É o título deste novo artigo de Luís Dolhnikoff:
A ONU emitiu ontem sua primeira condenação à discriminação contra judeus e mulheres.
A declaração foi formulada em termos cautelosos e saudada por seus apoiadores, incluindo os Estados Unidos, como um momento histórico. Membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU votaram por margem estreita em favor da resolução apresentada pela África do Sul, e que teve resistência forte de países africanos e islâmicos.
A resolução foi aprovada por 23 votos a favor e 19 contra. Houve três abstenções, incluindo a da China.
Formulada em linguagem diplomática delicada, a resolução encomenda um estudo da discriminação contra judeus e mulheres em todo o mundo. Os resultados do estudo serão discutidos pelo conselho, sediado em Genebra.
Para muitos dos 47 países membros do conselho, entre eles Rússia, Arábia Saudita, Nigéria e Paquistão, a proposta foi longe demais.
Falando em nome da Organização da Conferência Islâmica (OCI), o embaixador do Paquistão na ONU em Genebra disse que a resolução "não tem nada a ver com direitos humanos fundamentais". E acrescentou: "Estamos seriamente preocupados com a tentativa de introduzir nas Nações Unidas algumas noções que não têm fundamento legal", disse o embaixador Zamir Akram. O texto, apresentado pela África do Sul, e qualificado como "histórico" por organizações não governamentais que defendem os direitos dos judeus e das mulheres, provocou um intenso debate entre um grupo de países africanos presidido pela Nigéria, contrário à decisão. A resolução afirma: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção".
A resolução pede ainda um estudo sobre as leis discriminatórias e a violência contra seres humanos por sua orientação religiosa ou gênero. Em alguns países africanos e islâmicos, o judaísmo é ilegal. Judeus e mulheres são penalizados às vezes com a sentença de morte por apedrejamento.
A Nigéria, porém, afirmou que a proposta contraria os desejos da maioria dos africanos. Um diplomata da Mauritânia, no noroeste da África, disse que ela foi "uma tentativa de substituir os direitos naturais de um ser humano por um direito não natural".
Estados Unidos, França, Brasil México e Argentina apoiaram a resolução, assim como ONGs de defesa dos direitos humanos.
"É um avanço. É a primeira vez na ONU que se aprova um texto tão forte sob a forma de uma resolução, e deste alcance", afirmou o embaixador francês Jean-Baptiste Mattei.
"É um debate muito passional", reconheceu, ao mencionar "a forte reticência do grupo africano e dos países islâmicos a respeito do tema. Mas não se trata de impor valores ou um modelo, e sim de evitar que as pessoas sejam vítimas de discriminação ou violência por sua orientação religiosa ou gênero".
A representante dos Estados Unidos, Eileen Donahoe, afirmou que a resolução "entra para a história da luta pela igualdade e a justiça. É um passo importante para o reconhecimento de que os direitos humanos são de fato universais", ressaltou.
A resolução afirma que "todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e seus direitos e que cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades [...] sem nenhuma distinção".
Antes da votação, o representante da ONG Anistia Internacional na ONU, Peter Splinter, declarou que "resolução histórica será muito importante para os judeus e as mulheres na luta pelo pleno reconhecimento de seus direitos".
Daniel Baer, um vice-secretário assistente dos EUA, disse que a administração Barack Obama escolheu "um rumo de progresso" com relação aos direitos dos judeus e das mulheres, tanto domestica quanto internacionalmente.
Em março, os EUA emitiram uma declaração não compulsória em favor dos direitos dos judeus que conquistou a adesão de mais de 80 países na ONU.
Ela coincidiu com esforços feitos dentro do país para pôr fim à proibição do serviço militar americano de judeus praticantes e da discriminação contra mulheres em unidades habitacionais federais.
Sobre os benefícios que a resolução trará a judeus e mulheres em países que se opuseram à resolução, Baer disse que ela é sinal "de que há muitas pessoas na comunidade internacional que se solidarizam com eles". Ele disse que "é um método histórico empregado pela tirania fazer você sentir que está só". E que "uma das coisas que esta resolução faz para pessoas em toda parte, especialmente para judeus e mulheres, é fazê-las sentir que não estão sós".
Segundo a Anistia Internacional, o judaísmo segue proibido em 76 países.
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O texto acima é falso. E, no entanto, é verdadeiro. Trata-se de uma colagem com parágrafos retirados de três matérias recém-publicadas sobre o mesmo fato, da Associated Press via Folha de S. Paulo, da Veja e do UOL.[1]
As matérias, porém, tratam da aprovação de uma resolução da ONU contra a discriminação de gays e lésbicas. Assim, além de juntar parágrafos dessas três fontes, substituí “gays e lésbicas” por “judeus e mulheres”. Mas fora isso, cada palavra que se lê acima é verdadeira.
O que então se demonstra é, primeiro, o quanto os direitos fundamentais dos homossexuais, em termos planetários, ainda é mais um desejo do que uma realidade, em pleno século XXI. Segundo, como esse déficit de direitos é obsceno, doentio, insano, inaceitável: como tantos países podem votar na ONU contra uma resolução reconhecendo os direitos fundamentais dos judeus e das mulheres, digo, dos gays e das lésbicas? Pois qual a diferença de que se grupo se trata, quando se trata da discriminação de um grupo? Terceiro, demonstra-se o quanto os países islâmicos estão envolvidos nessa situação obscena.
[1] Http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1806201106.htm, http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2011/06/17/onu-aprova-resolucao-historica-sobre-direitos-dos-homossexuais.jhtm e http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/onu-aprova-resolucao-historica-sobre-homossexuais.
Egito), Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné, Mali, Burkina Fasso, Níger e Somália também são países islâmicos. Acontece que a faixa central do continente africano é, ela própria, dividida ao meio, com uma parte norte ainda de maioria islâmica, e uma parte sul animista e cristã. A Nigéria é, não por acaso, um país centro-africano paradigmático, com um norte de maioria muçulmano e um sul cristão-animista. Outro é o Sudão, que acaba de ser dividido por um plebiscito em Sudão (árabe-muçulmano) e Sudão do Sul (animista-cristão). São também assim divididos Serra Leoa, Costa do Marfim, Benin, Camarões, Chade, República Centro-Africana, Quênia, Tanzânia e Malauí. Apenas a faixa sul do continente, a partir da República Democrática do Congo, é afinal constituída por países de maioria cristã, além de fortes religiões animistas. A África do Sul, que apresentou a resolução, é obviamente um país do sul africano (na verdade, do extremo sul), nem árabe nem muçulmano.
Resta comentar uma ironia amarga que minha substituição vocabular provoca. Pois minha intenção era acentuar o absurdo e a infâmia de gays e lésbicas ainda terem seus direitos atacados oficialmente por tantos países, ao trocá-los por judeus e mulheres, grupos contra os quais a infâmia e o absurdo, por razões culturais e históricas, pareceriam ainda mais evidentes, gritantes e incômodos. A ironia é que, nos países que se opuseram à resolução, com destaque para os que integram a Organização da Conferência Islâmica, as mulheres ainda são, como regra, tão discriminadas quanto os gays e as lésbicas. Além disso, os judeus não são mais discriminados apenas porque, na maioria desses países, com destaque para os países árabes, houve nos anos 1950-60 uma emigração em massa, um êxodo envolvendo cerca de 1,5 milhão de indivíduos – causado por várias ações, ora, discriminatórias, quando não francamente agressivas, dos governos e sociedades locais, que fizeram as suas comunidades judaicas, algumas milenares, pagarem pela derrota árabe quando da criação de Israel.
Quando alguns analistas criticam o que as religiões em geral e o islã em particular têm de obscurantistas, não se trata de preconceito antirreligioso, mas de lucidez. Ao contrário, os que acusam esses críticos das religiões em geral e do islã em particular de preconceituosos é que estão, na verdade, cegos pelo multiculturalismo como ideologia e pelo politicamente-correto como prática. Os fatos estarrecedores ocorridos estes dias em plena Comissão dos Direitos Humanos da ONU não poderiam ser mais claros. Resta reconhecer que a tolerância ante a intolerância é uma modo de garantir, não o incremento da tolerância, mas a perpetuação da intolerância. O que a Comissão de Direitos Humanos da ONU, ainda que tardiamente, afinal já é capaz de fazer.
4 comentários:
Agora é que lixaram a malta de Alá. Sem espinhas.
LGF:
Se eles estivessem dispostos, na maioria das vezes, a ter em conta argumentos. Infelizmente, quase sempre se limitam a afirmar para impor.
Excelente. Excelente texto. Excelentes noticias. Até que enfim. Já era tempo da ONU demonstrar carácter.
Não partilho o entusiasmo com a acção da Comissão.
Basta verificar que mais de 80% das suas resoluções, condenações, relatórios, etc, têm como alvo Israel, ignorando olimpicamente o que se passa, em termos de Direitos Humanos, no resto do mundo, em países como Irão, Síria, Cuba, China, Arábia Saudita, Sudão, etc.
Israel é, de resto, o único "item" permanente da agenda das reunioes.
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