Achei por bem acrescentar ainda alguns aspectos, para que não ficassem dúvidas quanto àquilo a que pretendo chegar. Pelo que dividi o que restava em duas partes, a última das quais publicarei na segunda-feira. Entretanto, irei a Inglaterra para tentar encontrar um determinado árbitro de futebol.
Bom fim-de-semana.
(...)
Quando Álvaro Cunhal publicou A superioridade moral dos comunistas já Freud era, há muito, dono da
secção ocidental do Jardim das Delícias, comunistas residentes incluídos. O
século XX foi, neste plano, o século da psicanálise, o que, em conjugação com o
aumento do número e importância dos papéis desempenhados pelas mulheres e a
consequente alteração do estatuto do feminino, alterou por completo a
perspectiva das relações entre os sexos e a própria definição do que definiria
cada um deles quer individual quer socialmente. Os conceitos psicanalíticos
foram, a partir de certa altura, integrados num outro conjunto conceptual
emergente no âmbito da luta por emancipações e direitos diversos, sempre,
todavia, inseridos num enquadramento dado pelo vocabulário social e histórico
do ou com a raiz oitocentista do materialismo dialéctico.
Foi nos trinta anos decorridos entre 1955 e 1985 que teve lugar a formação do contexto no seguimento do qual vivemos hoje. São os trinta
anos em que as chamadas tendências sociais minoritárias irrompem no Ocidente
como expressão da necessidade das mudanças no modo de viver que se tornavam
irreprimíveis. Surgem grupos contestatários do “sistema”: os provos, na Holanda; quase imediatamente,
os beatnicks; poucos anos depois, nos
USA, o movimento hippie, como
consequência da influência de ambos os grupos na chamada beat generation; e, inevitavelmente, dois ou três anos depois, os yippies, do Youth International Party, politicamente ligado ao anarquismo —
todos eles declarados pelos marxismos instituídos como movimentos de alienação
da juventude fabricados pela CIA para a desmobilizar da "justa luta encabeçada
pelos comunistas". É também na segunda metade da década de 50 que, paralelamente
à posterior pregação hippie do “make love, not war”, começa a emergir o burguesíssimo movimento swinger, o qual no final
dos anos 60 merecia já reportagens em órgãos de informação tão respeitáveis como
a Newsweek. E é também nos mesmos
anos que a homossexualidade — essa “tristeza”, como a classificava o mesmo Cunhal, nos
anos 90 — começa a espreitar dos armários quando não a mostrar-se já orgulhosamente de corpo inteiro. De tudo isto se distanciaram os marxismos dos
diferentes países “revolucionários” bem como os partidos comunistas, de diversas
obediências, do resto do mundo: homossexualidade, bissexualidade, família comunitária,
amor livre e o próprio erotismo eram considerados desvios, doenças da sociedade
burguesa.
Lembro-me de haver lido algures que um jornalista de uma
revista de Angola (de cujo nome não me recordo agora e onde escrevia gente da craveira do poeta Herberto Hélder),
enviado para cobrir a chegada do Homem à lua, voltou mas a falar
predominantemente de coisas como… camas de água, inventadas por essa altura e
aproveitadas desde logo para muitas mais coisas além de dormir. Além de dar também
conta de algo que, visto à distância de mais de 40 anos, adquire contornos
interessantíssimos: a orgia sexual colectiva que se terá seguido ao sucesso da missão
entre muita gente envolvida no projecto, quase como que numa celebração
espontânea da própria espécie. Creio que este exemplo
bastará para se conseguir uma imagem da erupção que, neste plano, se deu no
Ocidente. Juntamente com as emergentes problematizações ecológicas e à atenção
dada às formas espirituais de vida do Oriente, do hinduísmo ao budismo zen — a
este último devido sobretudo aos estudos de Alan W. Watts, que integrava o
exército americano estacionado no Japão a seguir ao final da guerra.
O Maio de 68 representa e acrescenta algo a tudo isto: a
afirmação da existência de uma esquerda “moderna”, de “temas e propostas
fracturantes”, para utilizar a terminologia de herdeiros dos soixante-huitards, como o é a parte mais
inspiradora da formação do BE. O fascínio oriental chegou também aos “duros” do
marxismo (e, não por acaso, aos neo-nazis), com os seus entusiasmos pelo educador-mor das massas, Mao Tsé-Tung e
pela “revolução cultural” do “Bando dos 4” no PC chinês, esses “comunistas de
manteiga”, como lhes chamara Estaline — agora também “bloquistas”. E nem é
preciso sair da recordação da constituição do Bloco para nos apercebermos de
outra coisa.
(...)
1 comentário:
Muito interessante, esta ligação à psicanálise.
Enviar um comentário