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segunda-feira, 21 de março de 2011

Adeus Sócrates


A realidade é como o azeite, dizem. Vem sempre ao de cima.

Sócrates está, nos últimos tempos, a receber na testa a realidade que tentou cuspir para o ar, ignorando a gravidade e os ventos.

É a face amarga do poder.

Sócrates fez de si mesmo o retrato do socialista iluminado, determinado e confiante, que sabe o que é melhor para todos e está disposto a arriscar o nosso dinheiro na prossecução da sua formidável convicção. Na sua retórica bem intencionada, o futuro foi sempre brilhante, como sempre foi normal nos avatares socialistas com que a História castigou inúmeros povos. Ele era o “estado social”, a “educação centrada no aluno”, o “serviço nacional de saúde” justo e universal, a energia verde, o plano tecnológico, as estradas gratuitas, o TGV como cereja no topo do bolo, enfim, tudo para todos, como no maravilhoso mundo de Alice, onde todos têm prémio.

A realidade para lá do ícone mostrava outras coisas: mostrava um hedonista de gostos caros que vestia Armani, se refastelava nos melhores restaurantes, e se rodeava de luxos, sempre à conta do contribuinte (na muito mais rica Albion, o seu homólogo Gordon Brown teve até de pagar do seu bolso, os pequenos-almoços que tomou no nº 10 da Downing Street.); mostrava um indivíduo irascível, arrogante e agressivo, vingativo para com os que o afrontavam, paternal e generoso para com os que o adulavam e pelos quais distribuía fartamente os favores do Estado.

Enfim, um pequeno Kadaffi, cujo carisma admirava, quiçá por ser tão parecido com ele, e que só não emulava porque calhou nascer num país com instituições e onde o poder tem limitações formais.

A realidade caiu-lhe finalmente em cima e nada mais lhe resta do que pragmaticamente tentar manter o poder, rejeitando tudo aquilo que dizia (e continua a dizer) defender.

Num mundo perfeito, na terra do Nunca, bastariam as boas intenções, os elevados propósitos e a retórica dos bordões da correcção política. Mas o mundo real, complexo, desordenado, sujeito à resultante das forças da sorte, do azar e das vontades divergentes dos homens, é inamovível perante conversa fiada de indivíduos que parecem ter estagnado na adolescência das ideias, algures entre Woodstock, os Amanhãs que Cantam e as cantigas da Floribela Abreu.

Infelizmente para José Sócrates, a sua chegada à realidade, o seu ritual de iniciação à idade adulta, corresponde também à sua despedida.

A clássica pirueta que, por exemplo, Durão Barroso deu há muito mais tempo e a tempo, fez-se tardar em Sócrates que, teimoso até ao quixotismo, insistiu no erro, mesmo quando toda a gente já tinha percebido que era um erro.

Sócrates vai ser enxotado do poder, porque já nem o seu próprio partido o pode ver transformado no contrário de si mesmo. Ironicamente os seus maiores erros não são os de agora. Os seus erros fundamentais foram os do princípio, a superficialidade, a mentira, a insensatez estatista, o despesismo voluntarista, o clientelismo, os tiques controleiros, a tomada de assalto da máquina do Estado pelos amigos, o empenhar das gerações futuras em função de megalomanias iluminadas.

É a contradição entre esse passado e este presente, entre a retórica e a realidade que o revela como um político sem princípios éticos, capaz de fazer, sem qualquer sobressalto, uma coisa e o seu contrário

Talvez nem ele mesmo esperasse que uma realidade que sempre insistiu em negar, ao mesmo tempo que fazia a dança da chuva que a chamava, o demolisse tão desapiedadamente.

Fim de linha, caro José Sócrates. E já vai tarde.

Directamente para o caixote do lixo da nossa História.

7 comentários:

Unknown disse...

Texto brilhante.

DL disse...

Excelente, excelente.

JM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
JM disse...

Desxuxalizar vai ser mais difícil do que limpar radiação por plutónio...

RioD'oiro disse...

JM:

"Desxuxalizar"

É como encher uma garrafa de fumo e abri-la. Deixar sair o fumo é fácil. Voltar a metê-lo lá dentro será o fim da picada.

Carmo da Rosa disse...

O Lidador disse: ”É a contradição entre esse passado e este presente, entre a retórica e a realidade que o revela como um político sem princípios éticos, capaz de fazer, sem qualquer sobressalto, uma coisa e o seu contrário.”

Precisamente. Sempre a contradição entre a retórica socializante e a realidade do oportunismo político. ”Um político sem princípios [nem sequer socialistas] capaz de fazer (e dizer) uma coisa e o seu contrário." E que se serve da palavra “socialismo” porque lhe confere uma mais-valia inerente à recente história do país. E vai provavelmente continuar a bater na mesma tecla devido ao sucesso actual do “socialismo brasileiro” do outro lado do Atlântico...

ablogando disse...

http://aperoladanet.blogspot.com/2011/03/de-um-primeiro-ministro.html