It is quite gratifying to feel guilty if you haven't done anything wrong: how noble! (Hannah Arendt).
Teste
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
"DAR TESTEMUNHO"
DAR TESTEMUNHO
(Os textos seguintes foram originariamente dados a lume no Fórum do Diário de Notícias”)
“O POVO, NUMA DEMOCRACIA, É SOBERANO”
Alexis de Tocquevile
1. Vilaverde Cabral, sociólogo, veio a público num acto de retórica em que se tornou conhecido acumular razões para dizer que os políticos (manifestamente referia-se ao ex-premier lusitano) não deviam ser responsabilizados criminalmente por, a seu ver, não terem culpa de erros de governação cometidos durante os seus consulados.
Venho dizer, também aqui, a Vilaverde Cabral: o que se pretende, e deve ser julgado nos ex-políticos, (concretamente Sócrates e seus ajudantes, para começar) não é o terem cometido erros, incompetências e mediocridades. É terem malversado e malbaratado, por abuso de poder e arrogância culposa, o erário público.
No limite, terem depredado e alegadamente roubado, por sentimento de impunidade, o património de que deviam cuidar por imperativo constitucional.
Isso é de delito comum!
Não é possível que Vilaverde Cabral não saiba isto.
Portanto, o que diz visará apenas eventualmente eximi-los à Lei e torná-los impunes.
E isso é lamentável.
2. (Minutos depois de ter passado a limpo este texto, os órgãos de comunicação começaram, com grande soma de pormenores – que vão continuar a ser emitidos nas diversas estações de rádio e televisão e em cadernos específicos de jornais e revistas – a difundir que o ex-deputado, ex-governante e ainda figura poderosíssima do milieu político nacional Duarte Lima tinha, após aturada investigação de meses, sido formalmente acusado pela Promotoria brasileira do assassinato de Rosalina Ribeiro, abatida com vários tiros na região de Maricá, em circunstâncias especialmente penosas por, conforme consta do despacho, se ter recusado a assinar um documento que garantia ao indivíduo em causa a apropriação de mais de cinco milhões de euros.)
Comentei como segue:
O caso deste indivíduo, barão da política - arrogante, prepotente e hábil gestor de jogadas claras ou obscuras de acordo com os mídia - é paradigmático. Por isso, não estranha ver que aparecem aqui escrevinhantes, sem ele ter sido julgado, defendê-lo acerbamente como inocentinho...apesar do seu currículo dar que pensar a quem tivesse um pouco de argúcia.
Sejamos claros, embora moderados: este teve alegadamente necessidade de matar. Mas o pior é o acervo dos que não precisam de matar com sangue para "matarem o quotidiano" e nos irem matando na prática. Em "O crime e a sociedade", ensaio publicado aqui e lá fora, vem tudo explicado. É assim o dia a dia numa "sociedade criminal"! Está em linha/arquivo no TriploV e pode lê-lo facilmente.
A Promotoria brasileira descreve-o como arrogante e prepotente. Pois é... Os brasileiros dizem isto, mas por cá (basta ler-se e ver-se na santa TV os amigos ou conhecidos do homem a "amaciarem" as coisas) é um prestigiado advogado, um cordialíssimo senhor e, acima de tudo, um cristão devotado, um cidadão de fina estirpe católica e uma mais-valia na magnífica sociedade lusa.
Tenho a certeza de que será nem digo absolvido pois nem a julgamento irá, seguirá sendo um esteio social respeitado e passará um resto de vida regalado.
O destino velará por ele...e não só!
3. “Sócrates pede a deputados para chumbar o OE – dos jornais”. O ex-premier telefonou a deputados da sua linha para que votassem contra o orçamento de Estado, para não dar razão ao “desvio colossal” que se lhe atribui.
Não se estranha, mas entranha-se - parafraseando com dolorosa ironia a célebre frase de Fernando Pessoa. A quem tivesse dúvidas sobre o carácter político deste senhor, a expressão do seu sentir aqui fica na pura claridade...
Que mais dizer para o caracterizar? Creio que o acto é por si só suficiente.
E, para maior e mais exacta definição, referir que A.J.Seguro - como diversos mídias se têm feito eco - na realidade é no PS um mero eventual enquanto líder, uma quase figura decorativa para os embates imediatamente a seguir ao exílio de Sócrates, que é na verdade quem continua a mandar nesta formação partidária. Repare-se que após ter sido desmascarado o seu mau governo (digamos sem crueldade...) ninguém ali se atreve a criticá-lo!
Continua a ser, indubitavelmente, no coração político dos mais potentes, o seu deles “menino de oiro”, apesar de já não ser, pela circunstância que o ultrapassou (ter sido varrido eleitoralmente) o “animal feroz da política”. Agora será apenas, eventual e alegadamente, um tigre de papel que contudo continua a querer arranhar a nação…
Resende
O autocarro teimava em não querer andar. A caixa de velocidades berrava, cheirava a queimado, as mudanças não entravam, o autocarro andava mais para trás que para a frente. De cada vez que parava era a fita total para voltar a engrenar uma mudança. Muito embora fosse óbvio que a caixa de velocidades do autocarro estava partida, o condutor assegurava que tudo estava bem. A cada nova mudança um novo regabofe de rodas dentadas triturando-se mutuamente.
O condutor parecia não ter autonomia para decidir que fazer, ao telemóvel pedia que alguém por ele decidisse e a marcha continuava, atribulada com cheiro a queimado.
Os passageiros, dezenas, começavam a fica preocupados. Na auto-estrada a necessidade de evitar usar a caixa de velocidades fazia com que o condutor fosse fazendo gincana para manter uma velocidade uniforme ziguezagueando por entre o tráfego tanto quanto possível.
Os passageiros começaram a exigir que o autocarro fosse parado numa área de serviço e trocado por outro. O condutor, ao telefone e aparentemente por instruções do chefe dele, ia fazendo orelhas moucas. Dizia que iria parar na próxima mas as “ordens” do chefe pareciam ditar que toda aquela gente teria que participar numa catástrofe.
Com o sempre presente cheiro a queimado o ambiente começou a toldar-se. Os passageiros começaram a falar grosso e a ameaça ligar para o 112 para informar a Policia que um autocarro desgovernado conduzido por um louco ao serviço do seu não menos louco chefe de uma irresponsável empresa ia avançando rumo a um destino fatal. Finalmente o autocarro parou finalmente numa área de serviço onde, pouco tempo depois, chegou um autocarro de substituição.
O autocarro avariado já dali não conseguiu sair tendo o ?condutor? seguido também no autocarro de substituição. Se o chefe dele ali tivesse aparecido teria levado porrada.
A viagem prosseguiu sem mais incidentes.
domingo, 30 de outubro de 2011
Coisas do Dr. Jagodes
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“UM INVERNO GLORIOSO”
Do Gabinete Internacional de Relações Públicas (Gabirela) do Professor Doutor José Jagodes, remetido pelo seu assessor e hoje director da sua task force de guarda-costas Comandante Tomás Figueira, recebemos tal como aliás os principais órgãos de informação mundiais o seguinte Comunicado, que passamos a dar, em praticamente primeira mão, aos nossos leitores amigos e mesmo inimigos ou nem tanto.
Recorde-se que o Comandante Tomás Figueira, que é hoje por hoje o delegado e subsecretário-geral, junto à Onesco, das Associações Vigiadas Pelos Serviços Semisecretos, foi o relator do livro branco elaborado no âmbito das investigações governamentais despoletadas pela descoberta fortuita de que agentes duma prestigiada Corporação se entregavam ao acto, a nossos olhos meritório, de estabelecerem verbetes exaustivos sobre todo o cidadão que piasse (praticamente a totalidade da população adulta em exercício) verbetes esses que foram posteriormente fornecidos, para não se inutilizar o trabalho, às secretarias das apostas mútuas, que assim puderam ver os seus ficheiros actualizados (tendo retirado, claro, os muitos pormenores íntimos que neles constavam).
Segue a importante peça estórica:
“Caros concidadãos, salvé!
Volto de novo ao vosso contacto neste Inverno glorioso (que ainda é Outono, mas a meteorologia é felizmente incontrolável e, a propósito, a manifestação antecedendo a Greve Geral é já no dia 24 pf), para desde já desfazer uma atoarda, entre várias outras que aliás garanto nem tiveram origem no gabinete do Monteiro – atoarda essa que rezava ter eu passado à clandestinidade uma vez que, conforme referiu prudentemente o Dr. Rui Rio na Rádio e no JN e cito “parece que se aproxima o fim do regime”.
Desminto formalmente.
E desminto com tanto maior vigor quanto é bem conhecido, podendo mesmo ser atestado por muita gente incluindo os polícias que ciclicamente espreitram o meu chalé/casa de campo sito nos arredores do Bois de Boulogne, que todas as manhãs bem cedinho, aí pelas 11 horas TMG, saio do lar para ir dar as minhas aulas na Sourbonne, onde como se sabe rejo Mecânica Existencial (não correspondendo também à verdade que estaria a dar explicações particulares de Filosofia Peripatética, fora do meu período de serviço oficial, a um moço muito conhecido nos arredores de S. Bento e de Bruxelas que neste momento desempenha o cargo de representante do Brasil, para efeitos comerciais e de prestígio, junto do milieu parisiense absolutamente legal.
Admito que a atoarda, que inclusivamente e sem maldade foi referida até pelo consabido professor Marcelino Ribeiro da Silva no seu programa humorístico domingueiro “As ópiniães do Marcelino”, teria partido duma frase minha emitida durante uma conversa telefónica privada com um confrade alentejano, frase essa que uma vez relatada aos chefes do agente e plantada argutamente no mídia habitual, deu origem ao boato.
Mas nessa conversa, que sem temor e porque não tenho nada a esconder como o não tem 20 por cento da população, aqui dou com toda a frontalidade, eu limitara-me a dizer fazendo referencia ao meu querido e actual Sporting e à onda de bons resultados que já vai nas nove vitórias consecutivas que e auto-cito “isto não está para brincadeiras e piadas e chegou a altura de passarmos ao ataque”.
Como qualquer pessoa bem formada, conhecedora dos meandros do futebol e, mesmo, do contexto em que a frase foi pronunciada, facilmente podia conferir, eu fazia alusão à necessidade de gravidade nos treinos e nos derbys para o grande clube de Alvalade aspirar a ser mais uma vez Campeão Nacional.
Os operacionais, que muito possivelmente torcem por um qualquer clube nortenho rival, não tinham o direito de distorcer, como segundo os periódicos usam fazer com frequência (e não estou a citar o Marinho Ipinto) a minha frase inteiramente inocente.
Mas quiseram, de forma tortuosa, dar a entender que eu achava que a malta devia começar a preparar-se para a bernarda, nomeadamente vigiando associações magistrais e irregulares, bem como as outras que não vou aqui referir e que, no anterior consulado do actual habitante de Montparnasse ou de Montmartre, tantos bons serviços prestaram à quadri…ou seja, aos locatários dos edifícios do Terreiro do Paço.
Independentemente disso, já agora refiro, já que me falaram no assunto, que o Dr. Rui Rio, sendo para além de presidente da mais importante autarquia do País (outros dizem que não, que a mais importante é Vila Nova de Gaia e, outros ainda mas em menor número, Lisboa) e também um cidadão bem informado, deverá ter as suas razões para fazer aquela futurologia, pelo que – pois cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém – talvez seja prudente conservarmos um estadulho ou mesmo uma moca alentejana detrás da porta. Mas isto sou eu a falar…
Recebam, caros concidadãos e meus futuros votantes (pois a revelação em primeira mão aqui fica: vou candidatar-me às eleições para Presidente da República Ibérica, que segundo outro que não o Rui Rio sucederá ao actual reino de Portugal depois da bernarda), recebam dizia eu os protestos da minha profunda estima e, já agora, porque calha em conversa, olhem que a Greve Geral começa já no dia 24 pf, embora antecedida por uma manifestaçãozita).
Com amor patriótico proto-existencial, fica o vosso
José Jagodes (Esquire, Ph.D. e M.D)
sábado, 29 de outubro de 2011
Convocados pela crise*
Os funcionários públicos e os empresários vieram para a ribalta. De ambos espera-se o mesmo: que paguem a crise. Os primeiros ganhando menos. Os segundos investindo mais. Comecemos pelos empresários. Não há como uma crise para que o país se volte para o sector privado e lhe pergunte pelos lucros, pelos investimentos e pelos postos de trabalho. Todos aqueles políticos, sociólogos e legisladores que nos tempos de abastança olham sobranceiramente para o sector privado como se este estivesse contaminado pelo princípio do lucro, que inventam dezenas de taxas, licenças, certificações e comprovativos que mantenham sob a rédea estatal a actividade económica, uma vez chegada a crise mostram-se despeitados pelo facto de os privados não estarem a gerar riqueza. Como as empresas privadas não nascem assim por invectiva do pensamento mágico, as fases seguinte destes estatistas à beira de um ataque de nervos pelo decréscimo do dinheiro que sustenta aqueles serviços ditos gratuitos e projectos intervencionistas tanto do seu agrado passa, em primeiro lugar, por sugerir aos empresários que invistam em projectos da rentabilidade tão óbvia mas tão óbvia que só apetece perguntar àqueles que assim falam porque não aplicam eles mesmos as suas poupanças em tais empreendimentos. Em segundo lugar vem a acusação de que o governo não tem um plano que faça crescer a economia ou que tendo-o ele não funciona (note-se que nos dezanove governos constitucionais da democracia e nos seis governos provisórios de tutela militar não houve um executivo que no seu programa não se propusesse apoiar o crescimento económico e que para esse apoio não tivesse um plano de crescimento. E vê-se onde chegámos!). Por terceiro e último entra-se na fase do desespero: acusam-se os empresários portugueses de serem dos mais atrasados e menos qualificados da Europa e de sobretudo parecerem destituídos de ambição, como se se tivessem conformado com o que têm. Às vezes a zanga é tanta que quase se é levado a acreditar que há quem se sinta tentado a adaptar a figura pretérita dos trabalhos forçados à dos empresários forçados.
Curiosamente, enquanto na crise se sugere, implora e exige aos empresários que sejam empresários, que sff tenham lucros milionários e que constituam grandes grupos económicos, aos funcionários públicos pede-se-lhes que se esqueçam que o são. Coisa absolutamente irrealista pois sendo o despedimento uma impossibilidade técnica na função pública como poderá alguém esquecer que é uma das raras coisas que além de ser para toda a vida ainda lhe garante um estatuto relativamente privilegiado?
Convém recordar que os funcionários públicos têm mais dias de férias do que os trabalhadores do sector privado; trabalham menos horas e só há três anos foi possível que o sistema de cálculo das suas pensões passasse a ser associado à esperança média de vida. Quanto à idade da reforma, que era de 62 anos para os funcionários públicos e 65 para o sector privado, foi necessário que chegassem os PEC e seguidamente a troika para que se acelerasse o calendário de convergência entre os dois sectores. Ser funcionário público é ainda particularmente vantajoso para quem tem menos habilitações pois ganha mais do que se estivesse no sector privado. Claro que isto não teria relevância de maior, caso os funcionários em funções públicas não se contassem pelas centenas de milhar e muito particularmente se o pagamento dos seus ordenados não dependesse do esforço dos contribuintes. Estas duas circunstâncias garantem privilégios e protagonismo aos funcionários públicos naqueles momentos em que os governos acreditam ou querem fazer acreditar que tudo vai bem – em 2009, quando o sector privado já estava a apertar o cinto, os funcionários públicos tiveram aumentos de 2,9% – mas torna-os no bode expiatório da questão quando o dinheiro acaba. Nesses momentos o que anteriormente era banal ganha foro de escândalo. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu aquando da divulgação dos números do absentismo de 2010 nas três principais direcções regionais de educação: as 750 pessoas que ali trabalhavam registaram seis mil dias de ausência ao trabalho. Nesse mesmo ano, 2010, os encargos com o pessoal nestas três estruturas estatais ultrapassaram os 23 milhões de euros, dos quais 57 mil em prémios de desempenho. Apesar dos seis mil dias de ausência ao trabalho parecerem um escândalo em 2011, a verdade é que nos anos anteriores o absentismo até fora superior. Só que então tudo isso e muito mais aparecia se não como normal pelo menos como uma natural fatalidade.
Para cúmulo do estereótipo os funcionários em funções públicas chegam a esta crise representados por delegados sindicais que são eles mesmos um grupo fechado, constituído por pessoas que se mantêm há anos e anos afectos a funções sindicais, nas mais das vezes completamente desligados daqueles que dizem representar e com um discurso que é invariavelmente o mesmo: os trabalhadores estão sempre a perder qualquer coisa e estão sempre a ser vítimas de mais um ataque. Uma mudança de instalações, uma tecnologia diferente ou a mais leve reformulação dos serviços são sempre apresentadas como uma ameaça aos direitos dos trabalhadores. Já a arrogância do poder não os preocupa desde que se mantenha o que designam como direitos e por isso não vimos os sindicatos dos professores questionando a legitimidade do Governo Regional da Madeira para avaliar administrativamente os professores, pela simples razão de que nota atribuída foi Bom.
É fácil concluir que toda esta discussão sobre o que se espera dos empresários e dos funcionários públicos devia ter sido possível antes, e não estar a ser feita agora na urgência de arranjar o dinheiro que não existe. (Cabe perguntar se sem esse sentimento de urgência seria possível mudar alguma coisa: por exemplo, o Tribunal Constitucional que em 2010 aprovou sem mais os cortes aos salários dos funcionários públicos, em 2002 considerou inconstitucional a proposta da então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, para penalizar as reformas antecipadas). Mas já que foi assim que aconteceu não esqueçamos uma vez terminado este calvário que não somos um país rico e que ninguém nos paga não só as crises mas também as consequências do que inscrevemos no “Diário da República”, sejam direitos que não se podem sustentar sejam os planos dos nossos governos para fazer Portugal crescer.
*PÚBLICO
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Da morte de Kadhafi e do Tribunal de Haia
VIVA A MORTE DA TIRANIA
1.
A morte brutal de Muamar Kadafi, registrada em vídeo, levou a que vários comentaristas questionassem sua legalidade. Não vou perder tempo analisando as platitudes genéricas e politicamente idiotas que o governo brasileiro sempre manifesta nessas horas, tentando manter a imagem de país ultra-humano ou humanista ou legalista ou o que seja, quando é, na realidade e no dia a dia, um dos países mais brutais e ilegalistas do mundo. Enfim, Dilma Doucheff afirmou que “Não se pode comemorar a morte de nenhum líder”. Dito assim, não se poderia comemorar a morte de Adolf Hitler... A frase não comporta outro adjetivo além de imbecil. Não por acaso, Obama declarou que o mundo fica melhor sem Kadafi. Concordo. E por isso comemoro sua morte. A questão relevante, porém, não é se se pode ou deve comemorá-la, mas se ela foi legal. No sentido popular do termo, não tenho dúvida que sim. Em termos jurídicos, é mais complicado.
Muitos líbios afirmaram que a morte de Kadafi encerra de modo correto, e portanto legítimo, seu período histórico, abrindo assim as portas para uma nova fase. Enquanto muitos analistas ocidentais disseram que, ao contrário, sua morte ilegal mancha de ilegalidade e de uma atitude antidemocrática o reinício líbio.
Começando pelo antidemocratismo dessa morte, ele residiria no fato de se tratar uma execução política sumária, o que democracias não fazem. Trata-se, porém, de uma inversão da relação de causa e efeito. Democracias não fazem isso, de fato. Mas desde quando a Líbia é uma democracia? Ah sim: deveria começar a sê-lo no próprio ato hiper-simbólico da captura do tirano deposto, assim como os nazistas foram levados ao Tribunal de Nuremberg... É ainda a mesma inversão. Pois as potências aliadas, com exceção da URSS, eram democracias. Logo, se tal decisão é desejável e quase inevitável em se tratando de democracias vitoriosas, não vale para a Líbia. O problema fundamental da Líbia pode ser resumido, aliás, como a falta absoluta de democracia. E o responsável por isso tem nome, Muamar Kadafi, déspota nada esclarecido ao longo de 42 anos. Sua morte, de fato, nada teve de democrática. Até porque, neste sentido, não poderia ser diferente.
Quanto à ilegalidade dessa morte, posto que o governo líbio fora declarado ilegítimo pela insurreição popular e por decreto da ONU, que reconheceu o Conselho Nacional de Transição (CNT), os únicos tribunais possíveis eram os revolucionários, dos próprios rebeldes, e o de Haia. Como tribunais revolucionários são tribunais de exceção, e como justiça de exceção não é justiça, restava apenas o caminho de Haia.
Mas esse caminho estava, na verdade, desde sempre fechado. Uma importante liderança do CNT matou a charada: declarou que o Tribunal de Haia “não servia”, porque não previa a pena de morte. Isso não quer dizer que Kadafi estivesse condenado a ela a priori. Neste caso, tal porta-voz sequer consideraria um tribunal. O que ele manifestou sintética e inequivocamente foi que, para Kadafi ser levado a julgamento, a pena máxima deveria ser uma possibilidade. Caso contrário haveria, agora sim, um a priori: a de que sua vida estaria salva. O que não era politicamente possível.
Ao contrário da declaração belamente inócua do governo brasileiro, não só se pode comemorar a morte de certos líderes, como é inevitável desejá-la. Porque esse desejo nasce e é alimentado pelo sofrimento monstruoso e pelo medo atroz que tal líder impôs a partes importantes da população. Quando isso acontece, o desejo de vê-lo morto torna-se uma manifestação política. Além disso, uma manifestação política legítima, porque representativa de anseios mais do que legítimos de parcela importante da população.
É aqui que toda a argumentação sobre a legalidade exclusiva e portanto condicionante de Haia, que condena automaticamente qualquer ato realizado à sua revelia à ilegalidade, se torna quase tão inócua quanto a declaração do governo brasileiro. Porque Haia não é, como pretendem subentender seus defensores incondicionais, um tribunal comum.
2.
Apenas para um tribunal comum, que julga segundo a letra da lei atos ilegais previstos por essa mesma lei, vale toda a argumentação sobre o necessário condicionamento legal dos julgamentos perfeitamente jurídicos. Acontece que Haia é um tribunal político, que julga crimes políticos praticados, senso lato, contra o povo, ou contra a própria humanidade, no caso do crime de genocídio. Ignorar que Haia é um tribunal político, temendo com isso abrir as portas para o questionamento de sua legitimidade, é a forma mais forte de questionar sua legitimidade, que não pode então ser sustentada às claras. Haia é um tribunal político porque instituído não por uma Lei fundamental, uma Constituição, votada democraticamente, sequer por um Estado legítimo, mas sim por um órgão político, uma assembleia não eleita de líderes, indiferentemente democráticos e ditatoriais, legítimos e ilegítimos, a ONU. E porque julga crimes políticos praticados por lideranças políticas. Haia é um tribunal político sob todos os aspectos.
Seus defensores pretendem lhe garantir robustez metajurídica afirmando que, à diferença de Nuremberg, tribunal ad hoc instituído pelos vencedores sem qualquer ordenamento jurídico prévio, ou seja, um tribunal de exceção, Haia foi votado pelo ONU e se baseia em tratados (leis) internacionais. Mas isso apenas lhe retira o caráter de tribunal de exceção. Não pode, pois nada pode, lhe retirar a natureza de tribunal político. Afinal, por que criminosos comuns não são julgados em Haia?
O Tribunal de Haia deve ser defendido, mas não por uma suposta legalidade perfeita. Ao contrário. Sua defesa só pode ser e deve ser política. Defender o Tribunal de Haia significa, na verdade, defender uma forma de fazer política, ou seja, a democracia representativa e o Estado de direito. Porque Haia só pode julgar tiranos. Um líder eleito, porque eleito, é um líder legítimo, além de agir, como regra, dentro da lei. Não significa que líderes eleitos não possam cometer crimes (Hitler foi eleito). Mas significa que, enquanto se mantiverem dentro da legalidade e da legitimidade política, não as confrontando (e não se tornando, assim, tiranos, como Hitler ao dar um golpe de Estado), seus crimes eventuais podem e portanto devem ser julgados em seu próprio país, então um Estado de direito. Nada disso vale para um tirano e para uma tirania. Daí Haia existir para julgar tiranos em geral, além de criminosos de guerra em particular.
Mas se Haia é um tribunal político, não há como defender suas disposições legais apenas juridicamente. O porta-voz do CNT líbio que declarou sua não serventia, por não prever a pena de morte, fez um questionamento político perfeitamente legítimo.
3.
Costuma-se invocar os direitos humanos e seu universalismo (o que não é o mesmo que universalidade) para sustentar, igualmente, a legalidade inquestionável do banimento da pena de morte. Mas isso sequer é um fato: a pena de morte não foi banida da imensa maioria dos países, todos eles signatários das declarações da ONU envolvendo os direitos humanos. A pena de morte continua em vigor nos códigos e nos tribunais militares da maioria desses países. Afirmar que ela foi banida da maioria dos países, e que deve inclusive por isso ser banida de todos, é meramente falso. Ela foi banida de seus códigos civis. Mas os códigos civis não representam a totalidade dos códigos da maioria dos países, que possuem forças armadas. Trata-se de uma omissão deliberada, que falseia toda a discussão.
Colocando na balança o fato de que, em seus tribunais militares, a maioria dos países mantém a pena de morte, por exemplo, por crime de traição em tempo de guerra, a maioria dos países mantém a pena de morte. Isto, somado ao fato de que se trata de um tribunal político, mina os argumentos dos criadores de Haia e de seus defensores também quanto às suas penas. O banimento da pena de morte nada tem de necessário, ideal etc. Mais uma vez, a manifestação do porta-voz do CNT líbio mostra-se correta. Haia não serve a priori ou necessariamente, apesar do que pretendem seus defensores. Portanto, não condiciona a legitimidade ou a legalidade.
Há, de fato, circunstâncias políticas que questionam o tribunal internacional a partir de sua própria natureza política (das circunstâncias e do tribunal). Tais circunstâncias podem levar a atos que, se não são legais, pois não previstos por lei nem executados por um tribunal regular, nem por isso são necessariamente ilegais, posto que Haia não detém, por sua politicidade, um condicionamento legal perfeito, automático ou absoluto. Esses atos talvez fossem melhor definidos como alegais, à semelhança de amoral em relação a imoral. Entre tais circunstâncias e tais atos, destaca-se a morte de um tirano.
Como um tirano, por definição, é a morte da liberdade e da legitimidade, não é falto de razão o argumento que afirma ser sua morte, se não o renascimento em si da legitimidade e da liberdade, das condições para o parto. Mesmo porque, um tirano, também por definição, personaliza o poder e personaliza o Estado. Ao personalizá-los, sua sobrevivência e sua morte deixam de ser um fato comum para se tornar um fato político. Neste sentido, nada pode ser mais legítimo do que a morte de um tirano. Mesmo porque, nada pode ser mais democrático do que o fim de uma tirania. E a morte da tirania, pela própria natureza desse regime, comumente passa pela morte do próprio tirano.
Kadafi foi, circunstancialmente, capturado vivo. Mas, em primeiro lugar, jamais renunciou ao poder, ao contrário, até o fim reafirmava sua condição de Grande Líder e demandava a morte de seus oponentes. Em segundo lugar, como poucos tiranos atuais, Kadafi tornou-se, ao eliminar qualquer forma de organização política e civil, a personificação mais acabada do Estado ilegítimo que comandava. Sua morte não é apenas politicamente compreensível. Ela é, também politicamente, perfeitamente comemorável.
4.
O vídeo mais detalhado da morte de Kadafi demonstra que, ao contrário do afirmado pelo CNT, ele não morreu em um tiroteio, mas foi, de fato, capturado, agredido, linchado e executado. Em certo momento, de joelhos, rendido e com o olhar mudo, com um misto de medo, compreensão e incompreensão, o rosto e os cabelos ensanguentados, lembra certas figuras de tiranos shakespeareanos caídos, como em Titus Andronicus, Ricardo III e mesmo Macbeth. O que, naturalmente, nada diz de seu caráter trágico (ele era apenas grotesco, além de insano, pequeno usurpador de um país apequenado), mas sim da monstruosa capacidade criativa de Shakespeare. Ao mesmo tempo, as imagens lembram as fotos do fim semelhante de Mussolini. Mussolini que, a depender do governo brasileiro e dos defensores “apolíticos” de Haia, não seria linchado e morto, mas entregue a um tribunal para ser depois encarcerado. Com isso, se feriria de morte a reconstrução italiana pós-Segunda Guerra, pois as forças fascistas seriam muito mais dificilmente desbaratadas. Seria tragicamente injusto com a Itália e com o povo italiano. Prefiro a “injustiça” aplicada ao tirano.
A intervenção na Líbia
Tentando responder à pergunta do JPP, qualquer observador desapaixonado percebeu que a intervenção da NATO não se destinou a “proteger civis” e que este objectivo serviu apenas como eufemismo politicamente correcto através do qual o vício pagou tributo à virtude.
Também é claro como a água que o que aí vem é, com grande probabilidade, um poder tão ou mais hostil do que o de Kadafi, e certamente mais duradouro, porque enraizado na visão maniqueísta típica do Islão (Dar al Islam versus Dar al Harb).
Não é razoável que os poderes ocidentais ignorassem estas realidades. Elas eram óbvias a qualquer pessoa minimamente interessada nas relações internacionais.
A questão que, no fundo, Pacheco Pereira coloca é: porque razão se avançou nesta direcção?
Ele fala de hipocrisia, num tom claramente condenatório, e no fundo, acaba por falar do petróleo.
A meu ver há duas respostas possíveis:
1- O petróleo e o gás.Neste momento já não tenho tantas certezas. E temo que, a existir tal objectivo, se tenha criado um monstro que está a escapar ao nosso controle e que pode muito bem vir inverter os papéis que estavam no guião.
O que está a acontecer no Norte de Africa é o pior dos pesadelos. Líbia, Tunísia e Egipto vão cair maduros nas mãos da Irmandade Muçulmana e seus proxies. Nada de bom podemos esperar a não ser, talvez, o definitivo acordar dos líderes europeus para a ameaça muçulmana, de fora e de dentro que, desde há 1300 anos, com avanços e recuos, tem a Europa como natural objectivo.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Desbroncando ...
Das duas uma. Ou era uma orgia homossexual ou maioritariamente homossexual. Casal hoje ... vale tudo.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
A crise do capitalismo?
150 anos depois de Marx profetizar para daí a pouco, a crise final do capitalismo, os seus seguidores, conscientes ou inconscientes, voltam à carga com o ódio ao capitalismo e com a “exigência” do seu desmantelamento. Pelo mundo fora, rebanhos de “indignados”, regurgitam os mesmos slogans de há 100 anos, acusando o capitalismo de todos os males.
É fácil, cómodo e mentalmente preguiçoso, acusar abstrações, mas acusar o capitalismo pela crise em que nos debatemos é como acusar o tráfego pelos acidentes.
Quem são então os responsáveis, por uma coisa e outra? As pessoas, é óbvio.
As pessoas que conduzem mal e as pessoas que abusam do seu poder ou da sua informação, na política e nos negócios.
O capitalismo é, até à data, em toda a história da humanidade, o melhor sistema que inventámos para criar riqueza, bens e serviços.
Não, não tem uma moralidade intrínseca, para além da liberdade que nos dá de fazer as nossas própria escolhas, sejam elas certas ou erradas.
Isso é bom, sob o ponto de vista moral, porque estimula a criatividade e esta traz benefícios que acabam por melhorar a vida de todos. Mas, não tendo o capitalismo uma regra moral intrínseca, é evidente que o abuso da liberdade pode conduzir à anarquia.
Foi isto que aconteceu? Foi a ganância de Wall Street , referida aqui como metáfora do mercado, que catalisou esta crise? Foi o mercado que falhou?
Rotundamente, não!
Na raiz do problema estão as distorções que as intervenções do estado, seguramente bem intencionadas, provocaram no funcionamento dos mercados, a saber:
- A inundação do crédito barato, sob a batuta da Reserva Federal americana, no rescaldo do crash das dot.com.
- A decisão política da Administração Clinton de, através das agências Fanny Mae e Freddie Mac, conceder triliões de dólares de crédito de risco, garantidos por hipotecas sem valor. A ideia de Clinton era garantir que todos os americanos pudesse ser proprietários da sua casas, mesmo que não pudessem pagar por elas.
Estas hipotecas incentivadas pelo governo federal e, por isso, tacitamente aceites como garantidas por ele, serviram de base à criação de imensos derivados, vendidos e revendidos numa pura lógica de mercado. É assim que funciona o capitalismo...constrói bens a partir dos materiais que tem à disposição e foi o governo que lhe colocou na mesa os materiais adulterados.
A ganância e a necessidade de sobreviver num mercado distorcido, fizeram o resto, mas disto não se pode acusar o capitalismo, apenas as pessoas.
É mais justo condenar o cabrito por comer a relva, ou quem lha pôs ao alcance? Devem condenar-se os indivíduos que aproveitaram as oportunidades, ou o estado que lhas colocou à frente e que, praticamente, lhas enfiou pela garganta abaixo?
Mas a esquerda anti-capitalista está-se nas tintas para estes factos inegáveis e profusamente referenciados, principalmente porque odeia o lucro. Este ódio busca raizes na ideia marxista de que o lucro é, por definição, o resultado da exploração do homem pelo homem. É, portanto, uma coisa má, um pecado mortal que merece condenação e ódio.
Assim sendo, os esquerdistas consideram como irrelevante o facto de o capitalismo ter melhorado para níveis inéditos as condições de vida de centenas de milhões de seres humanos. E, ainda que o socialismo tenha falhado rotundamente esse mesmo objectivo, em todas as latitudes onde foi experimentado, de algum modo acreditam que o socialismo é que há-de ser a solução. Trata-se de uma Fé, por definição imune aos factos e que perdura apesar deles.
Quando estes “indignados” protestam contra o capitalismo, estão a errar o alvo por muitas milhas. Os monopólios, os corporativismos, os negócios patrocinados pelos favores polítcos, são a antítese do capitalismo, entendido como mercado livre, sujeito apenas às regras de funcionamento que o tornem eficaz e fiável ( e essas regras sim, têm de ser vigiadas e aplicadas pelo Estado). Onde há monopólios não há competição e, por sistema, os preços sobem, os salários baixam e os bens e serviços perdem qualidade.
Muitos destes indignados são indivíduos genuinamente preocupados com o seu futuro, mas que não se apercebem que estão apenas a servir de testas de ferro e figurantes, numa peça regida por activistas profissionais, movidos pelo puro ódio ideológico ao capitalismo.
Nas universidades, tomadas de assalto pelos intelectuais orgânicos inspirados por Gramsci, estes jovens são endoutrinados nas velhas noções marxistas da luta de classes, amalgamadas no niilismo da pós-modernidade. Incapazes de perceber como funciona o sistema em que vivem, são facilmente manipulados pelas raposas velhas do activismo esquerdista, de resto bem financiadas, por dinheiros milionários apostados na destruição do sistema que os gerou. O caso de Soros é conhecido e está por detrás de centenas de organizações apostadas na implementação do socialismo, desde ONG's a estações de rádio e televisão.
Os problemas que esta gente pode criar não irão destruir o capitalismo, nem trazer novamente o desacreditado socialismo. Apenas criar caos, desordem, destruição e pobreza.
É esse, aliás, o objectivo do grande mentor do movimento “Occupy Wall Street”, o radical esquerdista, Stephen Lerner.
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Um dos pilares do liberalismo e do mercado livre, é a constatação, colhida da prática, de que a concorrência, a livre formação dos preços, ...
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Crise. Recessão. Depressão. Agora é que vai ser: os EUA vão entrar pelo cano e nós atrás deles. Talvez para a próxima. Para já, e pelo trigé...