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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Esquerda e idiotas úteis

Já por várias vezes tenho defendido a tese de que a mal disfarçada simpatia da esquerda ocidental com o islamismo e os fenómenos ditatoriais do nosso tempo, desde Castro a Chavez, a par do cada vez mais gritante anti-semitismo, disfarçado de “anti-sionismo”, busca raízes no próprio âmago das ideologias que brotaram do marxismo, nomeadamente no ódio visceral ao capitalismo e à cultura e civilização que lhe estão associadas

A nível filosófico não é difícil demonstrar esta tácita aliança.

Mas também é verdade que a generalidade das pessoas de esquerda conhece tão bem as “teologias” socialistas e comunistas, como a generalidade dos católicos conhece os meandros da doutrina em que acredita.

Ou seja, mal.

É aliás por isso que tanta gente vota no Bloco de Esquerda. Pura e simplesmente não sabem o que é o trotskismo, nunca ouviram falar da 4ª Internacional e votam por simpatia, porque o “Louçã fala bem” e “diz as verdades”.

Assim sendo, não é por fanatismo ideológico que as pessoas de esquerda, de um modo geral, tomam partido pelos islamistas, pelos palestinianos, pelos imigrantes, por Chavez, etc, contra os “poderosos”, os judeus, os americanos, etc.

A razão fundamental é aquilo que Lenine identificou como a psicologia do “idiota útil”, aquela pessoa que é basicamente um “emo”, que está sempre do lado daqueles que percebe como mais fracos, seja qual for a solidez ética e moral da sua posição.

Para esta gente, os que se apresentam como fracos têm sempre razão. A fraqueza é sinónimo de virtude.

Falta-lhes portanto uma bússola moral.

Não são cínicos…é gente geralmente bem intencionada, que quer fazer o bem, cujo coração sangra genuinamente. O problema é que, numa dada situação, não são capazes de identificar correctamente onde está o bem e o mal.

Daí o recurso imediato à grelha marxista das dicotomias maniqueístas: o fraco é o bom, o palestiniano é o bom, o pobre é o bom, o africano é o bom, o proletário é o bom. Os maus são automaticamente os ricos, os fortes, os brancos, os burgueses, os ocidentais, os capitalistas, os judeus, etc.

É esta confusão moral que os leva a estar do lado dos ditadores, desde que estes sejam contra o Ocidente. Se são contra o Ocidente, então são “bons” e nas suas cabeças não entra facilmente a consequente dicotomia entre os tais “bons” e o seu próprio povo oprimido. Por isso ignoram-na.

O conflito israelo-árabe, ilustra bem esta tese. No início Israel era a parte fraca, atacada por milhões de árabes façanhudos. O povo de esquerda estava com Israel, porque quem tinha os carros de combate eram os árabes e, por isso, não podiam ser os “bons” nem ter razão.

Hoje são os israelitas que têm F-16, ao passo que os árabes da Palestina têm “só” Kassans e Katiushas. Isso basta para demonstrar que os “culpados” são os israelitas e que nenhuma razão lhes assiste.

Não é que esta gente de esquerda seja ideologicamente anti-semita. Eles próprios o negam e fazem-no com sinceridade. São simplesmente naives e falhos de capacidade de julgamento moral. Também não são ideologicamente totalitários, e negam sinceramente que tenham alguma agenda similar a Fidel Castro, a Chavez, etc.

Acabam por ser objectivamente anti-semitas e apoiantes do totalitarismo, apenas porque são “idiotas”, no sentido que Lenine dava ao termo.

17 comentários:

Freire de Andrade disse...

Este artigo coincide em muitos aspectos com aquilo que eu próprio tenho pensado,mas não seria capaz de explicar tão bem. Por outro lado vem elucidar o mecanismo do pensamento da esquerda ao apoiar regimes e posições que estão nos antípodas dos princípios básicos da esquerda clássica, esclarecendo dúvidas que por vezes me deixavam espantado.

Carmo da Rosa disse...

Lidador muito bom, e estou ao mesmo tempo todo contente porque percebi tudo, o que já não acontecia há uns tempos.

Por isso vou contar uma conversa que se passou comigo há uns anos atrás numa festa em casa de amigos num monte alentejano perto de Évora e que ilustra perfeitamente o que o Lidador acaba de dizer.

Era um encontro de gente em que predominavam os artistas, e tudo muito de esquerda. Lembro-me que ao mesmo tempo que se bebia Esporão tinto ouvia-se Zeca Afonso e o Godinho. Uma senhora local com quem eu conversava, mas que nunca tinha visto mais gorda, deu-se conta que o meu sotaque não era local e perguntou-me intrigada, ou apenas curiosa, ‘eh pá, tu não és de cá pois não?’. Não, não sou. ‘Então nasceste aonde?’. Nasci em Marrocos. ‘Eh pá porreiro, uma sociedade não-materialista!

Estava preparado para qualquer tipo de pergunta, ou resposta, menos esta! Mas precisamente por a resposta ser tão insólita é que me ficou gravada até hoje na caixa dos pirolitos. É evidente que a partir do momento em que a senhora soube que eu não nasci num país ‘normal’ (capitalista), a minha cota subiu em flecha. Aos olhos da minha interlocutora tornei-me imediatamente uma pessoa diferente – melhor!!!

Isto não é totalmente comparável com a teoria do Sangue e do Solo - blut und boden - é apenas só do boden. Azar do camandro, é que se o meu pai tivesse encabado uma marroquina em vez da minha mãe, eu de certeza que tinha ido naquela noite para a cama com a senhora. Assim faltava-me um ‘je ne sais pas quoi’ muito de esquerda para ser perfeito…

Nausícaa, São Paulo, Brasil disse...

Lidador, eu copio aqui o comentário feito no site "Triunfo dos Porcos", também administrado por vós. Eu acrescento que é elogiável sua capacidade de iluminar detalhes numa paisagem, mas eu digo-vos que já é possível nomear a obra.

Esse sistema apontado por vós, no qual delibera-se sempre pelos fracos de ocasião, foi criado por pessoas de carne e osso. Não é assim uma chuva caída de alguma nuvem sobre pobres mortais pecadores.

Ofereço-vos três endereços de notícias recentes para ilustrar meu argumento:

1. Ouça a voz de David Romero, diretor da rádio Globo fechada pelo governo de Honduras em http://vimeo.com/6825710

2. Leia sobre o apoio de Bispo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ao candidato do Partido dos Trabalhadores à vaga de ministro na corte máxima brasileira.

3. Leia sobre a punição imposta pelo Partido dos Trabalhadores - do presidente da república - a dois partidários, porque eles participaram de uma passeata contra o aborto, por exemplo, em http://www.radiocidade.com.br/index_noticias.php?id=VFZSUmVVNTZUVDA9

Quero dizer-vos da superficialidade em comparar-se católicos ignorantes e simpatizantes de esquerda, pois o sistema funciona porque a doutrina stalinista está manifestada por lideranças até dentro da Igreja ao longo dos, digamos, últimos 60 anos. Tratou-se de uma grande construção ao longo desse tempo, e, hoje, podemos vê-la majestosa.

Enfim, novo altar de adoração onde muitos estão abandonando princípios de civilidade por bens momentâneos.

Permito-me dizer isso a vós em vosso espaço oferecido, pois sei que não compactueis com o ataque pessoal para contra-argumentar, do tipo: "ela é católica, reacionária, branca, de direita, e etc."

Unknown disse...

Nausicaa, onde estão católicos poderiam estar muçulmanos, hindus, evangélicos, what else. Referi católicos porque são aqueles que predominam na sociedade onde vivo. A comparação, neste post, foi só no sentido que a generalidade dos católicos, tal como a generalidade dos esquerdistas, tal como a generalidade dos protestantes, etc, não conhece bem a teologia que sustenta a ideia em que acreditam.
Se, por exemplo, perguntar a 100 católicos quantos e quais são os Evangelhos que constituem a base doutrinária dessa religião, posso apostar que mais de 90% não lhe sabem dar uma resposta. E esse nº, ou talvez maior, nunca sequer leram um desses Evangelhos.
Provavelmente a mesma proporção de "comunistas" que leram o Capital ou o Manifesto Comunista.

Para além disso, mas por aí não vou agora, a nível filosófico esta mentalidade de "idiota útil", não se pode desligar da chamada "Teologia da Libertação" e da convergência de vários clérigos cristãos com os movimentos ligados ao marxismo...

RioDoiro disse...

Wish You Were Here (Waters, Gilmour) 5:17

So, so you think you can tell
Heaven from Hell,
Blue skys from pain.
Can you tell a green field
From a cold steel rail?
A smile from a veil?
Do you think you can tell?

And did they get you to trade
Your heros for ghosts?
Hot ashes for trees?
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
And did you exchange
A walk on part in the war
For a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here.
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears.
Wish you were here.

Carmo da Rosa disse...

@ Lidador: «Referi católicos porque são aqueles que predominam na sociedade onde vivo. A comparação, neste post, foi só no sentido que a generalidade dos católicos, tal como a generalidade dos esquerdistas, tal como a generalidade dos protestantes, etc, não conhece bem a teologia que sustenta a ideia em que acreditam.»

Sem querer alterar sequer uma vírgula ao texto inicial gostaria, a título de informação, de precisar que esta afirmação ‘a generalidade não conhece a teologia que sustenta’ não pode ser aplicada aos protestantes, sobretudo os dos países do norte da Europa. E a coisa também não funciona – a um nível ‘light’ - em relação aos católicos (das mesmas paragens), que igualmente conhecem bem a bíblia. Aliás, eu costumo dizer que na Holanda até os católicos e os comunistas são calvinistas…

Que a grande maioria dos nossos (e os brasileiros) católicos dão muito mais importância à liturgia que à doutrina é compreensível, isso deve-se apenas a uma deficiente formação escolar. O mesmo se verifica nos países muçulmanos. Os melhores estudiosos e conhecedores do Islão são ocidentais, sobretudo alemães.

José Gonsalo disse...

Lidador:
Excelente post! Expõe elementos implícitos naquele "desabafo" que deixei aqui há umas semanas e que originou a resposta da ml, depois publicado pelo Carmo da Rosa. E não só os expõe como os clarifica sucinta e concisamente.
Infelizmente, continuo sem tempo não só para responder à ml como também para dar continuidade a alguns aspectos deste seu texto, os quais gostaria de desenvolver. Talvez já o consiga daqui a uns quinze dias.

José Gonsalo disse...

CdR:
Não sei se valeria a pena mudar de mãe, só para obter um jantar com pequeno-almoço incluído em companhia da referida senhora. Há conversas que indispõem logo o estômago, seja para que repasto for. A mim, pelo menos.
Quanto ao que diz do conhecimento do cidadão comum do Norte da Europa sobre os textos religiosos cristãos, não se esqueça de que esses textos cumpriram uma função dupla nesses países: o de suporte de contestação religiosa a Roma e, por consequência, o de autonomia política dos países periféricos em relação a Roma, quer dizer, em relação ao centro do poder europeu da época. Essa situação levou ao estudo ou, pelo menos, ao conhecimento generalizado dos textos bíblicos, mais ou menos como "catecismo revolucionário" ou de resistência, originando uma cultura em que determinados princípios se tornaram em elementos de definição de pertença à comunidade e de esteio identificativo e de preservação histórica dessa mesma comunidade.
No Sul da Europa, o cristianismo nunca teve essa função, foi um motor de transformação do Império Romano e das nações bárbaras que depois o retalharam e não pretexto justificativo de autonomia ou independência. Não foi, por isso, necessário "memorizá-lo" como princípio de vida colectiva futura, foi-se substituindo ao que havia anteriormente e transformou-se assim em modo de estar na vida, apenas. O que também já sucede, afinal, na Europa do Norte, mas ainda em menor grau e com outras reminiscências, como aquelas que deram origem ao seu comentário.
Penso eu.
Até já.

Carmo da Rosa disse...

@ josé gonsalo: «Não sei se valeria a pena mudar de mãe, só para obter um jantar com pequeno-almoço incluído em companhia da referida senhora.»

Um vate dizia ‘vale sempre a pena quando a alma não é pequena’. Outro – o Eça - dizia, ‘não se deve confundir as palpitações de um órgão com as palpitações de outro’. Eu confundo voluntariamente, mas além disso creio que vale sempre a pena quando não se tem o hábito de fazer distinção entre corpo e alma.

@ josé gonsalo: «Há conversas que indispõem logo o estômago, seja para que repasto for. A mim, pelo menos. .»

Há realmente conversas que indispõem o estômago, mas podem, lá está, ao mesmo tempo excitar outro órgão – tecnicamente possível… Mas caso não seja tecnicamente possível no seu caso particular, em último recurso pode sempre fazer um apelo ao seus instintos de guerreiro: Fuck the enemy!

@ josé gonsalo: «não se esqueça de que esses textos cumpriram uma função dupla nesses países:»

Não, não esqueci, mas tão pouco me lembrei, mas isso iria alongar demasiadamente o comentário, e apesar de bastante interessante não vinha directamente a propósito. (Li isso na HOLANDA de Ramalho Ortigão, como vê, basta ler Eça e Ramalho e abarca-se a ciência toda). Mas mesmo não conhecendo a origem, a tal ‘função dupla’, salta à vista que as pessoas no norte da Europa em regra geral conhecem razoavelmente bem a bíblia e dão menos importância à liturgia.

DL disse...

Excelente artigo. Mais certeiro era impossível.

Unknown disse...

Caro Cdr, tenho as minhas dúvidas sobre a sapiência religioso-teológica da maioria dos crentes de qq religião/ideologia. Alguns sabem, são a "vanguarda" de que falava Lenine, os poucos iluminados que conhecem a fundo os meandros da doutrina.
Os restantes seguem o ritual.
Não que o ritual não seja importante...na verdade é até o mais importante para a maioria das pessoas.
De qq modo, penso que mesmo que fosse verdade que 90% dos calvinistas são verdadeiros teólogos, isso não acontece com a maioria dos esquerdistas, que de Marx, Lenine, Trotsky, etc, conhecem apenas o folclore heróico.
São "shallow"....

Relativamente a Israel, por exemplo, se de repente se visse na mó de baixo, a ser lançado ao mar, os esquerdistas seriam os primeiros a lamentar e a apoiar os infelizes.

Faz lembrar Carter, que andou estes anos todos a alabar Chavez e há dias veio dizer que afinal, se calhar, enganou-se e tal.
De resto o mesmo zote já havia dito coisas semelhantes de Pol-Pot, um gajo porreiro e tal, e que chatice, enganámo-nos e lá foram 3 milhões de pessoas à vida.

EJSantos disse...

Caro CdR
"Nasci em Marrocos." Parece que já somos dois, mas a tal senhora, se não compreende a alcunha, fica equivocada! Mas confesso que deu vontade de rir.

Caro Lidador, a análise que fez da esquerda está correcta. Dos meus tempos de comunista, não me recordo de nenhum camarada que se desse ao trabalho de ler "O Capital".
Eu incluido. Embora tivesse lido História e alguns textos sobre o Marx, os meus conhecimentos teóricos eram fraquissimos.

Carmo da Rosa disse...

@ lidador: «tenho as minhas dúvidas sobre a sapiência religioso-teológica da maioria dos crentes de qq religião/ideologia. Alguns sabem, são a "vanguarda"»

Lidador, não será sempre assim? Em todo o tipo de organizações, sejam eles partidos, associações, seitas religiosas, máfia ou exército há sempre uma vanguarda, obrigatoriamente minoritária, que está ao corrente de todos os detalhes, ‘conhece os meandros da doutrina em que acredita’. Ao contrário da maioria dos seguidores que de certa maneira, consciente ou inconscientemente, também são os tais idiotas úteis de Lenine que seguem apenas a liturgia.

@ lidador: «De qq modo, penso que mesmo que fosse verdade que 90% dos calvinistas são verdadeiros teólogos, isso não acontece com a maioria dos esquerdistas,»

Os teólogos calvinistas são a vanguarda, e de maneira nenhuma 90%, mas o resto conhece melhor a bíblia – por razões que não interessam agora focar mas que por exemplo o José Gonsalo já mencionou – que os esquerdistas Marx, e que os católicos latinos a bíblia.

@ lidador: «Relativamente a Israel, por exemplo, se de repente se visse na mó de baixo, a ser lançado ao mar, os esquerdistas seriam os primeiros a lamentar e a apoiar os infelizes.»

Que Deus o oiça! Fique claro que de maneira nenhuma quero que Israel seja lançado ao mar, mas se isso acontecer, sinceramente, creio que os esquerdistas apenas vão lamentar – apoiar é pedir-lhes muito…

@ ejsantos: «"Nasci em Marrocos." Parece que já somos dois, mas a tal senhora, se não compreende a alcunha, fica equivocada!»

ej, não há equívoco da senhora, eu nasci mesmo em Marrocos.

EJSantos disse...

"ej, não há equívoco da senhora, eu nasci mesmo em Marrocos."
Ah, boa! NAscestes numa sociedade não materiallista!...

Carmo da Rosa disse...

@ ejsantos «NAscestes numa sociedade não materiallista!...»

Não-materialista! Quer dizer, aí reside o equívoco da senhora, porque os ‘marroquinhos’ são pessoas normais como toda a gente, e só não são materialistas quando não podem…

EJSantos disse...

Claro, Carmo da Rosa. Estava a brincar com a situação!
:-)
As pessoas são pessoas. Se viverem numa sociedade que as deixe viver em paz, toda a gente procura basicamente o mesmo (emprego, dinheiro, prosperidade, etc). A senhora em questão anda (ou andava) muito equivocada sobre a natureza humana.

RioDoiro disse...

Ejsantos:

"A senhora em questão anda (ou andava) muito equivocada sobre a natureza humana. "

Não andaria, provavelmente.

Acha talvez que a natureza humana será o que ela diz ser. Nos intervalos vai elegendo, de acordo com as conveniências, uns tantos de serão como ela diz que é.

Enfim, conversas de sacristão.