A última conversa de Saldanha Sanches com o Diário Económico
Isabel Lucas
14/05/10 13:00
O medo de falar não é algo que se conjugue com o nome do fiscalista Saldanha Sanches . Aponta acusações em todas as direcções, polemiza, lança a discussão. À direita e à esquerda aponta pecadilhos ou grandes casos de corrupção. Sobre as eleições, este ex-mrpp diz algo tão surpreendente como o facto de considerar o programa de governo do CDS o melhor construído. Aderiu ao conforto do capitalismo, diz-se um privilegiado. (A conversa começa com Saldanha Sanches a tecer considerações sobre um livro) Este verão descobri um livro que me deixou deslumbrado. Qual? Um de um autor chileno, chamado Roberto Bolaño. "Detectives Selvagens"? Sim. Comprei em Madrid e li em espanhol durante as férias. Adorei. Imagino que poucos saberão desse seu gosto pela literatura. Sabem os meus amigos. Não ando para aí a dizer, porque quando me pedem para falar não é sobre literatura. Mas já fui a um programa do Francisco José Viegas para falar de livros e de romances. Lê muitos romances? Menos. Leio muito menos romances do que lia antes, mas ainda leio alguns, em férias e para adormecer. Agora esse espaço de leitura sem esforço e sem trabalho está mais na História do que nos romances. Até porque com a idade ficamos menos flexíveis e é-se menos sensível ao novo. Portanto não é fácil gostar-se de um autor que não se conheceu. Bolaño não é o Dostoievski, nem é o Tolstoi, nem é o Balzac. É um autor novo, mas aderi completamente. Falou do seu gosto pela literatura; já me tinha referido a sua paixão pela arte. É um comprador de arte? Não, não. Sou um comprador de arte em museus. Não compra? Devia comprar mas não compro porque os quadros que me povoam a cabeça são os Matisses, são os Mondrians, são os Kandinskys... Esses receio não os poder comprar tão cedo. Mas tem esperança. Tenho. Mais cinco milhões, menos cinco milhões (risos). Isso é uma crítica à facilidade com que se fala de milhões actualmente? Esses milhões são milhões míticos porque são mais dinheiro do que nós ganhamos a vida inteira. Mas o facto é que a riqueza produzida hoje é muito maior. Na verdade, o capitalismo, para usar expressões clássicas, mostrou nos últimos 50 anos uma capacidade para produzir riqueza que é inteiramente nova na História. Veja-se o apogeu na China. A China está com uma produção de riqueza completamente espantosa. A Inglaterra cresceu com uma taxa média de 3,5% ao ano e ao fim de cem anos era o dobro. A China está a crescer sete ou oito por cento e duplica todos os anos e com uma massa humana impensável até hoje. Mas mesmo no Ocidente houve um tremendo crescimento da riqueza e uma má distribuição dessa riqueza que foi o que aconteceu nos últimos vinte anos. Isto seguiu-se a uma produção equilibrada de riqueza durante os 30 anos pós-guerra, os 30 anos do keynesianismo, em que houve a preocupação de aumentar os salários reais, a expansão da classe média que cresceu e de repente tivemos as praias estragadas. Estragadas no bom sentido, porque de repente a classe média já não são dez, são cem. A Ericeira era óptima, mas começa a padecer de falta de espaço. É a democratização. São os males bons. É o mal da abundância, como é evidente, com as estradas cheias de carros. E essa classe média começa a crescer de uma forma espantosa. O bom capitalismo - e acho que essa questão é interessante - que é o que funciona, o capitalismo nórdico, mesmo o inglês no essencial, o francês, conseguiu ter taxas de crescimento de três, quatro por cento por ano e aumentar sempre a distribuição. É esse o sistema que defende para a economia portuguesa? O sistema tem de funcionar. Aliás, até responderia com uma coisa que dizíamos muito no tempo do marxismo, que é: "A prova do pudim é que se come". Continua a pensar da mesma maneira? Estas máximas ou marcas ficam. Não tenho nenhuma razão para as deitar fora ou para as negar. De facto essa ideia está certa. Aliás, o Marx foi um pensador fabuloso, mas a sua concretização foi a desgraça que se sabe. O socialismo como projecto é uma utopia e como aplicação é o fascismo e o estalinismo. Não achava isso nos tempos em que militava no MRPP, quando foi preso justamente por defender esses ideais? Achava que era um preço a pagar, não se sabe bem porquê. Esse era um preço que devia ser pago. Era o que pensava. Isso passava pela prisão, pela tortura. A gente pagaria aquele preço porque era necessário para mudar o mundo. Era um erro enorme. Como é que hoje olha esses anos em que acreditava que isso era o correcto? Primeiro é necessário ficar claro: era um erro enorme. Não se pode negar que se praticavam crimes em nome disso e nós com essa política conduzíamos a esses crimes. Primeira questão. Em segundo lugar, acho que estava a agir de boa fé, que estava a ser generoso e mal orientado. Não pensava em mim. Não era o meu bem-estar nem o meu interesse que contavam. Já tinha família nessa altura? Ainda não, felizmente. Tinha pais compreensivos que me apoiavam. Foram os seus pais que lhe incutiram o gosto pela política? Não. Os meus pais eram pessoas normais, liberais, não gostavam do Salazar, mas isso era o corrente naquela altura. Mas estava a falar do bom capitalismo, do capitalismo dos países escandinavos. Acha que é possível transpô-lo para cá? Nós cá temos um mau capitalismo. Hoje temos a crise que não tem nada a ver com isso, e que atingiu todos, ninguém escapou. Mas o nosso mau capitalismo tem um crescimento do produto muito baixo, meio por cento, e esse mau capitalismo... Hoje vimos aqui (numa conferência no CCB) Francisco Louçã enunciar alguns aspectos do pior do nosso capitalismo; mas para o Francisco Louça não há mau capitalismo. O capitalismo para ele é mau. Ponto. Acabou. A conclusão dele é que o capitalismo é mau em si. O PS e o CDS e o PSD, como são a expressão política desse mau capitalismo, não o podem denunciar. Isto é trágico. Os partidos com um programa que podia ser realista estão comprometidos com as piores formas de capitalismo. Aliás, para citar um homem do PSD, o Pacheco Pereira, são escolas do crime. Criam o crime. Não vale a pena tentar dizer mais. Quer dizer, nós não podemos ir a lado nenhum enquanto uma auto-estrada custar não 500, mas mil. Não podemos. Não há meios suficientes para fazer isso. Agora quem denuncia esse tipo de práticas são apenas aqueles que são contra o capitalismo. Ou seja, acha que não temos nenhuma força partidária que possa pôr em prática esse bom capitalismo de que fala? E que se revolte contra o mau capitalismo. Não temos. O PC denuncia o mau capitalismo de forma atabalhoada, o Francisco Louçã denuncia-o brilhantemente, mas ambos acham que o capitalismo nunca pode ser bom. Portanto, há que ser abatido porque não há bom capitalismo. Isso é uma tragédia. Partidos políticos que governem e podem governar não têm qualquer tentativa séria para acabar com a corrupção, para acabar com as disfunções que tornam o capitalismo em Portugal algo que não pode funcionar. Estamos a duas semanas das eleições e vêm aí muitas promessas... Mas isso é normal. É a venda. A democracia tem uma oferta, uma procura e tem a venda e quando eu vendo uma casa digo que a casa é boa. O grande problema é que das eleições vão sair partidos com as mesmas práticas de passividade perante a corrupção, de passividade perante os desvios básicos ao funcionamento da economia e vamos continuar com o chamado mau capitalismo e o mau capitalismo não permite o crescimento económico. É um pessimista nesta altura? Há fases. Não sou tão pessimista como isso. Há bocado, ao almoço, a falar com gente ligada às empresas, percebi que há empresas a funcionar magnificamente. Há empresas que inovam, que exportam, que concorrem. Estou a falar com alguém que é um defensor da iniciativa privada. Obviamente, com regras. Numa economia de mercado cumprem-se regras. Por exemplo, que regras faltam? Por exemplo, meter na cadeia os corruptos. Não é aceitável que alguém que saia do governo e que domina o Partido Socialista depois vá para uma empresa privada cujo principal objecto é fazer negócios com o Governo e com o Estado, mesmo que seja tudo feito com a maior clareza, há aqui uma suspeita e como é que se pode ultrapassar essa suspeita. O Dr. Jorge Coelho dominava o Parido Socialista. É capaz de ter excelentes qualidades como gestor. Aceito isso. Ele podia ter ido para uma empresa que se dedicasse à exportação, ou às obras públicas na Polónia, ou na República Checa, ou em Angola. Não tínhamos nada com isso. Mas ele está numa empresa que tem negócios importantíssimos com o Estado português. Ora quem é que está no poder? São os seus camaradas do PS. Dirimir esta suspeita é um trabalho de Hércules. Como é que é possível? E vamos supor que tudo corre de acordo com as regras, mas como é que nos libertamos da suspeita e como é que convencemos as pessoas comuns que tudo funcionou de acordo com as regras? Não quero discutir se são ou não cumpridas. Sei que é impossível convencer disso a pessoa comum. Enquanto eleitor... Estou indeciso como todos os outros Ainda não sabe em quem vai votar? Ah, se calhar depois de muito resmungar voto no PS. Se calhar... Mas... Porquê? Acha que é o mal menor? Sim, o Bloco tem uma posição muito radical; o PCP é mais anacrónico que a Sé de Braga. Não teme que lhe chamem um vendido ao sistema? Profissionalmente trabalho para grandes empresas, e não tenho vergonha nenhuma disso porque sempre joguei com a minha hipótese de competir no mercado e tenho tido algum sucesso. Não estou nada preocupado com isso. E a sua ambição é ganhar dinheiro para ter conforto, ou seja, começou a pensar em si a partir de certa altura. Foi quando voltei para a faculdade. Comecei a estudar e a ser bom aluno para ficar na faculdade. Aí comecei a pensar em mim. Tenho esse direito, depois de pensar nos outros. Até veio numa fase boa, nos meus trinta anos, a família, o casamento, depois uma filha, obriga-nos a ser egoístas, a ter algum egoísmo. É um egoísmo puro. Mas procuro contribuir para obras filantrópicas, acho que tenho esse dever; não faço trabalho de voluntariado por preguiça. Que causas o sensibilizam? Por exemplo, ajudo uma obra que trabalha nas cadeias. Porque aquela gente que está na cadeia é a que está mesmo na parte de baixo da sociedade, embora disfarce isso, aquela miséria humana. E há rapazes que trabalham com eles e procuram reabilitá-los. Acho que isso é uma coisa positiva. Diz que não faz voluntariado por preguiça? Sim, mas acho admirável que haja pessoas aí na rua a distribuir pratos de sopa aos sem-abrigo. Acho isso admirável. Trabalho voluntário gratuito. As pessoas fazem isso por amor ao próximo e isso acontece e ainda bem que o homem também tem coisas muito boas. O que gosta de fazer nesse tempo de preguiça? Ler, ler, ler. Confesso que vejo pouca televisão e há excelentes programas que eu perco. Mas acima de tudo, ler. Deitar-me ao comprido no sofá e ler um bom livro de História é uma coisa que eu adoro. Não via o jornal de sexta da TVI? Às vezes via, mas aquilo era um bocadinho deprimente. Não é agradável ver um sujeito que fala inglês chamar corrupto ao nosso primeiro-ministro. Estou a falar daquela cassete que vi na TVI em que um senhor dizia: "Ele é corrupto, ele é corrupto". Acho isso bastante mais grave do que a selecção nacional perder, que não me afecta absolutamente nada. O resto sim. De repente somos atingidos enquanto país. Evidentemente que aqui há duas questões. Se é verdade, é gravíssimo. Se não é verdade e o nosso primeiro-ministro está tão desprotegido que isso pode ser dito na TVI, também é gravíssimo. De maneira que qualquer das situações me deixa deprimido. Se é verdade é mau. Se não é verdade é mau. O facto é que de tantas acusações que passaram por aquele telejornal não resultou nenhuma queixa. Não há um processo. Não e o mais lógico perante aquelas acusações é uma suspensão do programa. É verdade? Não sei. Há má consciência? Não é verdade? 'A' está inocente e 'B' que é próximo de 'A' é culpado e, portanto, 'A' não pode reagir quando devia reagir? Não sei qual é a verdade, mas em qualquer hipótese que ponha A ser culpado, A ser inocente, A não sei o quê; em qualquer dessas hipóteses que ponha, como aquilo é dito e aparece alguém a insultar o seu primeiro-ministro, é uma coisa gravíssima. Eu fiquei completamente dividido. E como é que comenta a reacção do primeiro-ministro? A reacção foi má. O fim do programa é pior ainda, mas devia haver uma qualquer resposta judicial a isso. (Pausa para um telefonema onde lhe pedem para escrever um artigo para um jornal) Noutro dia, pediam-me para responder a umas perguntas por email. Eu disse que sim. E do outro lado a jornalista disse-me para não escrever mais de sete mil caracteres. E eu disse: "Mas eu nunca iria escrever isso, só se estivesse bêbado". Agora ia passar um dia a escrever?! (Risos) Escrever não é assim uma coisa que me divirta, como ler, por exemplo. A escrita não lhe dá prazer? Dá, mas é um prazer duro. Correr é um prazer. Mas é um prazer duro. Ir ao ginásio é um prazer duro. Estou a forçar-me. Beber uma cerveja é um prazer mole. Uma pessoa está aqui a beber uma cerveja e a conversar e está descontraída. O trabalho tem um certo conteúdo de prazer, mas o prazer só vem através da disciplina. É disciplinado? Sou persistente, mais do que disciplinado. Em muitas horas lá vai acontecendo alguma coisa. Mas perco muito tempo também. E produzo sobretudo de manhã e à tarde. À noite raramente trabalho. Mas retomando o episódio TVI... Eu via, mas... lá em casa vemos os telejornais ao jantar, tanto eu como a minha mulher [Maria José Morgado] e trocamos impressões sobre as coisas. Vocês são um casal com muitas questões que se tocam profissionalmente. Não tocam não, nem se devem tocar. Nunca dou pareceres que metam questões-crime. Primeiro porque não sei, depois porque não devo. Há uma completa separação. Não era aceitável que eu viesse em quaisquer processos que acabassem por exemplo no DIAP. Estou a falar de um caso muito concreto, quando a sua mulher mandou inspeccionar as finanças da câmara e o senhor era mandatário de António Costa nessa área. Eu achei muito bem e o António Costa também não achou mau de todo. Primeiro eu nunca tive nada que ver com a Câmara. Fiz as contas que foram entregues, fiscalizadas e aprovadas sem nenhum reparo. Foi tudo de acordo com as regras. Ela mandou investigar a corrupção da Câmara e eu aí não tenho nada a ver com a câmara. Havia uma coisa ligeiramente incómoda: as pessoas pensarem que ela ia investigar apenas o PSD e fechar os olhos a coisas do PS. Onde o senhor estava. Onde eu estava. Ora a corrupção na Câmara é uma corrupção gémea. PS e PSD competem alegremente a ver quem é mais corrupto. Como naquele caso das casas, que foi dos poucos resultados daquela investigação, porque, como diz a Dra Paula Teixeira da Cruz, a corrupção da Câmara é corrupção pura. É tanta corrupção que se perde o fio ao tentar encontrar a ponta. Ela viu isso muito bem e tem toda a razão nisso. E como isso acontece na prática. Não conseguiram apurar quase nada. O que apanharam foi aquilo das casas e nisso estavam envolvidos o PS e o PSD, como era lógico. São parceiros de corrupção. Só se for no BPN, que era só PSD. Há um centrão na corrupção? É normal. As pessoas aliam-se para poderem estar sempre seguras em relação a qualquer Governo. Denunciou não há muito tempo a corrupção que existe nas autarquias mais pequenas, dizendo mesmo haver uma promiscuidade entre as autarquias e o Ministério Público. É uma coisa horrível, horrível. Em Lisboa isso não acontece porque é uma cidade grande e não há relação entre uma coisa e outra, agora a pequena corrupção das câmaras... mas isso eu estou a dizer o que toda agente diz. Os autarcas costumam protestar quando eu digo isto. Mas denunciar a corrupção é uma questão política. Quando diz que existe essa corrupção baseia-se em quê? Falo com as pessoas. Mas uma coisa é saber que há corrupção, outra coisa é provar que há corrupção. A prova é muito difícil, basta olhar para o Código de Processo Penal. Por exemplo, se eu levar umas escutas, se for disfarçado com óculos escuros e um bigode e dizer ao fiscal eu quero fazer uma casa em local x; depois o fiscal diz que não pode e eu tiro o dinheiro do bolso e ele aceita o dinheiro e eu gravo isso tudo: não é prova. Como é que eu provo? Imagine: você está a fazer obras e o fiscal diz: "Ah Ah! Obras!, Muito bem. Ou me dá x ou isto é tudo embargado; e você grava essa conversa com o fiscal: não serve de prova. Vai denunciar o fiscal, arranja um rico sarilho, acaba arguida do Ministério Público. Experimente! Eles não podem provar em relação ao fiscal da obra e põe-na a si como arguida. Ela não provou. Veio buscar outro tema que está na ordem do dia, que são as escutas. Isso é folclore. Folclore de Verão e do mais baixo. É como o monstro de Lochness. As escutas só são importantes para os mafiosos que têm os seus assuntos a tratar e acabam sempre a falar ao telefone de coisas que são crimes. Metade ou dois terços das conversas deles são crimes. Portanto, são apanhados nas escutas. O resto das escutas não têm importância nenhuma. Só para os muito corruptos. Para que é que o Presidente da República precisa de escutas? Isso é ridículo, idiota. Nem vale a pena falar disso. E já que estamos a falar do Presidente da República, como é que classifica a atitude dele em todo este processo? O Presidente da República, Cavaco Silva, tem um pequeno problema. As suas excelentes relações com o Dr. Oliveira e Costa que está na cadeia. São problemas muito sérios. Significa que está muito condicionado, porque quando se é amigo do Dr. Oliveira e Costa e se tem relações próximas com ele, temos aqui problemas. Não sei quais, não sei o que é que isso pode dar, mas penso que ele tentou uma posição clara sobre a corrupção, mas hoje tem mais dificuldades. Aliás, penso que ele é uma pessoa que, do ponto de vista daquilo que pensa, da sua posição no mundo, não gosta da corrupção nem dos corruptos, mas... É preciso que as obras correspondam aos sentimentos e às vezes não correspondem. É desagradável ter aquela relação com o Dr. Oliveira e Costa e é desagradável ser cliente do BPN e comprar acções do BPN porque ele é uma pessoa bem informada e sabia que o BPN tinha há muitos anos práticas muito, muito, discutíveis. E portanto, a única coisa que se esperava de alguém que tem ambições políticas e que procura ser honesto... Se fosse o senhor que tivesse este seu amigo? Tinha o cuidado de o ver o menos possível. E não ter negócios com ele. Tinha de manter as distâncias. Ter negócios com eles é um caminho muito perigoso. O senhor e a sua mulher costumam falar destas coisas lá em casa? Às vezes. Quando os processos acabam. Quando ela fez a acusação ao Jardim Gonçalves e ela se tornou pública, queria que eu a lesse e eu disse-lhe: "Tenho mais que fazer. Tenho processos muito mais complicados no meu ramo". Ela insistiu: "Vê o que tu achas." "Tá bem." Passei os olhos. Acho que está boa, está boa... Há uns tempos disse que o presidente do Banco de Portugal se devia demitir. Continua a ter a mesma opinião? Claro. Ele devia ter escapado àquele terrível vexame de ser inquirido na Assembleia da República em que só o apoio da maioria o livrou de ficar ainda mais exposto. Não costumo ser grande simpatizante do CDS, mas o trabalho que o Nuno Melo fez e os documentos que revelou foram esmagadores. É evidente que isto tem uma explicação. Uma explicação clara. O Vítor Constâncio é uma pessoa competente e honesta. Digo isto por intuição. Em relação à sua competência, só alguém mais fanático a pode negar, mas o BPN construiu um poderosíssimo 'lobby' político, com base no PSD. E o Dr. Dias Loureiro era um potentado politicamente. Aliás, a sua relação com o presidente Cavaco Silva foi até aos últimos dias. Sobreviveu no Conselho de Estado para lá de toda a lógica possível. E portanto penso e é a minha análise que o Dr Vítor Constâncio não teve coragem para enfrentar esse 'lobby'. Agora está agarrado ao poder. Na altura não era isso. Mas acho que é um lugar que ele faz muito bem. Acho que os seus estudos económicos são exemplares. Acontece que ele tem outro trabalho mais importante, e esse exige coragem. O regulador tem de ser alguém que está disposto a enfrentar os poderosos. Fazer-lhes frente, não recuar e ele não foi capaz. Está bem que os poderosos eram muito poderosos. Também se fossem fracos não tinha grande mérito. Como é que vê o facto de não ter sido decretada prisão preventiva a nenhum deles a não ser a Oliveira e Costa? É essa a função principal do nosso Processo Penal: proteger essa gente. Agora está a ser sarcástico. Não, não. Estou a ser rigoroso. Está construído de forma que o objectivo do Código é a protecção dessa gente. É um código viciado? Completamente viciado. É um código que nos envergonha pelos resultados. Essa impunidade que o código garante é uma coisa que nos envergonha. O caso Madoff em Portugal seria impossível, mesmo que alguém resolvesse confessar tudo, e nunca o faria. Na América as pessoas confessam porque as consequências da não confissão são muito duras e apesar de tudo o menos mau é confessar. Em Portugal não são duras, mas mesmo que se confessasse o processo não duraria dois ou três meses. Duraria sempre muito mais, mesmo com o máximo de zelo do Ministério Público. Temos um Código do Processo Penal que é feito para proteger esse tipo de delinquência. Até protege em parte a outra delinquência, mas essa então, do colarinho branco, está totalmente protegida. Não me admiraria ver o Dr. Oliveira e Costa acabar absolvido. Não ficaria particularmente admirado. Sem falar no Dr. Jardim Gonçalves, que o mais provável é vir a ser absolvido. Estava há pouco a falar de futebol. É um dos meus ódios de estimação. Acho degradante a tentativa que fazem os políticos de se pendurarem ao futebol para obterem popularidade. Mas aí não está a falar do futebol/jogo. O futebol é um belo jogo. Posso olhar para um jogo de futebol e gostar, se não me der para outra coisa qualquer. Tem clube? Não. Nenhum, desde criança. Em jovem era do Belenenses. Tinha 14 anos e ia ali ao estádio do Restelo. Depois deixei de ter clube e nunca mais gostei de futebol. O espectáculo pode ser bonito. Mas a tribo do futebol é do pior que existe neste país. Aliás, é no futebol que se verifica a articulação entre a economia paralela e a classe política. O futebol é das coisas mais perversas, zona criminógena e cheia de corrupção que temos neste país. Haverá clubes piores que outros, mas as regras são essas e nenhum escapa. Diz que se dá mal com mapas. Gosta de viajar? Vou a muitos poucos sítios. Fico-me por Veneza ou por Roma, Paris, Londres. Países tropicais, odeio. Não gosto. Quando vou ao Brasil a um congresso fico quase deprimido. Porque desordem e confusão temos cá muita. Gosto da grande escultura, da grande arquitectura, da grande pintura, das grandes livrarias e não vejo isso no Rio de Janeiro. Só vejo miséria e confusão e praias temos pr'aí à ganância. Estou há muitos anos para voltar à Grécia, que tem aquela confusão idêntica à nossa. Gosto de tomar um banho no mar gelado. Gosto disso. Na Ericeira, por exemplo, que é uma praia para masoquistas.
1 comentário:
Enfadonho.
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