesto uma clara dimensão cultural, ou melhor, contracultural: pois ao ato de se consumir uma substância ilícita que alterava a consciência se acrescentava a queima de páginas das Escrituras sagradas. A soma da cena era, em suma, a afirmação de que não há nada mais sagrado do que a própria liberdade individual.
A sacralidade da liberdade individual versus a sacralidade da religião: na história ocidental, a modernidade é, de certa forma, o resultado da vitória sócio-político-cultural da primeira sobre a segunda, a partir do fim da Idade Média, marcada pela predominância do poder da Igreja, limado e eliminado com a ascensão do laicismo republicano e da sociedade aberta. No mundo islâmico, a sacralidade da religião ainda não foi historicamente posta em xeque. Daí ela ser uma questão política e social, e não meramente da esfera privada. Daí a liberdade individual, como a de manifestação antirreligiosa, poder ser vista como afronta à religião, quando, na verdade, é a religião não-reformada, não-modernizada e não-privatizada que afronta a liberdade individual e a modernidade.
A destruição de um livro por um indivíduo (assim como de uma bandeira), como manifestação de opinião pessoal ou ato performático de qualquer tipo, é um direito individual inalienável, indiscutível. “Comprar” os argumentos religiosos, de que se trata de afronta à religião, e que por isso seria condenável, é questionar a liberdade de manifestação. Não por não se tratar de uma afronta à religião: mas porque se pode, sim, afrontar religiões, assim como se pode afrontar qualquer sistema de ideias, ou seja, questioná-las. Religiões não são indivíduos, são crenças, e crenças são objetos perfeitos de questionamento no embate das ideias. Daí decorre que o outro argumento, de que tais atos incitam o ódio religioso e mesmo racial, é falso. Em primeiro lugar, nada aí de “racial”. Muçulmanos não são uma “raça”. Em segundo lugar, o que na verdade incita o ódio religioso é a própria religião, não seus questionamentos. Ou seja, é a impermeabilidade das religiões e dos religiosos ao questionamento, manifestada por reações de ódio a esses mesmos questionamentos, o que alimenta e realimenta o ódio religioso, e esse ódio se volta afinal contra a liberdade expressão, que é a liberdade de questionamento.
O assassinato, por outro lado, principalmente o movido por ódio (no caso, o ódio religioso) é que se constituí aqui o único e verdadeiro crime – um crime vil, infame, indefensável, que deve ser condenado do modo mais claro e inquestionável possível.
6 comentários:
Caro José Gonsalo, excelente.
Estou farto deste pantano politicamente correcto, em que se recusa chamar as coisas pelos nomes.
"Religião da paz", dizem eles. Só se for a paz dos cemitérios, digo eu.
Cumprimentos
Gonsalo,...seja verdadeiro para consigo ao menos... ao contrario do que os média espalham, o que se passou, no Afeganistão, nada teve a ver com a queima do Corão que tinha acontecido 2 semanas antes mas sim, pela descoberta que uma equipa de soldados que mataram 15 cidadãos, incluindo jovens por puro desporto de tiro ao pato, posando para a foto com dedos, orelhas e cadáveres.
http://www.youtube.com/watch?v=0lpyIJKNOfk&feature=related
E pode encontrar as mais variadas noticias neste sentido.
Agora, o que não pode, é isto;
http://www.youtube.com/watch?v=W2Ch6EF2sS0
Aqui, como a queima do Corão, foi feita por Islâmico, fura a completa farsa, propagada pelos media Ocidentais para suprimirem a verdadeira razão da ira e motins no Afeganistão.
Aqui, a PressTv que vocês dizem que é a voz da parcialidade, a transmitir a destruição da mesquita.
Por acaso quantas noticias acerca da Killer team por cá?
http://www.youtube.com/watch?v=ACKskuYUqt4
Queimar o Corão, não é problema para os Islâmicos...matar civis por desporto, SIM.
Percebe Gonsalo??
O SW ainda não percebeu a diferença entre xiitas e sunitas nem o ódio existente entre ambos. Daí o seu comentário.
Bastaria ele perceber que os governantes do Bahrain são sunitas mas a maioria da população é xiita. E que a Press TV é iraniana. E a maioria dos iranianos são xiitas. E a maioria dos sauditas são sunitas.
Ora, sabendo-se que ambos odeiam-se de morte e classificam-se uns aos outros como apóstatas e infiéis, é de estranhar que se matem uns aos outros?
Quanto ao resto, o SW não tem razão. Basta lembrar o que aconteceu com outros episódios parecidos, como as caricaturas de Maomé.
"Queimar o Corão, não é problema para os Islâmicos"
Experimenta fazer a gracinha. Fila e mete no Youtube. Pode ser que te lixes. Basta lembrar o caso do autor das caricaturas. Obrigado a usar guarda-costas, a andar escondido e com uma recompensa pela sua cabeça.
"matar civis por desporto, SIM"
Matar civis por desporto nunca é bem visto por ninguém.
"" Bastaria ele perceber que os governantes do Bahrain são sunitas mas a maioria da população é xiita.
E a maioria dos iranianos são xiitas. E a maioria dos sauditas são sunitas.""
É uma verdade inquestionavel, sem duvida.
Mas então eu pergunto-te...Os islamicos, na questão da queima do Corão, tambem se manifestam de maneira diferente se forem xiitas ou sunitas?
Se não, porque razão não protestaram os outros paises islamicos tal quando as caricaturas do mohamed?...Porque razão só se revoltaram contra a queima do livro no Afeganistão?
http://www.youtube.com/watch?v=QnDSFOJpLAI&feature=related
A resposta é simples Lizard...porque a causa não é o Corão...foi a descoberta do povo afegão pela imprensa do Afg da Killer team enquanto os comndantes, andam numa autentica campanha de propaganda para ganharem a mente e o coração do povo de forma a terem-nos de seu lado, só que lixaram-se... e queriam manter as fotos secretas, enquanto mentiam deliberadamente dizendo que eram INSURGENTES, aliás, iguais a outros tantos que não se descobre a verdade e que vocês por aqui dão graças a deus por darem cabo deles todos.
É..saiu nos media...é porque é verdade.
Aliás, isto é que merecia um verdadeiro Post...ppois os mesmos já tinham antepassados de historia desta no Iraque...Insurgentes my ass
"Se não, porque razão não protestaram os outros paises islamicos tal quando as caricaturas do mohamed?"
Até houve protestos. E muitos. Se calhar as revoltas e revoluções no mundo árabe tiraram interesse à coisa. A malta agora tem outras preocupações.
"A resposta é simples Lizard...porque a causa não é o Corão..."
Errado.
http://www.bbc.co.uk/news/world-south-asia-11258739
http://uk.news.yahoo.com/22/20100912/tpl-uk-afghanistan-protests-81f3b62.html
http://www.dailystar.com.lb/article.asp?edition_id=10&categ_id=2&article_id=119315#axzz0zeKtMbMr
http://www.presstv.ir/detail/142424.html
Se acreditassem em maomé, saberiam que todo o mal do mundo é por culpa de allah, pois foi ele que criou e autorizou os diabos e ajudantes, e só eles.
Quanto aos cidadãos ou supostos, se não eram maometanos, não interessam, se eram nunca mas nunca morrem, só recebem um bilhete para irem para o inferno e é isso que mais desejam.
O tal paraíso é mesmo o inferno, pois maomé tb disse que o seu allah era o maior enganador.
Quanto a queimar corões, ainda hoje os maometanos estão obrigados a queimarem e a destruírem qualquer corão, texto, palavras ou letras do mesmo que tenham sido escritas por maomé ou no seu tempo.
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