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domingo, 20 de maio de 2012

Nação valente e imortal









Texto: António Lobo Antunes na Revista Visão de 05.04.2012
Fotografia: Carmo da Rosa

 Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara

Agora que há sol na rua a fim de me melhorar a disposição,  vou-me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.

Deixam de ser ministros e a sua vida é um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade. O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles.

 
Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio.

Já o estou a ver:

- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro,
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima,
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo.

É o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.


As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.

Vale e Azevedo para os Jerónimos, já! Loureiro para o Panteão já! Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já! Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.

Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram. Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.


 Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.

Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.

Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.


 Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

4 comentários:

cabeça disse...

Carmo. Andas numa de te candidatares a levares com cartão vermelho, rasteiras, beliscões, insultos de mansinho, sem o arbitro ouvir, rasgos nas camisolas dos jogadores de Alguidares de Baixo, enfim....nem o bandeirola, ou o homem do apito, dão por nada, mas, em pleno jogo no centro do relvado à vista de toda a gente, dares um pontapé destes nos tomates do defesa central da outra equipa e dizeres depois, que não foi nada?!
pá! nem que vás de joelhos de Amesterdão a Fátima! vais ficar por lá a arder, de noite e de dia, leva contigo um bidão cheio de água, ou então ficas cremado. PS: toma atenção, os teus calções são curtos demais, andas a mostrar a colhambada. Obrigado pelo conselho relacionado à questão "queca brasileira" para quem tem ejaculação prematura pensar no acto da queca, na carona do Quim Barreiros, foi para mim um milagre, é como ter um "dimer" nas unhas! uma maravilha, funciona!!. O artigo do Lobo Antunes, é um mimo.

Unknown disse...

Um retrato fiel do país que temos.
No que redundaram 3 décadas de socialismo oficialista.

Todos os animais "semos" iguais, mas há uns que são mais iguais que os outros.
O triunfo dos porcos.

Unknown disse...

CdR, em Portugal a variação é entre Centro "Social" e Comunismo. Tudo à esquerda em variações suaves de social-democracia. Socialismo, portanto.

É o Estado que põe e dispõe, é o Estado que contrata, é o Estado que manda nas empresas, que lhes dá de comer, que as influencia, que com elas celebra acordos leoninos.

Estado, estado, estado.
Socialismo, portanto. Nacional, ou do outro. Tudo menos liberalismo e capitalismo saudável.

Unknown disse...

"Pois tá bem. Chame-lhe o que quiser!"

A designação não é feita ao acaso. Temos uma constituição socialista, temos uma relação entre estado e economia que anda muito perto do que era na Alemanha Nacional-Socialista ou em qq país dito socialista.
É aliás o que refere o artigo que aqui colocou. Não concorda com ele?


"MAS NÃO VAMOS PRESOS e há eleições livres - isto é por enquanto UM FACTO."

Não, não vamos presos. Mas a bem dizer, não são tão livre como isso. Por exemplo, um cromo que defenda ideologias de extrema-direita, não pode apresentar-se a eleições.
E há outras formas de coação, para lá da prisão: o emprego em perigo, por exemplo. Sócrates brilhou nesta área.

"E ainda por cima, a maioria dos blogues estão menos aferrolhados que o FIEL."

Não sei o que entende por "aferrolhados". Se tentar colocar linguagem insultuosa na maioria deles, os comentários são apagados.
Outros nem sequer os aceitam antes de serem vistos por alguém do blogue.

Veja se entende uma coisa: você tem inteira liberdade de expressão para chegar aí à rua e chamar palonço ao padeiro.
Não pode é fugir à responsabilização subsequente. Se ele lhe pespegar com um processo ou com um murro, não se ponha a gritar que a sua liberdade de expressão está a ser limitada.

Num blogue, é a mesma coisa. Um tipo que chega aqui e insulta a esmo, tem de se responsabilizado. A única maneira é apagar-lhe o escarro.
Ou então, qual é a sua solução?
Aí o seu vizinho aguarda-o à porta todos os dias para lhe chamar panilas e você mantém-se impávido porque respeita a sua liberdade de expressão?

P.S. Note que estou a comentar no seu poste e assim continuarei, discordando e argumentando. Mas irei embora assim que for insultado, como é normal.