Vasco
Pulido Valente - Público, 30.11.2007
Ao
que dizem, presidiu o dr. Mário Soares esta semana a um curioso colóquio sobre
"A mulher nas religiões". Não que o assunto em si mereça a mais
remota crítica. Toda a gente tem o direito de falar do que lhe apetecer. Mas,
pelo jornais, parece que tanto o dr. Mário Soares como, por assim dizer, os
"coloquiantes", penetrados pelo justo e meritório princípio da
igualdade de género, criticaram duramente o papel da mulher no cristianismo e
no judaísmo (no islamismo, pelo menos directamente, ninguém tocou). O dr. Mário
Soares, por exemplo, citando a Bíblia em seu apoio (a notícia não especifica a
passagem), lamentou que a mulher fosse considerada propriedade do homem. E a
sra. dra. Manuela Augusta, do PS, declarou que, ao "discriminar a
mulher", "um grande número de religiões pregou em vão, agiu de
má-fé" e "desrespeitou o sagrado e o divino".
É
sem dúvida lamentável que a gente que escreveu o Antigo Testamento entre o
século X e o século II a.C. não conhecesse e privasse com o dra. Augusta e o
dr. Mário Soares, para vantagem da humanidade e da correcção política.
Sobretudo, como hoje se constata, a ausência da dra. Augusta (e do PS) foi
trágica. Nem Jesus se conseguiu salvar da catástrofe, embora o dr. Soares,
tentando apaziguar as coisas, admitisse que o Novo Testamento "adoçou um
pouco a imagem da mulher" e a dra. Vilaça, socióloga, simpaticamente
observasse que, no catolicismo, o "culto mariano e a importância" da
figura da mãe compensavam "de certa forma" a notória perversidade de
Roma. Estas consolações não comoveram a audiência.
Em
desespero de causa, o teólogo Bento Domingues, deste jornal, resolveu garantir
que, na tradição da sua Igreja, "o cristianismo é uma invenção de
mulheres, seduzidas por um Cristo feminista". Por abjecta ignorância (e
reverência), não me atrevo a discutir com frei Bento uma tese tão inquietante.
Só sei que nem esta ideia radical abalou a dra. Augusta. A dra. Augusta
"não fica descansada" lá porque a mulher "é enaltecida" em
"textos religiosos". De maneira nenhuma. Como presidente do
Departamento das Mulheres Socialistas, uma seita temível, não descansa enquanto
não corrigir em pessoa, e em assembleia geral, os "textos religiosos"
que por aí andam a pregar, com insídia, a supremacia do homem.
Para terminar o colóquio numa nota
alegre, o dr. Mário Soares confessou que se Deus de facto existir lhe dirá,
como Mitterrand: "Afinal existes." Gostaria de prevenir o dr. Mário
Soares que, se Deus de facto existir, Mitterrand tratou provavelmente com outra
Entidade.
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