(imagem recolhida aqui)
Recebi esta tarde a visita de um
amigo que já não via há algum tempo. Pessoa convictamente e mesmo, até certo
ponto, activista de esquerda, desde sempre apoiante incondicional da “causa
palestiniana” e da resistência árabe ao “invasor israelita” apoiado pelo “imperialismo”,
regressou, dias atrás, de uma viagem de trabalho ao Médio Oriente. Regressou confundido
e abalado com o que presenciou e sentiu na pele, em nada coincidente com as
perspectivas e as noções que lhe foram transmitidas ao longo dos anos pela “informação
esclarecida” das fontes habituais, procurando agora conciliar elementos
contraditórios. Numa angústia decorrente de já se haver subconscientemente
apercebido de que não se pode conciliar o inconciliável e que poderá ser
obrigado a negar a fé de uma vida inteira. E poucas coisas haverá mais
dolorosas e desorientadoras do que isso.
No meio da nossa conversa veio, inevitavelmente
à baila a questão palestiniana e o “povo mártir”, a propósito da qual, para
ilustrar melhor o que pretendia mostrar-lhe, lhe contei uma pequena história
que se passou comigo cerca de vinte anos atrás e que o deixou ainda mais
pensativo. Como julgo nunca tê-la contado por estas bandas, aqui a deixo, para
melhor ou pior proveito de quem a leia.
Estávamos no início da década de 90 e, havendo eu
concebido um projecto agregador da cultura de raiz lusa (nessa altura,
constituía uma semi-novidade), organizei, em conjunto com outros que aderiram à
ideia, um conjunto de actividades públicas destinadas a testemunhar essa
unidade presente na diversidade cultural dos países de língua oficial
portuguesa, no que tive a colaboração de algumas figuras conhecidas nesse plano,
tanto de Portugal como de África e do Brasil. A situação em Timor estava ao
rubro após o episódio trágico do cemitério, pelo que fizemos gala em dar alguma
primazia e protagonismo à participação timorense.
Recebi a representação das
comunidades de Timor apoiado nos conhecimentos decorrentes de um envolvimento
profundo de um meu familiar nos seus problemas, pelo que obtive rapidamente a
sua disponibilidade e um extremo à-vontade e informalidade nos contactos prévios
à cooperação a que se propunham. E foi só esse à-vontade que possibilitou o muitíssimo
instrutivo episódio tragicómico seguinte.
Ia eu falando acerca do que
sabia do problema timorense e do povo maubere (termo que, desde a independência do território, desapareceu de cena, já repararam?) quando, aí pela terceira ou
quarta vez que o fiz, me apercebi de trocas de olhares subtis e de sorrisos disfarçados
entre eles, algo que se ia acentuando à medida que eu utilizava o termo “maubere”.
Intrigado, convidei-os a explicar a razão de toda aquela hilaridade escondida e
eles, sabe-se lá porquê, acharam que me poderiam dizer o que disseram:
- Sabe, não existe nenhum povo
maubere… “Maubere” quer dizer… é um palavra que quer dizer… é assim uma espécie
do que vocês chamam Zé Povinho. Ora não existe nenhum povo Zé Povinho. Maubere,
para nós, é até um insulto, é aquele tipo assim mais rasca, ignorante,
abrutalhado…
- Então… - balbuciei eu, entre o surpreendido e o atónito
– porque é que…
- Sabe - responderam-me - foi algum jornalista que ouviu a palavra e
começou a falar disso sem saber o que ela queria dizer. A coisa pegou e, olha…
Não, sabe… aquilo, em Timor não é assim, bem, um povo propriamente dito, são
tribos, depois há os chefes… é complicado. Povo maubere é que…
E riram-se, desta vez sem
disfarces.
Quando lhe contei isto, o meu
amigo, em meio da desconfiança e da confusão que um relato tão ateu lhe acrescentava
à fé ameaçada, observou, sombrio:
- Não percebo, então, é porque é
que os timorenses, na altura, não fizeram nenhum reparo à comunicação social…!
- Porque não lhes convinha - respondi-lhe. E, é claro que não precisei
de lhe explicar porquê. Nem qual a relação do episódio com a questão da
Palestina.
Penso, aliás, que não é preciso. Nem
a ele, nem à comunicação social “comprometida”, nem aos “indignácaros”, nem aos
adoradores de queridos líderes, nem aos aspirantes a queridos líderes, nem aos
pequenos queridos líderes, nem…
Nem mesmo aos idiotas ignorantes,
mas úteis. Oh, muito úteis…!
7 comentários:
Os meus sentimentos para o seu amigo.
Sorge,
você não dá uma para a caixa - de comentários.
Experimente dar uma... que talvez isso lhe passe.
Que queria? O texto é assim para o pobrezito. Tanta conversa para dizer que tem um amigo que até se parece com um activista de esquerda?
Obrigado pelo conselho. Está a ver?, quando é directo e assertivo as coisas saem melhor. Estou a ver aí uma vocação…
Sorge:
Não insista. Siga o meu conselho. Se se avaliasse o nível de inteligência que demonstra neste seu segundo comentário...
E por aqui me fico, à espera de melhores dias da sua parte.
Gonsalo, Gonsalo…
Bom ano para si. Fico entretanto à espera de contributos mais esclarecidos da sua parte. Apreciar a validade da causa palestina pelos elementos que expõe no seu texto é um exercício equivalente ao julgamento do povo judeu pelas "prostitutas" de Beit Shemesh. Isto é, algo entre o injusto e o idiota. Dei os sentimentos ao seu amigo porque não há nada pior que perder uma fé.
O Sorge parece a ML mas em escrita-vácuo.
Só agora li.
Excelente texto.
Com uma msg clara, para bom entendedor.
Para os que não entendem, margaritas ante porcus.
Enviar um comentário