Para mim, a diferença maior de Salazar (que não era fascista, como muito bem diz o Lidador, mas um mero ditador) em relação aos seus congéneres europeus da época é que, para começar, era um chato, um sensaborão que nem jeito tinha para aquelas "marchas grandiosas" organizadas pelos outros, que sempre davam um ar festivo à coisa, com aquele kitsch todo a esparramar-se pela existência dos cidadãos. O homem sufocava de falta de imaginação, encurvava-se para a sopeira e esganiçava perdigotos em direcção ao país, que via como uma vila de província nortenha, onde a tasca era a norma e o café um sintoma de modernidade suspeita de poder vir a adoecer ou, pelo menos, macular a virgindade feminina.
O romano da história, que não conhecia uma letra do tamanho de um burro, fez por isso dos escravos uma biblioteca viva para declamarem citações durante os banquetes que dava; Salazar, por seu lado, entregou a cultura a António Ferro, o qual andara tempos e tempos a tentar meter-se no grupo de Pessoa e que, como não o tinham querido lá, aproveitou o quintalzinho de celebridade oferecido pelo filho do caseiro de Sta. Comba, com automóvel ministerial e tudo. Reconhecido, deu ao país a cultura que Salazar era capaz de entender, em forma de propaganda.
Como cristão, era uma nódoa que mesmo ao Senhor custará tirar. Leu o Novo Testamento do cimo da burra em que andava quando jovem e, por esse motivo, trocou a frase de Cristo “Quem não é contra nós, é por nós”, por outra, que propagandeou: “Quem não é por nós, é contra nós”. Criou assim, para ele e para os seus compatriotas, um problema hermenêutico em teoria política, e uma explicação teológica entaramelada por parte da Igreja Católica, que, a partir daí, se emaranhou constantemente numa outra frase do Nazareno:”Não podes servir, ao mesmo tempo, a Deus e a Maimon”. Desconfiado e supersticioso como todo o bom provinciano, não fosse o demo tecê-las, diz-se que comia sempre alho antes de levantar o telefone para falar com Hitler, que se afirmava nacional-socialista, e com Mussolini, de quem também não esquecia o passado vermelho.
Salazar foi uma espécie de Napoleão das couves, que utilizou as forças Armadas como o hortelão utiliza os cães para lhe defenderem a propriedade, que nele se reduzia à paternidade da Nação. Como toda a propriedade de carácter meramente ideal, ela reduzia-se àquilo que Nietzsche afirmava ser o essencial, pouco inteligente e pouco hábil, da filosofia platónica: “Eu, Platão, sou a verdade”. Quem percebesse Salazar, serenaria de vez e, exultante, colaboraria com ela; quem não visse a luz que a Pátria (Salazar) prodigalizava, deveria aquietar-se ou mesmo anular-se. Em casos de maior renitência (que ele, infelizmente, há sempre por aí gente má…), como aldeão de brandos costumes que era, amante da paz e a quem a violência perturba o calmo fluir do sono dos justos, mandava os cães menores resolver assunto, o mais discretamente possível, evitando o escândalo, impróprio de gente digna.
Fora isto, era uma jóia.
O romano da história, que não conhecia uma letra do tamanho de um burro, fez por isso dos escravos uma biblioteca viva para declamarem citações durante os banquetes que dava; Salazar, por seu lado, entregou a cultura a António Ferro, o qual andara tempos e tempos a tentar meter-se no grupo de Pessoa e que, como não o tinham querido lá, aproveitou o quintalzinho de celebridade oferecido pelo filho do caseiro de Sta. Comba, com automóvel ministerial e tudo. Reconhecido, deu ao país a cultura que Salazar era capaz de entender, em forma de propaganda.
Como cristão, era uma nódoa que mesmo ao Senhor custará tirar. Leu o Novo Testamento do cimo da burra em que andava quando jovem e, por esse motivo, trocou a frase de Cristo “Quem não é contra nós, é por nós”, por outra, que propagandeou: “Quem não é por nós, é contra nós”. Criou assim, para ele e para os seus compatriotas, um problema hermenêutico em teoria política, e uma explicação teológica entaramelada por parte da Igreja Católica, que, a partir daí, se emaranhou constantemente numa outra frase do Nazareno:”Não podes servir, ao mesmo tempo, a Deus e a Maimon”. Desconfiado e supersticioso como todo o bom provinciano, não fosse o demo tecê-las, diz-se que comia sempre alho antes de levantar o telefone para falar com Hitler, que se afirmava nacional-socialista, e com Mussolini, de quem também não esquecia o passado vermelho.
Salazar foi uma espécie de Napoleão das couves, que utilizou as forças Armadas como o hortelão utiliza os cães para lhe defenderem a propriedade, que nele se reduzia à paternidade da Nação. Como toda a propriedade de carácter meramente ideal, ela reduzia-se àquilo que Nietzsche afirmava ser o essencial, pouco inteligente e pouco hábil, da filosofia platónica: “Eu, Platão, sou a verdade”. Quem percebesse Salazar, serenaria de vez e, exultante, colaboraria com ela; quem não visse a luz que a Pátria (Salazar) prodigalizava, deveria aquietar-se ou mesmo anular-se. Em casos de maior renitência (que ele, infelizmente, há sempre por aí gente má…), como aldeão de brandos costumes que era, amante da paz e a quem a violência perturba o calmo fluir do sono dos justos, mandava os cães menores resolver assunto, o mais discretamente possível, evitando o escândalo, impróprio de gente digna.
Fora isto, era uma jóia.
13 comentários:
Achei graça a este seu post, apesar da lavagem em relação ao fascismo (‘fascizantismo’ também por ser para si), mas deixemos isso. Só espero que não se lembre de também dizer que o sr. prof. doutor era de esquerda, o homem não aguentava tanta maldade.
Um sensaborão que saiu melhor do que a encomenda. Quando todos pensavam que era uma casta alma que vivia em união de facto com a Virgem de Fátima e com a nação, que moralizava o país com a virgindade dos solteiros, a fidelidade dos casados e a maldição dos divorciados, afinal agarrava tudo o que lhe vinha à mão: solteiras, casadas, divorciadas. Um corrupio.
Olhe, até passei a olhar para ele de outra forma, afinal vislumbra-se ali um restinho de humano.
brilhante
REPITO PORQUE VALE A PENA.
Obrigado Fiel gente, não será milagre de Fátima, mas vi a luz e Fiel é o milagre, um tema que á priori pesava os exactos quilos da sua massa, é afinal um delicado cheiro a channel. Pois sim, SALAZAR
não tinha bigode e nunca andou de franja caída, um impecável ditador - um Gentleman,...digamos-.
Passar por aqui ilumina. Mais uma vez OBRIGADO.
ml:
Obrigado pelo elogio, mas não lavei nada, parece-me é que eu e o Lidador temos uma perspectiva diferente da sua. É que no salazarismo a forma e o conteúdo não coincidiam, a Mocidade Portuguesa não coincidia com Juventude Nacional-Socialista, nem os Camisas Castanhas de Mussolini com a Legião Portuguesa. Mais do que uma ideologia, o salazarismo corresponde a um estado de espírito e a um matarruanismo cultural com laivos de enxada-na- cabeça-de-quem-não-concordar-com-o--sr. Professor, com o ilustrado cá da aldeia. Que o digam o Rolão Preto e mesmo o Marcello Caetano.
Anónimo:
Não leu, soletrou.
Leia.
Caro José Gonsalo,
não sei o que é que você anda a fumar ou a ingerir nos últimos tempos, mas é um facto que está em grande forma - excelente. (Bela fotografia do botas)
“um sensaborão que nem jeito tinha para aquelas "marchas grandiosas".
Muito bem visto... Faltava-lhe uma Leni Riefenstahl e um Albert Speer. Mas mesmo que os tivesse à mão de semear não lhes reconheceria o génio e morreriam esquecidos na sarjeta, como Camões e Pessoa.
”Como cristão, era uma nódoa”
Resposta do Cardeal Cerejeira - amigo íntimo do ditador durante a vida inteira - quando depois da morte deste em 1970 um jornalista lhe perguntou que virtudes Salazar tinha: “O presidente Salazar foi uma de muitas qualidades. Mas virtudes? Não. Nenhuma.”
@ ML: “(...) afinal agarrava tudo o que lhe vinha à mão: solteiras, casadas, divorciadas. Um corrupio.”
É verdade. Cito o escritor português José Rentes de Carvalho grande conhecedor da vida e obra do ditador: “Diga-se que mlle Garnier não foi a primeira nem seria a última das amantes do homem. Ao redor dele havia sempre um bando de senhoras nobres e burguesas ricas que se pelavam pelo homem. Muito embaixador e muito ministro deveu o cargo ao facto de que a madame do cujo caía na cama do Espantalho.”
E eu, quando soube disto, e não foi assim há muito tempo, tive precisamente a mesma reacção que a ML: ”até passei a olhar para ele de outra forma, afinal vislumbra-se ali um restinho de humano.”
Aproveito para perguntar a Sra. ML se já pensou na minha ‘proposition you can’t refuse’?
Carmo da Rosa:
Obrigado pelo comentário.
"Ao redor dele havia sempre um bando de senhoras nobres e burguesas ricas que se pelavam pelo homem."
É... O poder é muito sexy. E se se juntar a isso o tradicional apreço aristocrático pelas virtudes populares...
Nuno Granja:
Obrigado.
@José Gonsalo
Meu caro, estava eu fartinho de esperar um postalinho seu, e eis que valeu a pena esperar, como era de esperar.
Tanto assim que me permito uma inconveniência: se Salazar tivesse abandonado o poder em 1945 hoje teria o nome em avenidas e ruas de todo o país, e não apenas em Santa Comba.
@CDR
"Ao redor dele havia sempre um bando de senhoras nobres e burguesas ricas que se pelavam pelo homem."
Pois, faz-me lembrar a resposta daquela rapariga ao basquetebolista universitário, no último do Wolfe. Ele não percebia porque tanta miúda gira fazia fila para passar a noite (ou algumas horas, ou mesmo o tais cinco minutos) com os jogadores da equipa. Ela esclareceu-o, como quem explica a coisa mais simples do mundo: "every girl wants to fuck a star". Só isso.
OK, José Gonsalo, eu sei que não é um assunto pacífico, mas parece-me que a diferença está mais na personalidade provinciana e manhosa do Espantalho (parabéns, sr. Rentes) - fazê-las pela calada - do que no conteúdo. Os princípios eram os mesmos, os fins também, o processo da chegada ao poder e consequente modus faciendi é que foram diferentes. O corporativismo definido na Constituição devia tudo a Mussolini, o ''Estatuto do Trabalho Nacional' era uma cópia literal da 'Carta del Lavoro', o Secretariado da Propaganda do Ferro uma 2ª via do dos países fascistas e a 'União Nacional' um decalque da 'União Patriótica' do Zé António. Etc. Mas se o embrulho é que define uma ideologia, ficamos assim mesmo. Também acho mais fresquinho e leve comentar o lado fradeca e pícaro do Espantalho.
Só ainda me falta debulhar bem porque é que sendo ideologicamente tão próximos, o salazarismo e o fascismo pertencem a cepas diferentes; o nazi/fascismo, tão distantes do estalinismo, afinal filiam-se na mesma ideologia. Coisas do arco-da-velha, mas que ainda hei-de vir a entender, assim deus nosso senhor me dê vida e saúde.
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Sr. Carmo, se bem entendo está a dizer-me que falava a sério quando cavalheiramente me convidou para speak out my mind aqui no fiel mural.
Deixa-me é ir trabalhar, que apesar de feriado não consigo afastar de mim este cálice.
"o nazi/fascismo, tão distantes do estalinismo"
Repare-se no truque
Aqui a nossa ml, fiel à trafulhice mental que ampara este tipo de pessoas, não nomeia o socialismo.
Para ela, obviamente, "nazi" não quer dizer "nacional-socialismo", Mussolini não era da ala esquerda do Partido Socialista Italiano e aquilo que aconteceu na URSS não foi socialismo mas sim "estalinismo".
Assim se altera o passado, nomeando-o do presente. Orwell explicou muito bem como isto se fazia.
Como escreveu Hayek, "Poucos estão prontos a reconhecer que a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma
reacção contra as tendências socialistas do período precedente, mas o resultado necessário dessas mesmas tendências"
Quanto ao António Ferro, esse sim, um fascista convicto ( e culturalmente brilhante, valha a verdade), não se safou nada bem. Salazar não tardou a livrar-se dele, já que o seu entusiasmo fascista nada tinha a ver com o estilo paroquial do ditador.
Prezado, não espume, pense noutra coisa. Está a repetir-se.
E se não é pedir demais, se de vez em quando puder deixar o Hayek e o pobre do Orwell em paz! Não digo que não faça citações mas, vá lá, uma, duas vezes por dia.
O homem era um camponês beato. De fascista pouco tinham. Aliás, o fascismo é, supostamente, uma ideologia radical. E o Sr. António até era um tipo bem pacato, de modestos costumes. Enfim, era um ditador conservador, o que é totalmente oposto ao fascismo. Apesar disso não escondia a sua admiração de Mussolini e até lhe roubou uma ou outra ideia, mas no geral, isto era mais uma ditablanda.
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