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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Informação, desinformação e contra-informação (1)

Recebi, de Nicolau Saião, dois textos que, no seu conjunto, formam uma unidade. Achei interessante divulgá-los, cada um deles dividido em duas partes, a primeira das quais aqui deixo hoje.


DETRÁS DA CORTINAA Contra Informação

Subsídios para um conhecimento

“ - A questão – disse Alice – está em saber se tu podes fazer com que as

palavras tenham o sentido que tu desejas que tenham.

- A questão está em saber quem é que manda – retorquiu Humpty Dumpty”

Lewis Carrol

A contra-ínformação consiste na arte de fazer do preto branco e do branco

preto… e vice-versa”

Jacques Bergier

“Uma imaginação muito viva reduz tudo a uma brincadeira de crianças”

Sir Charles Belfrage

Introdução

Winston Churchill disse um dia, no decorrer dum debate parlamentar, que a política era a arte de através de conceitos acertados fazer previsões adequadas e, depois, conseguir explicar bem porque é que tudo falhou…

Pois bem. Em traços largos, a contra-informação é a “técnica artística” de justificar, explicar, esbater, transformar e melhorar os factos desse falhanço, levando a população, ou determinados sectores dela, a considerar que os acontecimentos, afinal, traziam dentro deles um confirmável sucesso possibilitado pelas qualidades de quem os pôs a correr, ou seja os seus fautores, em geral governantes ou operadores públicos de topo.

Antes de passarmos a considerar os vários continentes em que se exerce a contra-informação (laica, fideísta, oficial e oficiosa, departamental ou global, etc.) interessa definir os tipos sociais que a configuram: legítima ou ilegítima, governamental e particular (nos diversos ramos societários: científicos, desportivos, artísticos, económicos e industriais – uma vez que a partir dos princípios do século vinte a contra-informação se sofisticou, desenvolveu e plurifacetou, não só devido à expansão dos meios existentes como à criação de outros – jornais de grande tiragem, rádios com apelo nacional, cinema, televisão e, por último, o universo interactivo.

Em suma: os meios que possibilitam a manipulação quase instantânea do consciente e do inconsciente colectivo, que é o mundo para o qual a contra-informação aponta. Pois a contra-informação é antes de mais, nua e cruamente e como diria La Palisse, o contrário de informação. Informação, naturalmente cabal e exacta.

Importa referir, desde já, que por vezes se confunde (deliberadamente ou não) contra-informação com propaganda ou, mesmo, com publicidade. (Um género específico e peculiar de publicidade, de ideias ou de meios para as atingir). Evidentemente que se em certos aspectos se interpenetram nalgumas franjas, são de índole totalmente diferente. No que respeita ao segundo item isso deve-se ao facto de que a cimentação do marketing (ponto social de grande relevo) e de todas as técnicas (ou truques) que o acompanham pode, em certos casos, servir para operações de fases da contra-informação. Mas isso são detalhes laterais que ao longo desta exposição ficarão, creio, aclarados.

Penso que deverei dizer, ainda, que o mundo da contra-informação – e refiro-me agora e somente à contra-informação oficial, classifiquemo-la desta maneira - assim como o da sua análise, do seu estudo, da sua frequentação enquanto matéria avaliada e que parte de uma realidade insofismável, é extenso, complexo e até extremamente apelativo.

Deixa-nos, depois de nele entrarmos para escrutiná-lo, uma sensação de que o espelho da existência está doravante mais iluminado, ainda que simultaneamente fique muito mais inquietante: sente-se mesmo, por vezes, uma sensação de medo, pois o contacto com os verdadeiros meandros pelos quais se move o poder e os seus áulicos, donos de nós todos porque donos das sociedades organizadas, pode ser assustador e durante alguns segundos pelo menos receia-se perder o pé. (Não era por acaso que, nos regimes totalitários, o cidadão vulgar não podia debruçar-se sobre o universo da contra-informação, sob pena de prisão no mínimo, dado que tais matérias eram secretas ou, no melhor dos casos, bastante reservadas por razões que será desnecessário salientar. Mesmo nas sociedades democráticas por extenso, ou tendencialmente democráticas como a lusitana, tais matérias não são bem-vindas à colação, uma vez que permitem divisar a abertura do jogo em que os dignitários se acobertam, elite que são e das mais privilegiadas).

Por outro lado, hoje é pacífico que nenhuma formação partidária ou de intervenção pública deixa de ter uma task force de contra-informação, mesmo pequena e ainda que muitas delas sejam simplesmente amadoras ou dependendo da chamada prata da casa com algumas leituras ou contactos, emergindo mais da frequentação eventual de acervos aparentemente conhecedores do que dum conhecimento sistematizado.

Finalmente, deverá salientar-se que se a contra-informação oficial for tratada pelos seus operadores de forma digna, democrática e cívica, poderá prestar altos serviços às nações onde estes se inserem. Mas, infelizmente, as classes dominantes com frequência entendem utilizá-la preferencialmente para trasfegarem os seus jogos de influência, quantas vezes sórdidos ou pouco transparentes, submetendo os cidadãos a verdadeiras lavagens ao cérebro, tratando-os como mentecaptos ou como primários – o que desenha perfeitamente a efígie com que, no entanto, aqueles tentam posicionar-se para a História.

1. A Contra-Informação na História – pequeno enquadramento

“Eu nunca minto, a não ser que seja absolutamente necessário”

G.K. Chesterton

Quem não conhece a famosa cena da série televisiva “Missão Impossível” em que numa gravação é dito por uma voz anónima para o comandante da task force, depois da designação das tarefas a efectuar e antes da fita áudio se auto-destruir: “Se decidir aceitar a missão, Jim, tenha em conta que se algo correr mal o Secretário de Estado negará tudo”.

Isto é um dado proveniente duma das regras da contra-informação: lançar-se um véu sobre acções programadas, que evidentemente não existem. Cabe aos operacionais, através da escrita ou de outro meio similar, mostrar essa evidência (assim como, noutro plano menos amável, lhes cabe desmentir eficazmente conluios, actos ilegais, manigâncias e outras amenidades das entidades que devem “proteger”, servindo-lhes de anteparo racional).

Esclareço desde já que nenhum mal haveria nestas regras, nestes procedimentos – desde que o que estivesse em causa fosse uma actuação para defender a liberdade democrática e a civilização humanista. O campo da “struggle under cover”, ou na expressão lusa “luta nas sombras ” não é propriamente um relvado desportivo, mas sim um terreno vago, muitas vezes mal frequentado, onde se joga frequentemente o futuro de populações ou de conceitos e práticas existenciais.

Haja em vista, por exemplo, o belíssimo trabalho que as equipas de contra-informação desempenharam na luta contra o nazismo e outros totalitarismos, já defuntos ou entretanto emergidos, ou contra o crime organizado. A este propósito, veja-se que até a Máfia possuía/possui grupos e palavras de ordem contra-informativas, que estabeleciam slogans e conceitos defensivos-manipulatórios de inegável êxito como o célebre “A Máfia não existe, é uma invenção dos jornais e da polícia” ou o actual “Já não actuam através de meios violentos”…

De uma maneira geral podemos considerar que (apesar de, dum modo mais ou menos ingénuo ou titubeante, a contra-informação existir há centenas de anos e ser usada por mentores religiosos, entidades reinantes ou chefes guerreiros) modernamente e duma forma consistente oficial e/ou estatal estabeleceu-se com eficácia e boa operacionalidade por volta de 1860, em França, com Napoleão III e, na Alemanha, com o chanceler Bismarck (o criador do depois famoso “Fundo dos Répteis”, robusta verba secreta com que estipendiava publicistas venais, o que mais tarde seria norma bem assente em geral, clássica, em qualquer lado).

Até aí, uma vez que a propaganda era fundamentalmente de tipo pessoal, festejando em regra as capacidades do monarca ou do chefe (como em relação a Luís XIV ou ao general Boulanger), a contra-informação a ela ligada era apenas de tipo fragmentário, eventual e muitas vezes mais utilizada pelos membros da espionagem do que pelos operadores especializados na sua retórica peculiar, que em seguida se formariam e iriam ter uma função própria e bem determinada e que, afinal, só por ligeira osmose têm a ver com os agentes de “cloak and dagger”, ou seja “de capa e espada” na gíria do milieu.

Em vez de serem grandes possuidores de potentes atributos musculares e alta desenvoltura física, os operacionais da contra-informação dispõem sim de inegáveis qualidades intelectuais e de uma cultura razoável que lhes permita articular as denominadas “jogadas”, desta ou daquela índole, possibilitando-lhes dar seguimento eficiente às “manipulações” necessárias para determinados fins considerados satisfatórios ou imprescindíveis. Porque, se a contra-informação se norteia por regras e manejos muito próprios, também é fortemente fecundada, quando calha, por “ideias luminosas” deste ou aquele profissional (ou amador dotado…) como sucedeu no caso do célebre “envelope canadiano” com que um par de advogados ardilosos, operando nas faldas do Partido Republicano pré-nixoniano, num lance bem manobrado deu cabo, num ápice, duma candidatura dos rivais democráticos.

Eis como se explica que muitos operacionais da contra-informação sejam recrutados nos estabelecimentos de ensino, ou entre cultores e artistas da palavra, etc. Curiosamente, poucos provêm dos meios jornalísticos, sendo que é mais usual a esses especialistas efectuarem habilmente nesses meios as suas “plantações” através dos chamados “tiros ao lado”, “fontes localizadas e/ou bem informadas”, “observadores fidedignos” etc.

É voz corrente que autores de qualidade como Somerset Maugham, Ian Fleming, John Le Carré, etc. foram eficazes e competentes membros do sector da contra-informação no seu país natal.

Os exemplos poderiam aliás multiplicar-se vindos de outras nacionalidades.

(cont.)

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