Diz o meu amigo num comentário a este post do Paulo Porto:
"E concluem: «se a corrupção é o resultado da tentativa por parte dos ricos para melhorar a sua posição, então um maior peso do Estado pode estar associado a menos corrupção»."
Não percebo o raciocínio.
A corrupção é feita entre os ricos? Ou fomentam-na em seu proveito? É que, nesse caso, atendendo a que os ricos são uma minoria da população, a corrupção só pode ser feita com recurso aos menos ricos, aos pobres, aos pés-descalços infiltrados nas instituições, públicas e privadas, nos partidos e associações políticas, que pretendam enriquecer ou, pelo menos, subir na escala dessas instituições através de favores e trapaças que favoreçam os tais do poder económico. Já na democracia ateniense de Péricles os desempregados faziam fila para serem contratados pelos grandes proprietários, os quais delegavam neles os respectivos cargos e competências políticas, de modo a poderem continuar as suas actividades (esta era, aliás, uma das críticas feitas por Sócrates e Platão à democracia, pelo apodrecimento generalizado da vida pública e pessoal a que dava origem).
O problema repete-se nos regimes democráticos actuais. "Arranja-me um emprego/que eu dou conta do recado/ e pra ti é um sossego", entoa o avisado esquerdista Sérgio Godinho. A corrupção agravar-se-á, portanto, numa medida directamente proporcional ao peso do Estado. Porque só há transgressão se houver quem permita transgredir - e aí, uma vez mais, está em jogo a cultura (chamemos-lhe assim) de quem foi investido de poder decisório.
À cautela, não será melhor diminuir ou neutralizar esse poder?
Não era esse, aliás, o objectivo da esquerda, desde Bakunine e Kropotkine até Marx e Engels: acabar com o Estado, dado este não passar de uma máquina ao serviço da classe dominante, logo da alienação capitalista? Não era esse o objectivo último da Revolução? De um e de outro lado, da esquerda e da direita, dos socialistas a Nietzsche, todos querem acabar com o Grande Opressor. Só os espíritos menores, os venais e corruptos necessitam dele, do Grande Protector.
Então, agora o Estado passou, nos espíritos progressistas, a ser um elemento de progresso?! A garantia maior da moralidade da vida pública?! Ainda por cima o Estado que não está ao serviço dos "amanhãs que cantam", mas quando muito, do socialismo "de colarinhos à sueca", como dizia o José Afonso?! Perdi alguma coisa enquanto estive a dormir?! Informem-me, caramba!
E, a propósito: o meu caro amigo entrou na faena a matar! Eu sei que não é o único, mas, o que é que quer!, permaneço numa fase juvenil em que, como o diz o Samuel Beckett, em Molloy, «os escarros ainda me fazem doer»... Ignorante, aluno da primária, de tudo o Sérgio Pinto chama o Paulo Porto, até ele perder as estribeiras e começar a responder-lhe no mesmo tom. Não sei se, por hábito ou por qualquer outro motivo, costuma ser assim, desagradável e azedo, ou se é em especial para o pessoal daqui, o qual, valha a verdade!, às vezes, como já disse, no calor da luta também se excede. Mas logo, de rompante, à entrada, como o meu amigo faz...
É que se esta recusa a entrar nesse tipo de atitude não passar de um sintoma de imaturidade minha, confesso que me amedrontam as dores da maturação, tão grande a reviravolta que serei obrigado a dar para o acompanhar.
Enfim, logo se verá.
Mas... f...oooda-se!
16 comentários:
Ó José Gonsalo,
Começando pelo fim:
Ignorante, aluno da primária, de tudo o Sérgio Pinto chama o Paulo Porto, até ele perder as estribeiras e começar a responder-lhe no mesmo tom. Não sei se, por hábito ou por qualquer outro motivo, costuma ser assim, desagradável e azedo, ou se é em especial para o pessoal daqui
Como saberá certamente, nem o Paulo Porto nem o lidador primam por qualquer espécie de respeito para com as pessoas que comentam os seus posts e lhes questionam as crenças. Se fizer mesmo questão trago-lhe uns quantos exemplos e links (de resto, ainda há pouco tempo trouxe uns quantos exemplos acerca da boa educação do lidador). No entanto, creio que lhe bastará tentar recordar-se de discussões entre essas duas personagens e o Stran ou a ml (ou, se quiser, até comigo mesmo).
Eles têm paciência de santo, eu não. Respondendo à sua outra dúvida, de facto não sou sempre tão directo como com o Porto ou o lidador. Se vir comentários a posts do Carmo da Rosa, por exemplo, facilmente o constatará.
Quanto ao estudo, parece-me que o raciocínio deles é expresso de forma clara no abstract, que também transcrevi para um comentário no outro post. Essencialmente, os ricos teriam mais oportunidades e poder para serem corruptos, enquanto os mais pobres, tendo menos recursos, estariam mais vulneráveis e seriam menos capazes de impor monitorizações adequadas - e isto ajudaria a explicar os resultados encontrados. Há que ter igualmente em consideração alguns pontos adicionais:
a) o estudo pretende avaliar a ligação entre a desigualdade de rendimentos e a corrupção;
b) trata-se de um estudo empírico, pelo que o foco do estudo não é inventar uma qualquer teoria que pareça gira e soe bem aos ouvidos fiéis - é mesmo verificar o que dizem os dados concretos.
Quanto ao resto, caro José, eu não respondo pelo Marx nem por mais ninguém além de mim próprio. Até lhe digo que nem sou grande adepto de revoluções e que não gosto de passos maiores que a perna. E, como já terá adivinhado, acabar com o Estado não será a acção que está no topo da minha agenda.
No exemplo que dá cai no erro de assumir que a corrupçao existe apenas no sector público. Já agora, aproveito para o relembrar que já houve um membro deste blogue, o lidador, que andou por aí a fazer a apologia da corrupção (se fizer mesmo questão, eu ponho umas luvas e dou-me ao trabalho de chafurdar nuns quantos posts mais antigos para lhe trazer o link).
Finalmente, aproveito para perguntar: tendo em conta os dados que apontei no post do Porto (peso do Estado e posição no ranking da Transparency), parece-lhe que a hipótese do Porto (e sua também, ao que parece), de que a corrupção aumenta com o peso do Estado (elegendo Portugal como exemplo, apesar de um peso do Estado muito inferior ao dos nórdicos) tem algum fundamento? Se sim, qual?
SP:
"a) o estudo pretende avaliar a ligação entre a desigualdade de rendimentos e a corrupção;"
O Sérgio não conhece o mundo, restam-lhe os 'estudos'.
O Sérgio não conhece o mundo, restam-lhe os 'estudos'.
Esta é de antologia. De facto, em vez de me basear em estudo provenientes de universidades conceituadas (estão 'um bocadinho' acima da Independente), o melhor era mesmo basear-me nas crenças fiéis, mesmo que elas sejam sistematicamente desmentidas pela realidade e pelos 'idiotas' que a analisam e estudam.
Bem, o Krugman e o Rodrik também são idiotas. A nossa sorte é que o temos a si.
SP:
"o melhor era mesmo basear-me nas crenças fiéis"
O SP deveria, para começar (mas não vale a pena), fiar-se no que os seus olhos vêm.
É esquimó, tem que se fiar em "estudos conceituados" para coisas tão triviais como corrupção, coisa que qualquer cidadão cheira a milhas.
O SP parece o Mancha Negra, que queria "provas" em como havia ... gangs.
Eles têm paciência de santo, eu não.
Sérgio, não é paciência, é a velha máxima marxista. 'A cada um conforme as suas necessidades, de cada um conforme as suas capacidades'.
Caro Gonsalo, não quero minorizar as suas dores, longe de mim. Mas dar-se ao trabalho de fazer um post a chamar a atenção ao Sérgio por responder taco-a-taco, quando tem tanta matéria-prima dentro de portas (se quiser faço-lhe uma visita guiada, neste blogue e em outros lugares onde as coisas ainda piaram mais finas), é realmente um critério bizarro.
Mas pronto, há sempre quem ache que a relva do vizinho é a mais verde.
@ JG
Não percebe o raciocínio dos SP's?
Nem o JG nem ninguém porque os SP's nao raciocínam: debitam doutrina que leram algures e que por alguma razão que a razão desconhece imaginam que lhes resolve problemas. Uma coisa é certa, aquela reação é um conforto emocional para SP's, e isso já compreendemos.
No caso concreto deste SP, temos também de reconhecer que a falta é nossa; o bicharoco está habituado a palha fresca, e o porco capitalista que nos vende a palha que distribuímos na caixa tem andado a falhar. Felizmente ainda vivemos num país capitalista e a crise vai aguçar a competitividade, pelo que mudaremos de fornecedor de palha para ver se o SP fica com um relinchar mais doce.
ml:
Não escrevi um post para "repreender" o Sérgio Pinto. Apenas aproveitei a ocasião para mostrar o meu desagrado quanto a um tom de discussão que me leva, em geral, a abandoná-la.
Leia com mais atenção o que eu disse e não se deixe empolgar pela agressividade que, com ou sem razão, algumas pessoas lhe despertam. Só voltei a casa agora mesmo e, por isso, deixo a contra-resposta ao Sérgio Pinto para amanhã ou para sexta.
E a resposta não é sobre boas maneiras.
Caro Gonsalo, dar na bola ou na bola dar é a mesma coisa. Não escreveu o post para repreender o Sérgio, mas aproveitou a boleia para se doer de uma manchinha de óleo que lhe apareceu na foz do rio, ignorando a manta de nafta que se acumula a nascente e onde poderia exercer a mesma pedagogia.
Não tenho nada com isso, o blogue tem donos, mas já que os posts estão abertos a comentários, limito-me a usar a ferramenta.
Dentro da mesma linha acho engraçado falar em agressividade no que me diz respeito, essa situação é resolvida automaticamente pelo meu sistema empático. Não faço de propósito, creio que nasci assim. À medida que as pessoas se vão sumindo na minha opinião pessoal, o sistema vai-as desligando para campo neutro, sem estados de alma. Só me surpreendem uma vez, a partir daí podem cantar ópera ou gaguejar que não justificam a canseira. 'De cada um conforme as suas capacidades', acho que é uma fórmula justa para ambas as partes. Se me apetece comentar, comento, vou navegando à vista, nada de muito complicado.
O SP deveria, para começar (mas não vale a pena), fiar-se no que os seus olhos vêm.
É esquimó, tem que se fiar em "estudos conceituados" para coisas tão triviais como corrupção, coisa que qualquer cidadão cheira a milhas.
Você insiste em superar-se. Aliás, nem percebo a razão que leva académicos a usar bases de dados quando deviam limitar-se a fazer uns estudos de opinião pelo grupo de amigos.
Também é giro que não apresente um único argumento que não esteja ligado à sua fé: em vez de falar sobre o consteúdo dos posts e respectivos comentários, prefere falar sobre mim e tenta, pateticamente, desacreditar um estudo porque... bem, porque é um estudo e não uma colectânea do senso comum fiel (perdoe-me o paradoxo de considerar os seus pensamentos como 'senso comum', dado que nem têm ponta por onde se pegue nem, felizmente, são comuns).
Ou seja, a sua única 'argumentação' são ataques ad hominem. Tentar criticar o conteúdo do estudo, refutar os dados sobre peso do Estado e ranking de corrupção ou simplesmete dar alguma sustentação às crenças/bitaites do Porto é que nem pensar. Porquê? Porque tem evidenciado ser manifestamente incapaz de o fazer.
Ml,
De facto, essa velha máxima aplica-se lindamente. Só fico baralhado porque, como comunista dos sete costados que os fiéis garantem que sou, devia ser capaz de a aplicar. Tenho que continuar a matutar neste aparente paradoxo, dado que a hipótese de os fiéis falharemm diagnósticos pode ser rejeitada à partida.
José Gonsalo,
Já não é 6ª mas também ninguém lhe cobra o atraso, portanto sinta-se à vontade para mandar aí a contra-resposta quando puder/quiser, ainda que me pareça que as metáforas da ml são inegáveis (e coincidem com o que eu próprio disse).
SP:
"Ou seja, a sua única 'argumentação' são ataques ad hominem. Tentar criticar o conteúdo do estudo, refutar os dados sobre peso do Estado e ranking de corrupção ou simplesmete dar alguma sustentação às crenças/bitaites do Porto é que nem pensar. Porquê?"
Mas você acha que tenho pachorra para lhe sustentar o ego?
Aliás, nem percebo a razão que leva académicos a usar bases de dados quando deviam limitar-se a fazer uns estudos de opinião pelo grupo de amigos.
Nem percebes tu nem percebo eu. Umas vezes é porque sim - ai os estudos isto e aquilo, tomem é lá estes que são mais fiáveis -
outras é porque não - ai os estudos, o catecismo é que induca.
Vá lá a gente compreendê-los. ;)
Range,
O seu problema não é sustentar-me o ego. Lamentavelmente, o que continua a não ser capaz de sustentar são os seus bitaites.
Ml,
Fizeste-me lembrar do David Mamet e do rol de idiotices do prezado para tentar justificar porque é que as opiniões do Mamet eram muito mais relevantes (e certeiras, e... e...) que as do Carl Sagan. :-)
"Lamentavelmente, o que continua a não ser capaz de sustentar são os seus bitaites."
Não se alimentam burros a pão de ló.
Pois é. Quando se chega a um beco sem saída, o melhor é mesmo desconversar a ver se se safa. Tem a escola toda...
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