Mais um artigo de Merijn de Waal, o correspondente
do NRC para Portugal e Espanha. Em Novembro do ano passado já tinha publicado
um texto dele sobre a crise da imobiliária em Espanha. Desta vez é sobre
Portugal. Tudo coisas que os portugueses já sabem, mas parece-me interessante ver
o país a partir da perpectiva de um estrangeiro bem informado.
E o que faz o patriota? Pira-se para a
Holanda.
O segundo homem mais rico de Portugal, o dono
da cadeia de supermercados Pingo Doce, paga impostos na Holanda. A indignação
dos portugueses é grande, eles, que por ordem da União Europeia têm de pagar
mais impostos. “É um murro no estômago dos portugueses.”
Também Bruno Gomes começou o ano cheio de boas
intenções. “A partir de hoje só faço compras no Pingo Doce”, diz-nos este
senhor de 30 anos com uma saca de plástico em cada mão à saída do supermercado
em Lisboa. “Quando mais lucro o Pingo Doce fizer pior para Portugal e mais
depressa voltamos ao Escudo”, diz ele com um sorriso cínico. “Não é isso o que
o Soares quer?”
Soares é Alexandre Soares dos Santos, com uma
fortuna calculada em 1,65 biliões de euros, a segunda pessoa mais rica do país.
Ele e a família são os principais accionistas da Jerónimo Martins, que em
Portugal – em joint venture com Ahold [multinacional holandesa dos
supermercados Albert Heijn – cdr] – explora mais de 350 supermercados Pingo
Doce.
É a maior cadeia de supermercados do país. Não
deve existir um português que nunca lá tenha comprado algo. E na maior parte
das vezes ficam satisfeitos: os preços são relativamente baixos. Mas desde que
se tornou público que a holding da família, por razões fiscais, deu o fora para
a Holanda, Alexandre Soares e o Pingo Doce são alvo da indignação nacional.
Isto tem a ver com o ‘timing’ e com o próprio
Soares. É o que pensa Daniel Aurélio Feliciano: o jovem pai desempregado é
muito activo num grupo lúdico da Facebook que exige que as operadoras de caixa
do Pingo Doce a partir de agora passem a ganhar o salário mínimo da Holanda.
Isso significa que passariam a ganhar o triplo do salário actual.
Aurélio: “a crise atingiu o auge e este homem
diz frequentemente que devíamos apoiar o país e que são exigidos sacrifícios de
todos nós. E o que faz este patriota? Põe-se a cavar.”
Na Internet as declarações políticas de
Soares, que é de direita, são bastante citadas. Circulam fotografias com o
logótipo do Pingo Doce dentro de um tamanco (holandês). O famoso cómico Rui
Unas fez uma ‘persiflage’ com um reclame televisivo do Pingo Doce, que são
geralmente bastante patrióticas. Num fundo de canais e moinhos, diz em holandês
macarrónico: “Em Portugal existe um supermercado que ajuda os holandeses. Como
é que isto é possível? Pagando impostos na Holanda!”
Mesmo assim à Holanda só lhe cabe uma pequena
parte da ira portuguesa, a maior parte está há meses dirigida contra a Alemanha
(e um pouco também contra a Finlândia, que no ano passado atrasou a ajuda a
Portugal). Poucos portugueses têm palavras de louvor para a liderança da
Alemanha no combate à crise. Portugal nunca foi ocupado pelos alemães, mas
segundo muita gente parece ser neste momento o caso.
O licor Beirão aproveitou este sentimento
durante uma campanha publicitária na época do Natal. Foram colados cartazes na
rua com uma caricatura de Angela Merkel segurando uma garrafa de licor
Beirão. O texto que acompanhava a imagem era o seguinte: “Cara Angela, Portugal
está a oferecer o melhor.” Este é o tipo de humor negro que se enquadra
perfeitamente com o temperamento melancólico dos portugueses. Tradicionalmente
os portugueses vivem convencidos que o futuro acima de tudo só vai trazer
desgraças.
E quem tiver em conta a situação económica
actual só pode dar-lhes razão. Em muitos portugueses isto tem o efeito de se
conformarem resignadamente com a sorte que os espera. Queixam-se de que façam o
que fizerem serão sempre roubados pelos seus políticos e pelo grande capital.
Os partidos de extrema-esquerda, em Portugal relativamente fortes, repetem isto
constantemente em cartazes colados por toda a parte: ‘Não ao pacto de
agressão’; ‘Eles roubam o povo e dão aos bancos.’
Depois de passar pela caixa de um Pingo Doce
em Évora, a cliente Ruth diz-me que está zangada mas que nunca pensou
seriamente num boicote. “É claro que eles fazem isso para fugir ao fisco, e
nós, povo, temos que pagar mais impostos. E é precisamente por isso que eu venho
aqui comprar, porque é mais barato.” Em frente da porta de saída do pessoal,
Cármem, operadora de caixa, faz uma pausa para fumar. “As pessoas falam em
boicotes mas acabam sempre por cá vir. Não notamos diferença nenhuma. Assim
como todos os portugueses o nosso patrão está zangado com o Primeiro-Ministro.
Como vê temos algo em comum.”
Apesar de nunca ter havido um boicote, o Pingo
Doce sentiu-se na obrigação de reagir a todas as críticas. Foram agora
colocados prospectos junto das caixas em que – sem falar na Holanda – se
comunica ao cliente que “o Pingo Doce, como sempre, tem sede fiscal em
Portugal” e que “os deveres fiscais como contribuinte perante o Estado
português nunca foram alterados.”
E o accionista Soares dos Santos iniciou uma
campanha mediática onde explica que “a transferência de capital nada tem a ver
com impostos. Não vou pagar mais nem menos por isso.” E acrescenta: “Não sei se
Portugal vai continuar na zona euro. Se Portugal sair, voltamos ao escudo.
Tenho o direito de defender o meu património.”
Esta declaração foi bastante criticada. Um dia
depois, Marcelo Rebelo de Sousa, uma figura importante no PSD (partido no
governo), afirmava que “desta forma Soares dos Santos passou a ideia de que não
acredita neste País (...) É como um murro no estômago.” O seu colega de
partido, o PM Pedro Passos Coelho, demonstrou no parlamento mais compreensão em
relação à transferência de Soares dos Santos.
E na semana passada o secretário de estado
para a economia esteve presente na entrega de um Prémio de Excelência a Soares
dos Santos. Onde elogiou a contribuição dos nomeados na “recuperação da
economia”. Durante a festa Soares
dos Santos sublinhou a importância das empresas portuguesas alargarem as suas
actividades ao estrangeiro. Para precisamente ajudarem o país a progredir. “Os
portugueses estão a dormir e não entendem o fenómeno globalização. Todas as
empresas que funcionam somente em Portugal estão condenadas.”
Acrescentou que as suas actividades no
estrangeiro rendem a Portugal milhares de postos de trabalho. Deu como exemplo
os seus supermercados na Polónia, Biedronka, que “venderam sete milhões de litros
de vinho português.” Confessou também que queria alargar a sua actividade ao
Brasil. “Já devíamos estar presentes há muito tempo.”
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