O Egipto e o Paquistão são, no mundo muçulmano, os maiores destinatários da ajuda americana e a situação em que estão deveria, num mundo onde a realidade dominasse a ideologia, fazer acender uma luz vermelha algures nos corredores da Administração Obama.
O Egipto, com o Exército mais poderoso e bem equipado do mundo árabe, caminha a passos largos para os braços da Irmandade Muçulmana e o Paquistão acaba de duplicar o seu arsenal nuclear, que já é maior do que o da Grã-Bretanha.
Sendo o Paquistão um estado quase falhado, quase falido, radicalizado e onde o fundamentalismo islâmico e os sentimentos antiocidentais fazem parte da ideologia dominante inclusivamente no establishment militar e das informações, não é excessivo deduzir que uma parte substancial da ajuda americana acaba por, indirectamente, financiar a proliferação nuclear.
O Paquistão é a exemplar crónica de um desastre anunciado, face ao qual a Administração Obama se dedica a exercitar números de retórica politicamente correcta, faz de conta que nada de grave se passa e lança “hope” às carradas sobre a desagradável realidade.
Não há, por isso, uma estratégia realista para fazer face ao problema.
Na verdade nem sequer será fácil formulá-la, porque a Administração Obama entrou por zonas orwellianas, banindo palavras que descrevem as situações reais, na esperança de que sem palavras para a descrever, a própria realidade se dissolva.
Por exemplo, não é fácil lobrigar nas “ Overseas contingency operations”, a realidade de que são, afinal, as operações levadas a cabo contra os combatentes islâmicos que executam a jihad. Afinal de contas, no maravilhoso mundo da novilíngua desta Administração americana, nem a jihad, nem o terrorismo islâmico, nem o islamismo, etc, existem. Apesar de estas realidades existirem no mundo real e serem uma ameaça formidável, as palavras que as descrevem foram banidas do léxico e da oralidade oficiais.
Ora não se podendo usar os termos adequados para descrever a realidade, a própria realidade e é difícil de descrever e apreender, e ainda mais difícil planear sobre ela. Esta introdução do Newspeak orwelliano é uma clara demonstração de que Obama e a sua Administração não só preferem a ideologia à realidade, como acreditam que manipulando a palavra, alteram a realidade.
É também esta charada que explica a inépcia com a qual Obama lidou com a situação no Egipto
No inicio do seu mandato, Obama, rejeitando a “exportação” da democracia, que tinha sido uma linha de força nas estratégias de Clinton e Bush, fez tudo o que podia para ignorar a instabilidade politica resultante do facto de serem ditaduras sem válvulas de escape, que governam o mundo árabe. Foram até reduzidas e canceladas ajudas a programas que visavam robustecer alternativas liberalizantes às opções dominantes (o autoritarismo e o islamismo)
Obama e os círculos ideológicos onde se move, acreditam que os EUA e o Ocidente não têm o direito e a autoridade moral para julgar os outros, sejam autocratas ou teocratas.
Quando a realidade veio ao de cima (vem sempre), e o atingiu em cheio, Obama correu para apanhar a onde certa. E, como todos os convertidos que têm uma epifania, fez uma pirueta e passou num ápice do oito ao oitenta, para aparecer como o campeão da democracia popular, um velho ícone trostkysta que, contudo, esteve reveladoramente ausente do seu horizonte, quando os iranianos se revoltaram contra Amadinejad.
A ideologia é uma máquina de negar factos, um sempre-em-pé, e Obama o clássico exemplo da má-fé descrita por Sartre, porque a pirueta só é possível se se ignorar ou relativizar retoricamente a realidade de uma Irmandade Muçulmana cuja hostilidade para com o Ocidente, é prenúncio de problemas graves para os interesses estratégicos americanos.
Mas ignorar esta realidade não é difícil.
Uma vez que a discussão sobre a sua verdadeira natureza já não é possível, por estarem banidas as palavras, é um passinho de criança preconizar, como fez Obama, a inclusão dos islamistas, no novo poder egípcio.
O que move a Administração Obama é a ideologia e é esse motor que explica o apaziguamento com o Irão, a tolerância para com Hugo Chavez e a intolerância para com um governo hondurenho aliado.
Há aqui uma peculiar visão do mundo que assenta na culpa, a ideia de que os outros fazem o que fazem por culpa nossa. Há dias o Gen Jones, que já foi NSA de Obama, afirmou em Herzylia, literalmente, que o que está por detrás dos movimentos populares nos países árabes, é o conflito israelo-palestiniano.
É uma irracionalidade, é óbvio que não é nada disso, mas esta visão do mundo faz o seu caminho nos círculos ideológicos nos quais esta administração (e também uma influente elite politica europeia, reconheça-se) se move.
O problema com as construções ideológicas é que, apesar de confortarem quem nelas se banha, não lidam bem com a realidade e um belo dia desabam. E então a realidade faz-se presente, nua, crua e sólida, como sempre esteve, imune às cortinas retóricas com que a tentam esconder.
6 comentários:
Só nos resta o 'hope' de que o lidador esteja enganado!
http://aperoladanet.blogspot.com/2011/02/chuva-trocou-me-as-voltas.html
http://a4.sphotos.ak.fbcdn.net/hphotos-ak-ash1/182266_10150096251089509_362928489508_5980151_7733958_n.jpg
Na "Europa",
http://observinghermann.wordpress.com/2011/02/06/germans-sort-of-shocked-that-egyptians-would-actually-use-the-weapons-they-sell-them/
Tenho sérias dúvidas que mesmo com um Reagan fosse possível resolver o problema paquistanês...
Excelente post
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