(foto obtida aqui)
Caríssimo Carmo da Rosa:
As vicissitudes da existência não me permitiram acrescentar
mais nada ao único comentário que fiz a este seu post, no qual tecia algumas
considerações a respeito deste outro, do Rio d´Oiro, que referenciava, por sua
vez, um texto publicado por Pedro Picoito no Cachimbo de Magritte. Fiquei com a
impressão, aliás, de ter sido muito pouco claro para si, porque reparei que,
logo a seguir, respondeu a uma observação do Godot sobre o que este considerava
—e muito bem— o essencial do que eu escrevera (obrigado, Godot, pelo apreço)
dizendo que não me dera troco porque não percebera a que propósito vinha isso
da excisão do clítoris. Coisa que me pareceu estranha, da sua parte, tanto mais
que estou habituado a que procure, como poucos, esclarecer os assuntos que se
lhe afigurem nebulosos, e que, por tal, mais me aguçou a vontade de repescar o
assunto.
Ora tendo tido hoje maior disponibilidade para me achar
“mais pachorrento” (parafraseando o velho Elmano Sadino), dispus-me a despachar
o assunto. Só que, como se sabe, as palavras são como as cerejas e tal, e o que
era na intenção para meia dúzia de linhas, por muito que eu me esforçasse e
tressuasse em contrário, transformou-se numa montanha delas. Achei melhor,
assim, publicar o que escrevi em três partes não só pelos danos que o
computador causa à visão como também, confesso, porque me faltam para aí dois
parágrafos, o jogo do Sporting já começou e eu estou muito longe de
ser perfeito. Aqui fica, portanto, a primeira parte da minha resposta.
CdR:
Aumentar intencionalmente a possibilidade de vir gerar um
ser humano privado da totalidade dos sentidos de que a espécie desfruta,
argumentando com os eventuais limites educacionais que a limitação sensorial
impôs a quem o pretende fazer, por querer ter, à viva força, um filho: não
haverá muitos exemplos de tão grande monstruosidade de carácter, travestida da
mais altruísta das motivações. Nem é difícil detectar nisto o mesmo princípio —teórico
e prático— fundante das grandes ditaduras que a humanidade conheceu.
Princípio, aliás, que, de igual modo, serve de justificação
à excisão do clítoris, travestida de medida de sanidade religiosa. Trata-se
somente de inverter o conhecido “Se não podes com eles, junta-te a eles” num
“Se não podes com elas, tira-lhes a pila — que, tirando-lhes o prazer,
tiras-lhes o apetite para cuja satisfação tu, sozinho, não venhas,
eventualmente, a ser suficiente, e assim terás c… vagina sem concorrência”.
Apresente-se o apetite sexual da mulher como devassidão que contraria os
preceitos de um Transcendente legislador e punidor e a coisa ganha então uma solidez
quase indestrutível. Considerar a possibilidade da sexualidade humana possuir
outros contornos e dimensões para além do apreensível e, eventualmente,
suportável pelos que determinam a excisão clitoriana (incluindo a
bissexualidade feminina), é algo que lhes é apavorante, na medida em que põe em
dúvida a sua auto-compreensão.
A razão pela qual, porém, não é feito o paralelo entre o
caso relatado e a mutilação genital feminina assenta em dois factores:
- Primeiramente, por a sexualidade se manter no topten das
preocupações das sociedades ocidentais. E isto porque, por um lado, durante
milhares de anos a consideração do que ela é ou possa constituir tem vindo a ser
impedida por motivos semelhantes àqueles que acabei de referir, gerando
confusões e a correspondente existência de elementos que nem sempre ajudam a
uma visão mais clara e objectiva sobre o sexo e a sua vivência —antes, por
vezes, a turvam ou impedem. Em consequência do que, por outro, a sexualidade,
em especial a que respeita à do sexo feminino, em conjugação com a afirmação do
feminismo, nos seus mais lúcidos e ilúcidos cambiantes, a torna num ponto da
maior sensibilidade no que concerne às liberdades.
- Depois, porque a excisão do clítoris é perspectivada como
acto de barbarismo, próprio de culturas primitivas, repressivas, que se firmam
no obscurantismo das religiões. Enquanto que o casamento homossexual e o direito a educar
uma criança dentro dele —por custódia parental, adopção ou geração laboratorial—
é entendido como libertação de tabus e combate à repressão do “sistema”, em
prol do aparecimento de uma Humanidade nova.
E foi precisamente neste ponto que se originaram os
mal-entendidos presentes na caixa de comentários, das quais o Godot (obrigado
pelo apreço!) se apercebeu muito bem, ao situar a questão da excisão do
clítoris como o essencial da minha resposta, bem como a ligação que ela tem com
a esquerda.
Cito, de novo, um dos grandes vultos da cultura portuguesa do século XX,
completamente esquecido após a sua morte, quase trinta anos atrás, com quase
toda a obra por editar, e de quem eu (nessa altura um puto) tive o enorme
privilégio de ser amigo, Manuel Grangeio Crespo, num livro que publicou
pouco antes das primeiras eleições legislativas pós-25 de Abril: “Revolução
Cultural é um pleonasmo: não há outra”. Com efeito, toda a revolução assenta na
necessidade de se estar, de se viver de outro modo, mesmo que essa necessidade
se apresente, de início, com contornos de menor precisão. O que não tiver tal
necessidade por fundamento não passa de um mero golpe de Estado.
Ora a esquerda aponta, desde o seu início, para uma nova
cultura, a cultura de uma Humanidade dos Amanhãs que Cantam, proveniente da
racionalização da posse e utilização dos meios de produção assim como do consumo
dos bens produzidos. A viabilidade e a necessidade dessa cultura baseiam-se,
contudo, em princípios insuficientemente demonstrados, mas simpáticos para as
tendências sociais dos tempos em que os formularam, ou até em meros postulados
(para quem não saiba, figura da Lógica que designa algo não demonstrável, mas que terá que se supor
verdadeiro para que todo um conjunto teórico possa ganhar sentido). Todos eles,
como não poderia deixar de ser, intrinsecamente relacionados com o ensino e a
pedagogia. Vejamos, mais que abreviadamente, aqueles que foram e continuam a
ser determinantes, na respectiva sequência histórico-cultural.
(...)
12 comentários:
http://oinsurgente.org/2012/04/22/tropicalismos-modernos/
”travestida da mais altruísta das motivações.”
Caro José Gonsalo,
Apesar do seu generoso empenho, continuo a não ver muitas similitudes e muito menos qualquer tipo de ‘motivação altruísta’ entre estes dois fenómenos: as surdas que querem à viva força um surdinho e as que nascem com o clítoris mas que lhes é retirado à força… A única relação que vejo é que ambos os fenómenos têm a ver com intervenções, modificações, mutilações físicas.
Mas um tipo de raciocínio que me parece estar na base de muitos mal-entendidos é quando você diz que:
o casamento homossexual e o direito a educar uma criança dentro dele —por custódia parental, adopção ou geração laboratorial— é entendido como libertação de tabus e combate à repressão do “sistema”, em prol do aparecimento de uma Humanidade nova.
(…)
para de certa maneira concluir ou ver um paralelo:
“Ora a esquerda aponta, desde o seu início, para uma nova cultura, a cultura de uma Humanidade dos Amanhãs que Cantam, proveniente da racionalização da posse e utilização dos meios de produção assim como do consumo dos bens produzidos.
Mas, se assim fosse, não acha que estas práticas (casamento homossexual etc) seriam moeda corrente na China, na União Soviética, em Cuba, na Albânia e na Coreia do Norte?
E por falar em Amanhãs que Cantam isso lembra-me o José Afonso com o seu Homem-Novo-que-Veio-da-Mata. Mas o Homem Novo era africano, e África não me parece ser o continente mais propício a estas práticas muito prá frentex a que você se refere como sendo socialistas…
Há aqui qualquer coisa que não bate certo, ou então, é verdade e lógico o diz o seu amigo: uma revolução é sempre cultural. E isso significa que na realidade nunca houve revolução nos países que eu nomeie, mas sim em certos países capitalistas onde não existe ‘racionalização da posse e utilização dos meios de produção’ mas sim casamentos entre homossexuais...
E agora vou beber um caneco que estas cogitações dão-me cá uma sede! Mas bebo também à sua saúde…
Caro J.G. não tem nada que agradecer. Eu é que lhe agradeço,
a excelente analise, e o formular claro de temas, que também a mim me preocupam.
Carmo da Rosa:
Terá que ter paciência e ler o que eu escrevi (e ainda o que me falta escrever, que ontem não tive mais tempo) para perceber onde eu quero chegar.
É claro que toda a gente sabe que nenhum paraíso socialista aceitou a homossexualidade ou sequer a bissexualidade. E que, mesmo em África, onde a homossexualidade masculina é prática mais do que corrente, ela não é oficialmente aceite e que é, até, punida.
Ou seja, não comece já a retirar ilações precipitadas antes de se inteirar do resto, especialmente quando as basear em coisas que todos sabemos.
Calma! E vá bebendo à nossa saúde, que bem precisamos.
Até já. Hoje vou acrescentar uma segunda parte e, se tiver oportunidade, acrescentar o que me falta.
@ CdR…continuo a não ver muitas similitudes…
Caro CdR. Não é uma questão de quantidade.
Tem de ter em conta, primeiro o denominador comum.
O principio totalitário.
Segundo a vaselina táctica.
Épater le bourgeois. Desestabilizar, em nome da emancipação.
E aqui, não é só a questão, de quem é a enxada da torre bela.
O homem novo, terá de ser emancipado de todos os valores tradicionais, família, nação, cultura, religião, filhos, historia, moral etc. Até alcançar um estado de pureza, maleabilidade e footprint apropriado. Ou seja, para alem de ser puro e obediente. devera deslocar-se só em bicos de pés.
Por isso a campanha de ódio contra tudo e todos que impedem os gajos bons e iluminados de criar a nova aurora.
Como sabe, presumo melhor que eu. O islamismo, só se pôde tornar ameaçador na Europa, porque a esquerda* por razoes tácticas, decidiu pactuar com a selvajaria medieval. É aqui que entra o clítoris.
O que esta em causa, também não é a razão da aliança. Recorda-se da via Árabe para o socialismo? O que está em causa é o prosseguimento desta aliança.
Por isso as etiquetas*: esquerda tola, doida, imbecil, estúpida, néscia, ignara, burra, tacanha, ignorante, parva, idiota, trouxa ...
Porque é difícil manter a cortesia, perante imbecis obstinados.
Jose Gonsalo disse: ”Terá que ter paciência e ler o que eu escrevi (e ainda o que me falta escrever, que ontem não tive mais tempo) para perceber onde eu quero chegar.”
Ah, este seu post ainda não era para responder? Para a próxima vez avise, podia ter feito outra coisa, acabar de pintar um armário…
Mas se toda a gente está a par do comportamento sexual nos países socialistas, muito pouco dados a tolerâncias, porque razão colar todo o tipo de tolerância ou mesmo desvios sexuais aos Amanhãs que Cantam?
Jose Gonsalo disse: ”….não comece já a retirar ilações precipitadas antes de se inteirar do resto…”
Já não tiro mais ilações! Fico à espera que você dê o sinal de partida…
Go_dot disse: ”Não é uma questão de quantidade.”
Isto é apenas um jogo de palavras! Mas até consegui encontrar UMA similitude (nada mau!) Trata-se de intervenções, modificações, mutilações físicas. Agora cabe aos outros encontrar outras, mas que se percebam…
Go_dot disse: ” Segundo a vaselina táctica.
Épater le bourgeois. Desestabilizar, em nome da emancipação..”
Neste contexto, com tanta homossexualidade, a vaselina deixa de ser apenas uma noção táctica para passar a ser funcional. Agora sou eu que me entretenho a fazer jogos de palavras, mas de outra forma esta discussão é intragável…
Go_dot disse: ” O homem novo, (…). devera deslocar-se só em bicos de pés.”
Sim, mas isso são ideias que só vigoram numa determinada camada bastante restrita da classe média alta de países ricos. Em Portugal só em Cascais…
Go_dot disse: ” O islamismo, só se pôde tornar ameaçador na Europa, porque a esquerda* por razoes tácticas, decidiu pactuar com a selvajaria medieval. É aqui que entra o clítoris.”
De acordo, mas dizer isto assim, sem nuances, é injusto, é uma bofetada nos esquerdistas que combatem o Islão, e eles são cada vez mais. Além disso há também gente de direita que abre as pernas ao Islão. Dois exemplos holandeses de direita tola, doida, imbecil, estúpida etc etc: o cristão-democrata Dries van Agt e o liberal Hans Dijkstal.
Está na cartilha (Manifesto Comunista):
"Abolir a família"
"A família burguesa desaparecerá [...] com o desaparecimento do capital"
"Acusais-nos de querer acabar com a exploração dos filhos pelos pais? Desse crime declaramo-nos culpados"
"Substituir a educação familiar, pela social [...] para
para a resgatar da influência da classe dominante"
"Os burgueses [...] têm o maior prazer em seduzir as mulheres uns dos outros"
etc, etc
@CdR- Agora sou eu que me entretenho a fazer jogos de palavras, mas de outra forma esta discussão é intragável…
Por alguma razão, este poste tem como etiqueta. ESQUERDA, LIBERDADE, MINORIAS, VÓMITOS.
De acordo, mas dizer isto assim, sem nuances, é injusto, é uma bofetada nos esquerdistas que combatem o Islão, e eles são cada vez mais. Além disso há também gente de direita que abre as pernas ao Islão. Dois exemplos holandeses de direita tola, doida, imbecil, estúpida etc etc: o cristão-democrata Dries van Agt e o liberal Hans Dijkstal.
Claro que na direita, também há gajos doidos, estranho seria, se assim não fosse.
Eu referi o geral. O CDR insiste no particular.
A regra geral é. Jornalistas, políticos, professores ou intelectuais que mijem fora do penico politicamente correcto, são prontamente marginalizados. A propaganda de esquerda, na comunicado social é continua. 24/7. Isso é que é injusto.
Felizmente, que também há corajosas excepções, na televisão francesa.
Ainda bem.
Go_dot disse: ”Felizmente, que também há corajosas excepções, na televisão francesa.’
E na holandesa também há. Mas quem define se são excepções ou não somos nós, a partir da nossa concepção ideológica.
Mas será que temos sempre razão? Será que os outros são estúpidos? E todos eles? E sempre?
O espírito de seita é confortável mas deixa pouco espaço à dúvida, mas, mais grave ainda, a falta de humor é confrangedora…
Lidador,
Em resposta ao seu comentário, sobre a abolição da família, escrevi umas coisas que vou publicar o mais depressa possível. Tem que ser em post porque quero publicar duas fotos que, como de costume, dizem mais sobre este assunto que mil palavras…
Mas será que temos sempre razão? Será que os outros são estúpidos? E todos eles? E sempre?
Estranha conclusão. Parto do principio que são perguntas retóricas.
O espírito de seita é confortável mas deixa pouco espaço à dúvida,
O espírito de seita? Qual seita? Deixo esta à sua conta.
O espaço para a duvida, foi o principio desta conversa, em que o CdR, parecia estar possuído da verdade revelada.
É verdade que a ironia e o sentido de humor, nas está distribuído irmãmente. O CdR, Já me tinha apontado, esse gravíssimo pecado. Passou-me. Por penitencia, não voltarei a incomoda-lo.
Go_dot disse: ”Parto do principio que são perguntas retóricas.”
São perguntas retóricas.
Go_dot disse: ”Qual seita? Deixo esta à sua conta.”
Ponha na minha conta, não me importo já estou habituado. A seita que chama estúpidos (ainda por cima sem humor) a todos aqueles que têm uma opinião que varia cinco centímetros da deles… Je persiste et je signe, je m’appelle c d r .
Go_dot disse: ”… o CdR parecia estar possuído da verdade revelada..”
Tenho uma impressão contrária. Infelizmente pareço ser o único aqui que de vez em quando dá o braço a torcer, ou mesmo publica textos que não estou inteiramente de acordo.
Go_dot disse: ”… É verdade que a ironia e o sentido de humor, nas está distribuído irmãmente.”
Contra isto batatas. É como o tamanho da pixa, temos que nos acomodar. Mas o problema é outro. A falta de humor é geralmente mais uma atitude do que uma verdadeira carência. Quando se quer ver constantemente adversários prontos a dar-nos uma facada, vemos sempre adversários prontos a dar-nos uma facada…
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