Por definição os militares obedecem, e a disciplina tende a criar automatismos que compelem.
Parece que já estou a ver a paisanada sorrindo complacentemente ao confirmar a caricatura do militar-autómato que obedece cegamente, ainda que não entenda a ordem.
Mas a questão vai além da caricatura. Quando é que um militar deve desobedecer a uma ordem?
A resposta académica e abstracta é papagueada sem hesitação: se ela for ilegal, imoral ou estúpida.
A questão enreda-se quase imediatamente: quem define o que é “imoral” ou “estúpido”? Aquilo que parece estúpido a um executante pode não o ser para o escalão que lhe dá a ordem e que vê, não apenas o pixel, mas a big picture.
Ora não tendo um determinado militar informação suficiente para julgar com objectividade, obedece ou não a uma ordem legal mas que aparenta não fazer sentido?
Mudança de cenário.
Campo Militar de Santa Margarida, década de 80.
Psicólogos do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército procedem a um estudo de campo no Curso de Comandos, sobre estilos de liderança.
Trata-se da vulgar prova de “salto para o desconhecido”, em que o instruendo tem de se projectar de uma plataforma elevada, sem ver e sem saber o que está para além dela.
Espera-o quase sempre uma queda razoável, numa superfície de água ou lama, mas isso ele só sabe depois.
Os instrutores dão a ordem de execução de duas maneiras:
Com uns usam a abordagem persuasiva e informada. “Meu caro amigo, vai executar uma prova que consiste nisto, nisto e naquilo. Pretende-se medir e isto e aquilo. Ora tenha a bondade, de executar.”
Com outros, a abordagem é brutal e com excesso de décibeis. “Seu ****, estás a ver a **** daquela rampa. Estás à espera de quê, seu ****? Salta ****, antes que te acerte com um pontapé nos ****. Salta ****, salta!”
Os resultados não deixam dúvidas sobre a natureza humana em situações extremas. Com a 1ª abordagem, mais de 90% dos instruendos quiseram ir ver e, como isso não era permitido, ficaram ali a engonhar, com olhares hesitantes e conversa fiada.
Com o 2º estilo, saltaram todos, de olhos arregalados, em passo de corrida e com a adrenalina à flor da pele.
É por isso que nestas questões não há respostas fáceis.
Tudo depende.
A desastrosa carga da cavalaria ligeira em Balaclava, não teria acontecido se a ordem tivesse sido recusada por estúpida, mas Sun Tsu não tem dúvidas: “Aqueles que, mandados avançar, o não fazem, serão decapitados”.
2 comentários:
Pois e há outra situação
Um destacamento de militares britanicos com autometralhadora dirige-se para um recinto ao ar livre, fechado, por onde só se tem acesso por uma viela, dentro desse recinto milhares de indianos desarmados e pacificamente estão reunidos protestando contra medidas do governo britanico, a auto metralhadora chega junto a viela de entrada e não passa, e muito largo o carro, o oficial manda recuar e avançar a coluna de infantaria, esta passa a passagem estreita e forma em pelotão em frente a multidão desarmada, o graduado nem avisa nem hesita fogo a vontade temos o dia todo. Os soldados obedeceram. Uma ordem é uma ordem mesmo que seja assassinar.
(Massacre de Amritsar em 1920, soldados britânicos abriram fogo matando centenas de indianos que protestavam pacificamente contra medidas autoritárias do governo britânico e contra a prisão de líderes nacionalistas indianos.)
Aqueles que, mandados avançar, o não fazem, serão decapitados.
Que trapalhão, não resiste a abrilhantar os posts com citações manhosas. Quem Sun Tzu mandou decapitar não foi quem desobedeceu mas sim quem comandava os desobedientes.
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Uma ordem é uma ordem mesmo que seja assassinar.
E a ordem de comando funcionou tão bem em Amritsar que no ano seguinte repetiram a façanha no estádio de Dublin, quando as tropas entraram, fecharam o recinto e atiraram sobre a multidão que assistia ao jogo, matando mulheres, velhos, crianças e jogadores.
Até ao Jorge V se lhe arrepelou o cabelo.
O tribunal marcial condenou a cadeia de comando mas o governo de Sua Majestade escondeu o veredicto durante décadas.
O Sun Tzu tê-los-ia mandado decapitar.
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