José Ferreira Dias (biografia
aqui), o mesmo que criou, no Cacém, uma escola industrial (hoje secundária e com o seu nome), foi também ministro da Economia de Salazar entre 1958 e 1962. O discurso que a seguir transcrevo, proferido em 1952, terá tanto mais significado quanto permite verificar até que ponto a tacanha mentalidade, política e não só, de um ditador de segunda pode diminuir a acção dos que se encontram sob a sua pata e influir por décadas no destino de um país.
Deixo as restantes ilações ao cuidado de quem leia o texto.
Conferência
proferida em 26 de Março de 1952 no I.S.T. e integrada no Ciclo de Conferências
sobre Economia Nacional organizado pela A.E.I.S.T., com o patrocínio do
Conselho Escolar.
SENHOR
SUBSECRETÁRIO DE ESTADO, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES:
O Fomento nacional no campo industrial e
energético foi o ponto que a Associação dos Estudantes do Instituto Superior
Técnico me deu para a conferência desta noite.
Começo por confessar que aceitei o encargo de falar sobre ele por se tratar
de uma palestra dentro da Escola; fora daqui não o teria feito, porque este
assunto de fomento industrial vem dando origem, há alguns anos, a largas
manifestações oratórias, e começa já a tornar-se um bocadinho monótono ouvir
repetir os mesmos argumentos e as mesmas esperanças. Um professor, dentro da
escola, tem por dever de ofício que se repetir, mas fora dela já não pode
fazê-lo com a mesma liberdade; esta é a razão por que aceitei e aqui estou a
repetir coisas que já foram ditas.
I – Facilidades e dificuldades do problema
O problema do fomento industrial é em si
um problema simples. E quando digo simples não quero dizer que é infantil;
quero dizer apenas que não é transcendente.
Na realidade, todas as pessoas que falam sobre este assunto, desde os
economistas mais especulativos aos técnicos de feição mais utilitária – e
procuro não ser nem duns nem doutros – acabam sempre numa conclusão unânime: é
preciso aumentar a produção. Parece portanto que toda a gente sabe o que se
deve fazer, sem divergências de opinião, o que pressupõe que o assunto, à força
de evidente, se torna simples.
É notório que este aumento de produção não consiste em aumentar o número de
conferências, por exemplo; trata-se de aumentar a produção de bens económicos,
e portanto temos que nos orientar para aquelas fontes donde estes bens
económicos nos podem provir: a Agricultura e a Indústria.
A Agricultura representa na nossa vida, como todos sabemos, um papel muito
importante, e é de supor que venha a desempenhar papel mais importante ainda;
mas, por motivos que veremos dentro de alguns minutos, ela não pode, só por si,
resolver todo o nosso problema e temos, por consequência, que nos orientar para
a Indústria.
Estando a coisa limitada desta maneira, ocorre então insistir: e é simples
o problema? Eu julgo que é. Suponhamos, por absurdo, que me encarregavam de
apresentar um projecto de aperfeiçoamento da indústria suíça. Confesso que não
saberia bem por que ponta lhe havia de pegar, porque a indústria suíça tem em
todo o Mundo uma larga nomeada de perfeição; a indústria suíça abrange
extensíssimo domínio, desde relógios às locomotivas; a indústria suíça paga
bons salários e vive numa atmosfera de calma social; a Suíça, apesar de ter um
território que não chega a metade do nosso, consome para cima de 10.000 milhões
de kWh. Sinceramente, eu não saberia o que fazer neste conjunto para o
melhorar.
Mas se olharmos para o nosso caso, veremos que nem a nossa indústria tem uma
grande aura, nem abrange domínios extensos, nem paga bons salários; e o nosso
consumo de energia eléctrica mal excede os 1000 milhões de kWh. Perante esta
situação parece que o problema é realmente simples, que não há grande
dificuldade em saber onde deveremos actuar.
Dentro do campo puramente económico o caminho está então traçado sem
hesitação. A discussão apenas será legítima no pormenor tecnológico, naquelas
pequeninas coisas que há que fazer em cada caso concreto. Mas desses assuntos
ninguém trata; todos nadam nas ideias gerais, e até eu aqui estou agora a cair
nelas.
Mas se eu disse que o problema é simples, uma vez que sabemos exactamente
os defeitos que temos a corrigir, isso não quer dizer que não haja, na
realidade, certas facetas delicadas. Há, evidentemente, algumas pequenas
dificuldades; vejamos quais são.
As dificuldades do nosso problema de fomento industrial podem dividir-se em
duas categorias: as dificuldades convencionais e as dificuldades reais. As
dificuldades convencionais são duas: a falta de carvão e a falta de
matérias-primas. As reais são três: a falta de tradição, a falta de mercado e a
falta de dinheiro.
As duas primeiras, aquelas a que chamei convencionais, são,
fundamentalmente, umas desculpas que se inventaram já há muitos anos para
esconder um bocadinho a nossa falta de actividade no domínio industrial. Mas
vão perdendo valor a pouco e pouco. Hoje, toda a gente sabe que a
hidroelectricidade e o transporte de energia eléctrica a grandes distâncias
libertaram a indústria do domínio absoluto que sobre ela exercia o carvão há
algumas dezenas de anos – e os exemplos são conhecidos de toda a gente. Todos
conhecem países da Europa em que a produção de carvão não é muito superior à
nossa e que, no entanto, mantêm um nível industrial susceptível de nos causar
inveja. São, por exemplo, a Itália, a Suíça, a Dinamarca, a Suécia, a
Finlândia. São países em que a produção de carvão não existe ou é muito pequena
e que têm, no entanto, níveis industriais de grande categoria.
Quanto ao problema das matérias-primas, a coisa apresenta-se
semelhantemente. Toda a gente sabe que os grandes países industriais importam
matérias-primas; o comércio das matérias-primas constitui cerca de metade do
grande comércio mundial.
Um exemplo de que a falta de matérias-primas não é motivo que justifique
ausências de indústria dá-o a Inglaterra, que foi o berço da revolução
industrial do século passado. Se se podem apontar duas indústrias inglesas que
tenham fama e expansão mundial, serão talvez as indústrias têxtil e
metalomecânica. Mas, quanto à primeira, não consta que haja algodoeiros em
Inglaterra, a não ser, porventura, nalguma estufa do Jardim Botânico de Kew; e
a lã, é sabido que vai do Cabo ou da Austrália. No domínio da indústria
metalomecânica a posição é porventura mais acentuada ainda, porque a Inglaterra
trabalha o cobre da Rodésia, o minério de ferro da Espanha ou do Norte de
África, o alumínio do Canadá, o volfrâmio de Portugal, o manganês da Índia, o
estanho da Malásia. Se a Inglaterra vivesse hoje exclusivamente das suas
matérias-primas seria um país de pastores a tocarem gaita-de-foles.
Por outro lado, este argumento da falta de matérias-primas poderia ter
alguma autoridade na boca de pessoas que já tivessem aproveitado todas aquelas
de que dispõem; mas parece que não é isso que tem acontecido em Portugal. Dou
alguns exemplos correntes. Existe à nossa volta o ar atmosférico; dizem os
professores de Química que tem 4/5 de azoto. O azoto é a base de uma série
longa de produtos químicos, nomeadamente adubos e explosivos; no entanto,
apesar de dispormos desta matéria-prima, só há uns dois meses ela é aproveitada
em Portugal, e, mesmo assim, a coisa ainda tem para alguns o carácter de uma
calamidade nacional, uma espécie de novo Alcácer Quibir.
Temos uma riqueza florestal grande, e toda a gente fala na área de pinhal
que é da ordem do milhão de hectares. Mas só agora está em construção uma
fábrica que há-de aproveitar a madeira dos pinheiros para fazer papel e pasta
de papel, e no entanto já o rei D. Dinis semeou pinheiros.
Temos por esse país algumas centenas de milhões de toneladas de minério de
ferro; ainda não está aproveitado. Limitamo-nos, por enquanto, como de resto já
fazemos há largos anos ou mesmo há dezenas de anos, a esgravatar o minério da
terra e a vendê-lo para os estrangeiros tratarem.
Todos sabemos que se produzem em Portugal óleos de natureza animal ou
vegetal e também todos sabem que desses óleos se exportava grande parte e que
uma parcela deles, hidrogenados no estrangeiro, eram de novo comprados para os
nossos usos. O hidrogénio, dizem também os professores de Química, existe na
água, e conhecem-se várias maneiras de o extrair. No entanto, só há poucos
meses começaram a fazer-se em Portugal os óleos hidrogenados. E não me alongo mais;
parece claro que não existe uma autoridade muito grande nas pessoas que
inventaram aquela famosa história da falta de matérias-primas.
Vamos tratar agora das dificuldades reais. Começarei pela falta de
tradição.
A tradição é uma espécie de força de inércia que desempenha o papel daquela
parcelazinha que aparece nas equações da Mecânica; todos sabem que é no
arranque, quando o movimento começa, que essa parcela exerce o papel mais
importante, e todos sabem ainda que ele é então negativa porque impede o aumento
da velocidade. Pois passa-se aqui a mesma coisa. As pessoas não acreditam na
Indústria; as pessoas não estão habituadas a ouvir falar da Indústria; as
pessoas têm medo da Indústria; e daqui resulta que as coisas demoram muito mais
tempo do que poderiam demorar normalmente. A falta de tradição é uma séria
dificuldade do nosso problema.
Falemos da falta de mercado. Ao contrário do que algumas vezes se tem dito,
Portugal é um país pequeno. Somos 8 milhões, e as províncias ultramarinas
contam relativamente pouco neste domínio. Não é prudente, seria mesmo
extremamente imprudente, tentar montar uma indústria nova a pensar na
exportação, sobretudo neste tempo em que o comércio internacional encontra
limitações de toda a ordem. É, por consequência, o mercado interno que deve ser
a base de todos os estudos sérios; salvam-se, evidentemente, algumas excepções
com características especiais.
É esta, aliás, a posição que as grandes indústrias têm em todos os países
industriais. A parcela de exportação é, normalmente, uma parcela pequena, em
comparação com o total de negócios, e mal seria se fosse doutra maneira; só o
mercado interno pode representar para a indústria uma estabilidade
suficiente.
Como somos poucos, o problema apresenta sua delicadeza, porque as indústrias
têm que ser estabelecidas, para terem rendimento aceitável, com uma capacidade
mínima, e é necessário que essa capacidade possa ser coberta pelas necessidades
da população.
Este aspecto é, portanto, um bocadinho sombrio, mas há nele uma frestazinha
por onde entra um pouco de luz. É certo que somos poucos, mas também é verdade
que consumimos pouco, porque o nível geral da nossa gente é baixo. Temos aí,
por consequência, um caminho a explorar. A melhoria do nível de vida,
susceptível de grande avanço, permite compensar em parte a escassez do nosso
consumo, e tudo o que se fizer no sentido de desenvolver a Indústria contribui,
no fundo, para aumentar o nível dessa população e para aumentar, portanto, o
número de compradores efectivos. Basta notar, por exemplo, o que se passa no
nosso País, se compararmos os consumos específicos nos anos que precederam esta
última guerra com os consumos que se verificam hoje, sobretudo no que diz
respeito a géneros alimentícios; os aumentos são formidáveis, porque, quando há
melhoria de nível de vida, as pessoas, quando o não tenham feito antes,
procuram, acima de tudo, comer com suficiência. Isto verifica-se em todos os
produtos, e dá-nos uma certa perspectiva de facilidade no aumento do nosso
consumo pela melhoria do poder de compra.
Finalmente, aparece o problema da falta de dinheiro. O estabelecimento de
uma indústria exige cada vez maior volume de produção, porque cada vez se é
mais exigente na qualidade dos produtos, cada vez se exerce maior concorrência
nos preços e, portanto, cada vez a mecanização tem que ser maior e cada vez as
máquinas têm de ser mais complicadas; resulta daí que cada vez mais se exige
para o primeiro estabelecimento de uma indústria um volume avultado de capital.
A verdade é que parece que não dispomos desse capital, porque o ritmo do nosso
desenvolvimento tem sido mais lento do que aquilo que deveria ser; mas neste
campo, pelo menos vista a coisa em superfície, parece descobrir-se um paradoxo.
Anda toda a gente preocupada porque temos na União Europeia de Pagamentos um
saldo que excede os 100 milhões de dólares, qualquer coisa como 3 milhões de
contos; aqui há 3 ou 4 anos andava-se igualmente preocupado com uma dívida da
Inglaterra que deveria andar pelos 80 milhões de libras, qualquer coisa como 8
milhões de contos, ao câmbio daquela data. A verdade é que o dinheiro aparece
em ritmo bastante mais reduzido do que aquilo que permitiria a nossa capacidade
de trabalho; e não desejo avançar neste domínio, porque entrando por ele sairia
do nosso programa.
II – Portugal não é essencialmente agrícola
Vamos agora explicar que Portugal não é
essencialmente agrícola e que, portanto, não podemos desinteressar-nos do
desenvolvimento da Indústria. Esta ideia falsa de que Portugal é agrícola por
excelência não é de hoje; é doutrina que vem de há algumas dezenas de anos. E
ocorre perguntar: Que interesse haverá em continuar afirmando uma coisa que se
sabe não ser verdade? O interesse é evidente: é que se conseguirmos demonstrar
que Portugal é essencialmente agrícola, ficaremos dispensados de fazer qualquer
coisa além daquilo que temos feito até hoje: esperar que o calor do Sol e a
humidade da Terra façam germinar as sementes. Mas o que é fácil demonstrar é
precisamente o contrário; é que Portugal não é essencialmente agrícola.
É do domínio geral que temos um clima irregular e que as colheitas
agrícolas não suportam climas irregulares. Já um estrangeiro comentou com
argúcia que nós temos bom tempo mas mau clima. Entre os factores desse clima
avulta a irregularidade das chuvas. Todos vemos o que se passa: temos nos
nossos rios desproporções de caudal da ordem de 1:1000 e temos por esse facto,
na quase totalidade do território, um período de verão com índice de aridez
inferior a 10. Segundo um estudo que foi publicado há cerca de 3 anos na
“Revista de Estudos Económicos”, a produção média anual por hectare do nosso
território era apenas de 630$00 – uma pobreza.
A nossa agricultura, apesar de termos uma população que não é muito densa –
estamos apenas na média da Europa, e temos portanto, uma densidade nitidamente
abaixo dos países do centro – não consegue alimentar-nos a todos, pelo que se
importam quantidades avultadas de géneros alimentícios. A Junta de Colonização
Interna inventariou aqui há anos os baldios ao norte do Tejo – afirmava-se que
o País não produzia por haver muitos baldios improdutivos – e o inventário deu
400.000 hectares, dos quais apenas se consideram com aptidão agrícola 75.000
hectares – outra pobreza.
A Junta de Hidráulica Agrícola, quando fez o seu programa de irrigação,
elaborou-o para 106.000 hectares e afirmou que a máxima área regável deste País
era de 400.000 hectares. Mesmo que este número esteja errado por defeito,
também por aqui não vamos longe.
Tudo isso resulta de termos um solo que na generalidade é acidentado e
pobre, e que tem mesmo aspectos dolorosos. É possível que já todos tenham
entrado em Portugal pela fronteira de Vilar Formoso. Enquanto atravessamos as
terras de Castela podemos achar que o solo é seco, que é pobre, mas é pelo
menos arável; mas quando entramos a fronteira vemos acastelarem-se granitos por
todos os lados e, no meio deles, salvo em raras parcelas, apenas encontramos
magras leiras de centeio. E este panorama desolador estende-se quase até
Mangualde.
É também conhecido o aspecto das terras arenosas do pliocénico do sul do
Tejo. Ainda há poucas semanas atravessei a lezíria de Vila Franca para ir ver a
linha de 150.000 V que está em construção para Setúbal; e quando regressei, a
nota mais intensa que essa viagem me tinha deixado não era dada pela linha, mas
pela observação do solo. Notei que 200 metros para lá do Sorraia o panorama
muda completamente: perde-se a frescura do prado e começa a charneca seca,
ingrata, com um solo de areia solta onde custa a andar como na praia. De
repente, passamos de campina humosa para o terreno pobre em que as culturas
dominantes são o pinhal e o montado.
Ao olhar para aquilo, lembrei-me dos faraós do velho Egipto, lembrei-me
daquela história, que nos contam no Liceu, das cheias do Nilo que fertilizavam
o deserto; e vi com os meus olhos que realmente o solo é fértil até ao ponto em
que o cobrem as cheias do Tejo. E então percebi essa passagem da história do
Egipto, e percebi também que a lezíria é uma dádiva do Tejo; por baixo daqueles
nateiros há areia estéril.
Porque o deserto, o autêntico deserto, temo-lo nós a dois passos daqui,
além no Norte de África. Apesar de estarmos na Europa, nós somos a fronteira do
deserto, nós somos a transição da Europa para o deserto. Na margem do Sorraia
está a guarda avançada do deserto. Nós não gostamos que seja assim; o nosso
amor a Sintra e ao Buçaco, no fundo, não é mais que a nossa reacção contra o
deserto.
Continuar a afirmar que Portugal é um país essencialmente agrícola é um
acto de traição, porque amortece todas as actividades no sentido de melhorar a
vida da nossa geração.
Mas se Portugal não é essencialmente agrícola, há que fazer justiça
afirmando que é principalmente agrícola. Segundo o último censo completo da
população – o de 1940, visto que do de 50 há apenas alguns resultados provisórios
– 40% da nossa população vive da terra e só 20% da Indústria, incluindo
transportes; na nossa exportação avultam em mais de metade os produtos da
terra. No estudo que há pouco citei, publicado na “Revista de Estudos
Económicos”, calculava-se que a produção agrícola anual aos preços da época,
que são praticamente os preços de hoje, valia 4.600.000 contos; não se fez a
avaliação da produção industrial mas presume-se que não excederá metade
disto.
Somos, portanto, um país principalmente agrícola, mas não o somos por
natureza, por essência, porque as condições mesológicas assim o aconselhem;
somo-lo porque reunimos algumas condições para termos Agricultura e
dedicámo-nos a aproveitá-las, esquecendo-nos de que isso não chega. Precisamos
agora de compensar a insuficiência dessa Agricultura para nos alimentar e nos
dar trabalho a todos, desenvolvendo a Indústria em pé de indispensável
equilíbrio.
III – As indústrias novas
E então pergunta-se: como se pode
desenvolver a Indústria? O desenvolvimento da Indústria pode fazer-se por duas
vias: criando indústrias novas ou melhorando aquelas que existem.
Quanto à criação de actividades novas, publicou-se em 1944 um quadro de
indústrias, chamadas indústrias-base, cujo estabelecimento no País se previa
dentro do prazo de 8 anos. São precisamente passados 8 anos, e embora alguma
coisa se tenha feito, o programa não se cumpriu inteiramente. Estão em
laboração, dentre as indústrias incluídas neste quadro, a metalurgia do cobre e
a fabricação de sulfato de amónio. Estão em construção as fábricas de cianamida
cálcica, de celulose e de tubos de aço. Faltam os nitratos, a folha-de-flandres
e a siderurgia. A folha-de-flandres está até numa situação indecisa: começou as
suas instalações mas não se sabe ao certo se está viva ou se está morta.
A siderurgia não se instalou ainda, creio por duas razões: a primeira,
porque se levantam algumas dúvidas sobre a via tecnológica que devemos
empregar; a segunda porque a verba é avultada, da ordem de várias centenas de
milhares de contos, e é evidente que esta verba é de fazer hesitar qualquer
pessoa. No entanto, vou citar alguns números que são capazes de fazer parar
todas as hesitações. Desde o fim da última guerra até ao presente, os ferros
laminados têm tido, nos países europeus produtores, um preço que convertido em
moeda portuguesa é da ordem de 2$00 por quilo ou pouco mais. Nós, portugueses,
temo-los comprado a esses países a preço que vem oscilando entre 3$00 e 4$00
por quilo, com ressalva de alguns meses do ano de 1950, em que, por falta de
acordo dos fabricantes, se estabeleceu uma concorrência que fez descer o ferro
de exportação abaixo de 2$00.
Quer dizer portanto que, como a nossa importação anual é superior às
100.000 toneladas, nós, desde que acabou a guerra até agora (e parece que
acabou ontem) já pagámos ao estrangeiro em sobre-preço – acentuo que é em sobre-preço –
aquilo que nos daria para montar uma siderurgia completa. É claro que este
dinheirão que temos gasto não nos rende nada; foi dinheiro que se perdeu … e
foi bem feito, que é para não perdermos muito tempo a fazer versos – ou prosa
que às vezes é ainda pior.
Se alguém se lembrasse de ir arranjar essas centenas de milhares de contos
pela aplicação de uma taxa temporária a certas mercadorias, de instalar uma
siderurgia e de, quando ela começasse a funcionar, dizer que se devia dar o
dinheiro como perdido ou desvalorizado em parte, porque a indústria não era
capaz de o remunerar convenientemente – dir-se-ia a plenos pulmões que o acto
fora erro sem perdão. No entanto, esse dinheiro teria sido mais útil,
infinitamente mais útil do que aquele que temos mandado para o estrangeiro em
sobre-preço das mercadorias e que continuaremos a mandar enquanto não tivermos
determinado o contrário.
Fora deste quadro das indústrias-base, outras indústrias importantes se têm
estabelecido nos últimos anos; cito, como exemplo, os pneumáticos, as máquinas
eléctricas, as máquinas de costura, os condutores eléctricos, os equipamentos
hidráulicos, a fiação de linho, a trefilaria, etc. Interessará porém analisar
que outras actividades industriais se poderão sugerir para realização imediata,
além das que ficaram para trás no plano das indústrias-base (folha-de-Flandres,
nitratos e siderurgia).
Antes de mais nada ocorre falar da mina de Rio-Maior. Existe em Rio-Maior
uma mina de lenhite cujas reservas, hoje conhecidas, já são superiores a 20
milhões de toneladas. Essa lenhite é susceptível de gaseificação, quer dizer,
esta mina pode ser a base de uma indústria química importante; o Sr. Prof.
Herculano de Carvalho tem-se dedicado ao seu estudo.
Parece, portanto, que não podemos deixar de dar todas as facilidades ao
aproveitamento deste jazigo e suas instalações complementares; somos tão pobres
em riquezas naturais que não podemos desperdiçar esta.
Ocorre-nos uma outra indústria: construção naval. Tem-se feito nos últimos
anos um brilhantíssimo progresso na marinha mercante; o seu programa, que tem
sido executado com uma rapidez fulgurante, que se deve à tenacidade do
almirante Américo Tomás, tem, a meu ver, um defeito: foi rápido demais para que
a indústria nacional pudesse participar de forma sensível. Os navios chegaram
bruscamente da Inglaterra, da Bélgica, da Holanda, e os estaleiros nacionais
pouco intervieram nesta obra de impressionante relevo. Parece, portanto,
aconselhável a elaboração de um novo programa de execução lenta, de maneira que
as oficinas portuguesas possam colaborar nele mais profundamente do que fizeram
nesta primeira arremetida.
Há um domínio em que pouco temos feito e em que o consumo talvez permitisse
fazer mais: o das ferramentas e das máquinas-ferramentas. Exceptuando as limas
da grande fábrica de Vieira de Leiria, que têm reputação internacional, de
resto pouco se faz, e do que se faz a maior parte é mau. Parece que uma
sugestão útil seria a de procurarmos criar uma ou duas marcas nacionais de
reputação e fazermos acabar toda essa quinquilharia que por aí se fabrica, e
que é bastante má na generalidade.
Estão a espalhar-se pelo País as tarifas degressivas da electricidade, umas
melhores que outras, mas, enfim, tarifas que permitem aumentar o consumo
doméstico. Quer dizer que aquele exemplo que houve no Porto e nalgumas terras
do País, exemplo de aplicação de material electrodoméstico em larga escala,
começou por se estender a todo o País incluindo Lisboa. Parece portanto que
seria oportuno começar a pensar numa indústria a sério de material
electrodoméstico. Igualmente se poderia pensar no material circulante de
caminhos-de-ferro e no de manutenção industrial.
Importa, por outro lado, activar o plano de pesquisas mineiras. Temos tão
poucos recursos que vale a pena explorar o nosso subsolo para conseguirmos
aproveitar tudo que nele haja de útil. Torna-se portanto necessário
intensificar o trabalho do Fomento Mineiro.
A este propósito, não posso calar que, quando leio em alguns tratados de
comércio, como sucedeu recentemente, que nos comprometemos a exportar por ano
meio milhão de toneladas de pirite, fico seriamente apreensivo sobre se, dentro
de alguns anos, não virá a pôr-se o problema de não termos sequer pirite para o
nosso próprio consumo. As reservas das minas não são grandemente conhecidas, as
pesquisas que vêm sendo feitas na faixa devónica do Alentejo não têm dado
grandes resultados; não tenho a certeza de que esta preocupação seja
fundamentada, mas acho que é legítimo pôr a dúvida sobre se não devemos parar
com esse esgotamento de produtos naturais cuja falta pode vir a afectar
grandemente a nossa vida industrial e agrícola.
Para não alongar este assunto das indústrias novas, quero referir-me apenas
a mais um caso que certamente acorre ao espírito de toda a gente, por se tratar
de uma máquina de expansão universal: fabricação de automóveis e tractores.
Infelizmente, neste domínio, a situação não está famosa. Houve há poucos anos
um pedido interessante e bem documentado de montagem desta indústria, pedido
que não reclamava a ajuda financeira do Estado. Mas levou-se tanto tempo a
pensar que, entretanto, o interessado morreu; julgo que é uma oportunidade
perdida.
IV – A reorganização das indústrias
Ao falar da reorganização das indústrias
existentes, que é um dos pontos da nossa palestra, quero começar por me referir
a um assunto muito discutido, que interessa os alunos das Escolas de Engenharia
e que, sobretudo na Ordem dos Engenheiros, vem sendo ventilado de longa data: a
colocação dos novos engenheiros. Tem sido defendido por alguns que a maneira de
arranjar colocações abundantes para os novos diplomados está em determinar que
nas indústrias acima de certa dimensão haja sempre um engenheiro.
Não estou convencido de que esta seja a solução. Primeiro, porque não sei
se alguém assinará um decreto a dizer isto; segundo, porque mesmo que
assinasse, o pobre do engenheiro ver-se-ia negro com o patrão que o tinha lá
forçadamente sem perceber para quê; terceiro, porque o engenheiro, entrando
para grande número das indústrias actuais, não encontraria lá equipamento de
que pudesse servir-se e com que pudesse bem desempenhar a sua missão.
Já uma vez, a propósito do trabalho de uma comissão nomeada para estudar a
reorganização de certa indústria, foi-me feito o seguinte comentário pelos
respectivos industriais, que pretendiam dar uma ideia bem nítida do ‘’’erro’’’
que essa comissão estava praticando: – Imagine V. Exa. que a Comissão até quer
fazer um laboratório!
Com industriais desta categoria o pobre do engenheiro não poderia fazer
grandes coisas.
Parece-me claro que antes de se forçar a admissão dos engenheiros é necessário
dar às indústrias um nível técnico mínimo; essa admissão será então uma
necessidade e não um favor da lei. A nossa indústria sofre de uma dispersão
extraordinária; sofre de um grande arcaísmo das suas instalações; sofre de ter
uma base muito empírica na sua tecnologia. Precisamos, portanto, de dar à
indústria portuguesa a concentração, a modernização e a base científica que lhe
faltam, e precisamos, portanto, por sistema, de fazer uma reorganização
industrial. Evidentemente que há casos de excepção; mas, na linha geral, temos
que olhar como uma necessidade deste País a reforma da indústria.
Indústria não é a fabricação de curiosidades nascidas da habilidade
espontânea do povo. Indústria é Ciência Aplicada. Precisamos de integrar a
nossa Indústria nas bases científicas que não tem. E essa é uma missão
espinhosa; o problema tem certo melindre – é mesmo mais melindroso que o da
criação de indústrias novas, porque briga com situações já criadas.
Eu disse há bocadinho que era preciso concentrar a indústria, mas disse-o
um pouco a medo, porque esta palavra concentração é uma espécie de cabeça de Medusa
que apareceu neste País; toda a gente supõe, ou finge supor, que o falar em
concentração implica fazer coisas gigantescas. A ideia de concentração
significa apenas concentrar as instalações até ao limite mínimo onde se possa
produzir em condições aceitáveis de qualidade e de preço. Por muito que seja
difícil enveredar por este caminho é forçoso tomá-lo, porque por todo o Mundo
as exigências da técnica aumentam, as condições de produtividade melhoram, e
nós, que temos que viver na concorrência com os outros povos, temos que nos
equipar como eles, porque se o não fizermos não conseguiremos nunca melhorar o
nosso nível.
Seria longo analisar com pormenor o que se passa no nosso País a respeito
da indústria a precisar reorganização. Cito um exemplo: Se formos aos arquivos
do Estado (há alguns que não são secretos, de forma que podemos legitimamente
consultá-los) verificamos que há determinadas instalações que figuram nos
documentos oficiais como “fábricas de terras corantes”. Uma “fábrica de terras
corantes” é simplesmente um sistema constituído por um homem, um burro e um
moinho de galgas; o homem vigia o burro, e o burro anda à volta a fazer girar o
moinho dentro do qual se trituram umas pedras de óxido de ferro.
Se forem perguntar a este pobre homem qual é a composição do produto que
vende, qual é o seu grau de pureza, ele não fará a menor ideia do que estas
coisas são. Mas há muitas instalações deste género. Para dar mais um exemplo,
há, ou pelo menos havia, certas “fábricas de tintas” que eram constituídas por
um homem com uma pipa e um pau. Dentro da pipa havia uma droga que só Deus
sabia o que era, porque o homem não chegava a tanto. O homem, com o pau, mexia
a droga e vendia-a como tinta. Se alguém perguntasse que características tinha
aquele artigo, a pergunta ficaria sem resposta. Não é com indústrias destas que
podemos continuar na Europa.
Não quero citar mais exemplos porque, segundo parece, estas organizações
são constitucionalmente muito respeitáveis, e eu não quero de forma nenhuma
faltar-lhes ao respeito.
V – O condicionamento industrial
Duas palavrinhas sobre o condicionamento
industrial. Foi um sistema que entre nós se estabeleceu em 1931, a pedido de
alguns industriais, quando começou a revelar-se a crise económica que se
declarou por 1929 e só veio a acabar por 1934 ou 35, quando se começou a fazer
a preparação da última guerra. Esse condicionamento consistia em procurar
melhorar a utilização das instalações existentes, sujeitando a licenciamento
todas as novas instalações ou ampliação de instalações já montadas.
Este princípio de condicionamento tem defensores calorosos, que são os
industriais estabelecidos, e tem detractores impiedosos que são aqueles que
querem estabelecer-se. Além disso são contra o condicionamento industrial
certos espíritos de feição um pouco liberal, que acham violência esta limitação
à iniciativa privada.
No fundo, não se percebe bem porque se há-de achar esta limitação muito
pior que outras limitações que já existem. Quando começou, no meado do século
passado, a grande luta para o desenvolvimento da indústria, imediatamente se
reconheceu a necessidade de limitações que foram feitas pelos Estados ou pelas
próprias organizações industriais, limitações que diziam respeito a
contingentes de produção, a preços, a horários de trabalho, a condições de
salubridade, a segurança do pessoal, a problemas de comércio externo – tudo
isto restrições que a pouco e pouco se têm imposto às actividades industriais,
que nasceram um pouco desordenadamente e, porventura, com ambições desmedidas.
O condicionamento industrial é apenas mais um elo desta cadeia de
limitações.
Sou defensor entusiástico do condicionamento industrial mas sou-o, não
tanto pelo que ele significa como elemento de protecção aos industriais
estabelecidos, que nem sempre o merecem, mas pelo que ele vale como factor
importantíssimo de fomento industrial. Através dele se pode fazer, se a coisa
for bem conduzida, uma revolução apreciável no nosso equipamento
industrial.
Queixa-se muita gente de que o condicionamento impede novos valores de
aparecer na produção nacional. O argumento é puramente romântico. As pessoas
que falam disto dão a entender que apareceu entre nós o Krupp que vinha aí
montar uma grande indústria, e que a pessoa que tem na mão o poder de regular o
condicionamento industrial impediu o Krupp de se estabelecer em Portugal. É
claro que não é o Krupp que aparece. Quem aparece é o tal homem das terras
corantes ou o homem da barrica de fazer tintas; visto que para os bons, para
aqueles que são capazes de representar elementos de valor na actividade
industrial, não deve haver, e em geral não há, dificuldades.
A protecção aos que estão instalados não deve ir tão longe que se impeça, a
todos aqueles que dêem garantias de bem cumprir, o acesso a novos estabelecimentos.
Muitas vezes sucede até que o condicionamento industrial conduz precisamente a
situação contrária à que a crítica anterior ataca; a tendência geral é para
facilitar o ingresso de toda a gente.
De facto, se em determinada modalidade industrial se apresenta um novo
pretendente, as autoridades folheiam a Estatística do Comércio Externo e
verificam quase sempre que há uma importação ainda apreciável do artigo em
causa. E então conclui-se, ingenuamente, que, se há importação apreciável, o
novo senhor que se pretende instalar é o homem oportuno que vai tapar esta
entrada.
E digo ingenuamente, porque o que acontece na quase totalidade dos casos é
que as indústrias estabelecidas se dedicam a fazer o artigo baixo, aquele
artigo que é pouco exigente de técnica, o artigo que toda a gente faz, ao passo
que o importado é o artigo de qualidade superior, aquele artigo que só alguns
sabem fazer, que só alguns têm equipamento para fazer; e quando se autoriza um
requerente qualquer, que não dá garantias de idoneidade, a ingressar no número
dos industriais, apenas se consegue que ele venha fazer concorrência aos que
estão instalados e não concorrência aos fabricantes estrangeiros, que nos
mandam os artigos que a estatística regista.
Tem-se feito, sobretudo nos últimos meses, uma larga discussão sobre textos
legais de condicionamento industrial. Salvo o devido respeito, penso que não
tem grande interesse discutir as palavras desse texto, porque é pura ilusão
pensar que ele vai orientar alguém na resolução dos casos particulares que se
apresentam. Estes são de tal maneira variados que é completamente impossível
pensar que uma lei ou o seu regulamento possam trazer ideias úteis para a
resolução dos assuntos pendentes.
A única coisa fundamental para que o condicionamento exerça a sua função
mais útil, que não é a função de defender industriais mas a de promover o
desenvolvimento económico do País, é aquilo que existir dentro da cabeça de
quem tem que resolver. Se essa pessoa está à espera de ir encontrar no texto
legal a inspiração do que há-de fazer, não resolverá grande coisa, porque os
processos de condicionamento industrial andavam há anos, se bem me lembro, à
roda de 2.500 por ano, e são de tal maneira variados que não há lei capaz de os
catalogar. Por isso penso que só a cabeça de quem resolve, ou melhor, o que
houver lá dentro, é susceptível de ser elemento útil na aplicação do
condicionamento industrial.
Para concretizar este ponto de vista, se me permitem, vou contar uma
pequenina história: Diz-se que em Espanha, um rapaz com a aspiração de ser
toureiro, tinha resolvido estudar por um livro a arte de tourear. Parece que a
certa altura do livro se dava este esclarecimento ao estudante: Quando o boi
sai do curro costuma estacar, e nessa altura o toureiro observa: se ele mexe a
orelha esquerda o toureiro deve fugir para a direita, se ele mexe a orelha
direita o toureiro deve fugir para a esquerda.
O nosso homem estudou e sabia o livro de cor; resolveu então estrear-se na
lide. Sucedeu, porém, que o boi, ao sair do curro, mexeu as duas orelhas ... e
sucedeu também que ao fim de alguns segundos o nosso herói estava na
enfermaria.
Um amigo foi visitá-lo e perguntou-lhe:
- Pepe, que te pasa?
- Hombre, no estava previsto ...
No condicionamento industrial, se alguém se dispõe a exercê-lo apenas
confiado nas sugestões da lei ... é homem na enfermaria.
VI – A electrificação
A hora vai adiantada e quero só
dizer duas palavrinhas sobre o último capítulo da palestra, que se refere à
electrificação.
Não vale a pena falar muito sobre ele,
porque toda a gente sabe quanto se tem feito nestes últimos anos. É
indiscutível que houve um progresso considerável, que houve um programa intenso
de realizações, mas também é verdade que não atingimos ainda o nível de que
precisamos. Sobretudo, nota-se, naquilo que se tem feito, que nos temos
orientado principalmente no sentido da construção das grandes centrais, das
grandes linhas e das grandes subestações – mas não é só com isto que se faz
electrificação; é necessário haver ainda redes de alta e de baixa tensão.
Dá-se por outro lado a circunstância de
que só aquelas primeiras instalações são vistosas; as outras, as redes de alta
e baixa tensão, são uma coisa em que ninguém repara, mas são elementos
absolutamente imprescindíveis no programa de electrificação; e por isso,
rendendo as minhas homenagens àquilo que se tem feito no domínio da
electricidade, exprimo o voto de que essas redes não continuem esquecidas,
visto que elas são um elemento importante na difusão da electricidade.
Lembremo-nos de que, se chamarmos população servida à população das freguesias
em que existe uma rede pública, só 60% da população portuguesa é hoje servida;
e penso que nas outras, nas freguesias que não estão electrificadas, caberia,
com todo o direito, uma tabuleta a dizer – Aqui também é Portugal.
Este é, portanto, o reparo que pode
merecer a observação atenta e honesta do que se tem feito neste domínio.
Precisamos, evidentemente, de continuar
a desenvolver as grandes instalações hidroeléctricas, porque a situação natural
dum país não é a de que estejam os consumidores à espera de que se montem
centrais; a situação natural é a de que haja centrais com folga para servir os
consumidores que se apresentem – e nós não chegámos ainda a essa fase.
Precisamos, portanto, de continuar no
mesmo caminho de construir muitas centrais, muitas linhas, muitas subestações,
mas não devemos esquecer que há 40% de portugueses, vivendo na metrópole, que
ainda não têm uma rede de distribuição na sua terra.
Muita gente, quando fala do programa de
electrificação que tem sido cumprido, deixa a impressão de supor que é chegada
a oportunidade de limpar o suor da testa e descansar por 20 anos. Não é
verdade; aquilo que se tem feito é pouco e a velocidade com que tem sido feito
também não é ainda inteiramente satisfatória.
Há-de haver uns 15 anos, a nossa
produção específica por habitante andava na casa dos 60 kWh por ano; nessa
época a Espanha tinha 120 e os países do centro da Europa andavam pelos 400,
com excepção da Suíça que atingia quase os 1000. Nessa altura, a nossa
aspiração era chegar aos 120 – a paridade com a Espanha!
Passaram-se 15 anos ... No ano que
findou, em 1951, atingimos finalmente os invejados 120 kWh por habitante. Mas,
pobres de nós! Presentemente a Espanha já fugiu para cima dos 200, os do centro
da Europa estão quase todos a atingir os 1000, a Suíça já vai pelos 2000!
Isto dá ideia de que não temos andado
com aquela velocidade vertiginosa que alguns pensam que levamos; estes números
mostram que, afinal, continuamos a andar muito por baixo, sem termos melhorado
a nossa posição relativa.
Tenho dito.