Alberto Gonçalves, a 13 de Maio, no DN:
Enquanto obedece à tradição local e enche a boca de fanfarra
nacionalista para falar de "la France", François Hollande gosta de se
proclamar "um homem normal". A imprensa, por lá e por cá, gostou do
auto-retrato e, decerto para evitar canseiras, desatou a usá-lo com abundância nas
manchetes da vitória: "uma presidência 'normal'"; "um senhor
'normal' no Eliseu"; "a vitória de um homem 'normal'", etc. O adjectivo
define menos o sr. Hollande do que a concepção que o sr. Hollande e, pelos
vistos, boa parte dos jornalistas têm da normalidade.
Basta espreitar o currículo do sujeito. Em 1974, ainda
estudante universitário, o sr. Hollande voluntariou-se para a campanha de
François Mitterrand. Mal se licenciou, conseguiu emprego numa comissão
governamental. Aos 25 anos, inscreveu-se no Partido Socialista. Aos 27,
concorreu ao Parlamento nacional. Não ganhou, mas viu o esforço recompensado
com um cargo de conselheiro do então recém-eleito Mitterrand. Em 1983 foi
vereador de uma cidadezinha do interior e, em 1988, chegou enfim a deputado,
posto que perdeu em 1993 e recuperou em 1997. Pelo meio, divertiu-se em tricas
partidárias e Lionel Jospin escolheu-o para porta-voz do PS. Nem de propósito,
em 1997 tornou-se líder do PS, honra que lhe caberia por mais de uma década. Em
2001, pairou pela autarquia de Tulle. Desde 2008, o sr. Hollande prosseguiu o
tirocínio numa presidência regional. Agora, é presidente da República.
Um homem normal? Normalíssimo, se a palavra definir as
criaturas que passam a vida inteira sem, digamos, trabalhar. Esta linha de
pensamento olha de viés os que algum dia arriscaram colocar o pé fora da
política e experimentaram uma profissão a sério. O sector privado é coisa de
excêntricos e, convenhamos, de excêntricos pouco confiáveis. Na França e aqui,
o Estado é a norma.
As ideias do sr. Hollande também são normais. Naquilo que
nos toca, conheço-lhe uma: a austeridade é má. E não custa nada encontrar gente,
igualmente normal, que partilha a opinião. Só em Portugal, Francisco Louçã
reclama o fim da austeridade, Mário Soares jura que a austeridade não faz
sentido e António José Seguro, que naturalmente tomou o triunfo do sr. Hollande
a título pessoal, acha a austeridade excessiva e dispõe-se a sair à rua em
protesto.
É inacreditável como é que ninguém se lembrou disto antes.
Afinal, a solução não passa por apertos que nos atormentam a bolsa e a
existência: passa, obviamente, pelo crescimento, definição lata para a
estratégia que consiste em gastar acima das possibilidades, viver de prometidos
mundos e fundos, contemplar a descida das promessas à Terra, acumular dívida,
rebentar com estrondo e atribuir a culpa de tudo às agências de rating, à sra.
Merkel e, grosso modo, ao capitalismo selvagem.
Para surpresa de uns poucos (muito poucos), a solução dos
problemas implica o regresso ao estilo descontraído que alimentou os problemas.
E se a solução talvez não seja o sr. Hollande, entretanto já empenhado em desmentir
os delírios de campanha e prevenir os franceses para as maçadas que os esperam,
é garantido que a solução virá, no mínimo espiritualmente, de França. Chama-se
José Sócrates e é, para sermos educados, outro homem normal.
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