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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

SETE MILHÕES DE LITROS DE VINHO…


Mais um artigo de Merijn de Waal, o correspondente do NRC para Portugal e Espanha. Em Novembro do ano passado já tinha publicado um texto dele sobre a crise da imobiliária em Espanha. Desta vez é sobre Portugal. Tudo coisas que os portugueses já sabem, mas parece-me interessante ver o país a partir da perpectiva de um estrangeiro bem informado.

E o que faz o patriota? Pira-se para a Holanda.

O segundo homem mais rico de Portugal, o dono da cadeia de supermercados Pingo Doce, paga impostos na Holanda. A indignação dos portugueses é grande, eles, que por ordem da União Europeia têm de pagar mais impostos. “É um murro no estômago dos portugueses.”

Também Bruno Gomes começou o ano cheio de boas intenções. “A partir de hoje só faço compras no Pingo Doce”, diz-nos este senhor de 30 anos com uma saca de plástico em cada mão à saída do supermercado em Lisboa. “Quando mais lucro o Pingo Doce fizer pior para Portugal e mais depressa voltamos ao Escudo”, diz ele com um sorriso cínico. “Não é isso o que o Soares quer?”

Soares é Alexandre Soares dos Santos, com uma fortuna calculada em 1,65 biliões de euros, a segunda pessoa mais rica do país. Ele e a família são os principais accionistas da Jerónimo Martins, que em Portugal – em joint venture com Ahold [multinacional holandesa dos supermercados Albert Heijn – cdr] – explora mais de 350 supermercados Pingo Doce.

É a maior cadeia de supermercados do país. Não deve existir um português que nunca lá tenha comprado algo. E na maior parte das vezes ficam satisfeitos: os preços são relativamente baixos. Mas desde que se tornou público que a holding da família, por razões fiscais, deu o fora para a Holanda, Alexandre Soares e o Pingo Doce são alvo da indignação nacional.

Isto tem a ver com o ‘timing’ e com o próprio Soares. É o que pensa Daniel Aurélio Feliciano: o jovem pai desempregado é muito activo num grupo lúdico da Facebook que exige que as operadoras de caixa do Pingo Doce a partir de agora passem a ganhar o salário mínimo da Holanda. Isso significa que passariam a ganhar o triplo do salário actual.

Aurélio: “a crise atingiu o auge e este homem diz frequentemente que devíamos apoiar o país e que são exigidos sacrifícios de todos nós. E o que faz este patriota? Põe-se a cavar.”


Na Internet as declarações políticas de Soares, que é de direita, são bastante citadas. Circulam fotografias com o logótipo do Pingo Doce dentro de um tamanco (holandês). O famoso cómico Rui Unas fez uma ‘persiflage’ com um reclame televisivo do Pingo Doce, que são geralmente bastante patrióticas. Num fundo de canais e moinhos, diz em holandês macarrónico: “Em Portugal existe um supermercado que ajuda os holandeses. Como é que isto é possível? Pagando impostos na Holanda!”

Mesmo assim à Holanda só lhe cabe uma pequena parte da ira portuguesa, a maior parte está há meses dirigida contra a Alemanha (e um pouco também contra a Finlândia, que no ano passado atrasou a ajuda a Portugal). Poucos portugueses têm palavras de louvor para a liderança da Alemanha no combate à crise. Portugal nunca foi ocupado pelos alemães, mas segundo muita gente parece ser neste momento o caso.

O licor Beirão aproveitou este sentimento durante uma campanha publicitária na época do Natal. Foram colados cartazes na rua com uma caricatura de Angela Merkel segurando uma garrafa de licor Beirão. O texto que acompanhava a imagem era o seguinte: “Cara Angela, Portugal está a oferecer o melhor.” Este é o tipo de humor negro que se enquadra perfeitamente com o temperamento melancólico dos portugueses. Tradicionalmente os portugueses vivem convencidos que o futuro acima de tudo só vai trazer desgraças.

E quem tiver em conta a situação económica actual só pode dar-lhes razão. Em muitos portugueses isto tem o efeito de se conformarem resignadamente com a sorte que os espera. Queixam-se de que façam o que fizerem serão sempre roubados pelos seus políticos e pelo grande capital. Os partidos de extrema-esquerda, em Portugal relativamente fortes, repetem isto constantemente em cartazes colados por toda a parte: ‘Não ao pacto de agressão’; ‘Eles roubam o povo e dão aos bancos.’

Depois de passar pela caixa de um Pingo Doce em Évora, a cliente Ruth diz-me que está zangada mas que nunca pensou seriamente num boicote. “É claro que eles fazem isso para fugir ao fisco, e nós, povo, temos que pagar mais impostos. E é precisamente por isso que eu venho aqui comprar, porque é mais barato.” Em frente da porta de saída do pessoal, Cármem, operadora de caixa, faz uma pausa para fumar. “As pessoas falam em boicotes mas acabam sempre por cá vir. Não notamos diferença nenhuma. Assim como todos os portugueses o nosso patrão está zangado com o Primeiro-Ministro. Como vê temos algo em comum.”

Apesar de nunca ter havido um boicote, o Pingo Doce sentiu-se na obrigação de reagir a todas as críticas. Foram agora colocados prospectos junto das caixas em que – sem falar na Holanda – se comunica ao cliente que “o Pingo Doce, como sempre, tem sede fiscal em Portugal” e que “os deveres fiscais como contribuinte perante o Estado português nunca foram alterados.”

E o accionista Soares dos Santos iniciou uma campanha mediática onde explica que “a transferência de capital nada tem a ver com impostos. Não vou pagar mais nem menos por isso.” E acrescenta: “Não sei se Portugal vai continuar na zona euro. Se Portugal sair, voltamos ao escudo. Tenho o direito de defender o meu património.”

Esta declaração foi bastante criticada. Um dia depois, Marcelo Rebelo de Sousa, uma figura importante no PSD (partido no governo), afirmava que “desta forma Soares dos Santos passou a ideia de que não acredita neste País (...) É como um murro no estômago.” O seu colega de partido, o PM Pedro Passos Coelho, demonstrou no parlamento mais compreensão em relação à transferência de Soares dos Santos.

E na semana passada o secretário de estado para a economia esteve presente na entrega de um Prémio de Excelência a Soares dos Santos. Onde elogiou a contribuição dos nomeados na “recuperação da economia”. Durante a  festa Soares dos Santos sublinhou a importância das empresas portuguesas alargarem as suas actividades ao estrangeiro. Para precisamente ajudarem o país a progredir. “Os portugueses estão a dormir e não entendem o fenómeno globalização. Todas as empresas que funcionam somente em Portugal estão condenadas.”

Acrescentou que as suas actividades no estrangeiro rendem a Portugal milhares de postos de trabalho. Deu como exemplo os seus supermercados na Polónia, Biedronka, que “venderam sete milhões de litros de vinho português.” Confessou também que queria alargar a sua actividade ao Brasil. “Já devíamos estar presentes há muito tempo.”


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