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terça-feira, 22 de abril de 2008

Revolução vs Ordem Espontânea

Novamente Olavo de Carvalho na entrevista que citei no meu post anterior:

"[A ordem espontânea] é essência mesma da democracia e do conservadorismo. Que é ordem espontânea? É o conjunto de soluções aprendidas ao longo do tempo. É uma ordem espontânea porque não foi imposta por ninguém. É ordem porque tem um senso arraigado da própria integridade e rejeita instintivamente toda mudança radical. Mas é também aprendizado, isto é, absorção criativa das situações novas por um conjunto que permanece conscientemente idêntico a si mesmo ao longo dos tempos, por meio de símbolos tradicionais constantemente readaptados para abranger novos significados. Examinem bem e verão que ordem democrática é precisamente isso e nada mais. Se, ao contrário, um grupo imbuído do amor a valores tradicionais tenta deter a mudança, ele está introduzindo na ordem espontânea uma mudança tão radical quanto o grupo revolucionário que deseja virar tudo de pernas para o ar, pois o que esse alegado conservadorismo deseja é imortalizar no ar um momento estático de perfeição hipotética. Se esse momento, na imaginação dele, expressa os valores do passado, isso não vem ao caso, porque na prática política esse ideal será um “projecto de futuro” tanto quanto o ideal revolucionário. Uma sociedade só embarca no projecto revolucionário quando perdeu todo o respeito por si mesma. Um respeito que, entre outras coisas, implica o amor aos valores do passado como instrumentos de compreensão e acção no presente, não como símbolos estereotipados de uma perfeição ideal no céu das utopias."

Tudo em direto, sem rede. É raro, raríssimo, encontrar alguém na área da filosofia política que consiga aliar tanta clareza e riqueza de conteúdo nas ideias expressas. Das tais coisas 'para ler e guardar'.

41 comentários:

Anónimo disse...

E o que é uma sociedade? E como é que essa entidade perde o respeito por ela própria? O que é isso? Tretas, pois claro. Devaneios.

Paulo Porto disse...

anónimo

Presumo que a sua pergunta 'o que é uma sociedade' seja retórica, pelo que passo à frente.

Uma sociedade perde respeito por si mesma quando culpa um grupo étinico pelas suas insuficiências, reais ou imaginárias. Uma sociedade perde respeito por si mesma quando uns poucos decidem pela força quem pode ser proprietário do quê. Uma sociedade perde respeito por si mesma quando uma mulher tem de pagar um parto num hospital público mas não paga nada e tem prioridade sobre qualquer outro se for abortar.

O primeiro caso cabe na doutrina revolucionária nazi, ainda que hoje em dia esteja em plena pratica no Zimbábue embora com outra designação. O segundo cabe noutra doutrina revolucionária, o comunismo. O terceiro é também ele uma revolução, agora soft, e é praticada pela esquerda bem instalada na generalidade da Europa.

Anónimo disse...

"É uma ordem espontânea porque não foi imposta por ninguém."

Isto não existe.

"Examinem bem e verão que ordem democrática é precisamente isso e nada mais."

E é um mito que não seja imposta apenas porque representa um consenso.

Passávamos isto à prática, e víamos os muy "conservadores" a fugir a um consenso democrático da sociedade sobre a sua propriedade privada, que poderia ser uma ponte, por mero exemplo.
Nesse caso a ordem democrática vinda de um consenso passa a fundamentalismo revolucionário e gritam "jus cogens! jus cogens!".
Quando, num cenário de economia mista, aparece um louco a exigir a privatização dos rios ou o regresso ao padrão-ouro, ele não é um "revolucionário", e curiosamente, quem defende o statu quo também não é um conservador. Estranho.

Unknown disse...

"É uma ordem espontânea porque não foi imposta por ninguém."

"Isto não existe. "

Tem razão, Rouxinol, a ordem espontanea não existe. É por isso que a língua, a matemática,a natureza, etc, etc, foram outorgadas por deus.

Confesso que ignorava tal coisa, e estou absolutamente abismado por ver que de repente o Rouxinol deu em criacionista e religioso.

Já agora,se não se importa, quem é que inventou a língua portuguesa?
Não acha que se devia dar uma medalha ao tipo? Nem que seja a título póstumo?

ml disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ml disse...

Resumindo: não te mexas, põe-te quietinho no teu canto e bóia ao sabor da corrente. Faz-te de morto, nem acção nem reacção, olha o respeitinho.

Hummmm ...
Com o devido respeito – se ainda o houver – nunca li nada tão paralisante. Acho que nem a roda ainda foi inventada.



O terceiro é também ele uma revolução, agora soft, e é praticada pela esquerda bem instalada na generalidade da Europa.

Essa não, caro PP, parece uma boutade do lidador.
Passe pelos hospitais, pelas clínicas em Portugal e no estrangeiro e veja a qualidade da 'esquerda' que se aproveita da revolução soft. Ou então tem que admitir que a esquerda é a larguíssima maioria das sociedades ocidentais e que a direita se limita a uma reserva ecológica.

ml disse...

É por isso que a língua, a matemática,a natureza, etc, etc, foram outorgadas por deus.

A língua, a natureza, a matemática - sociedades.

Oh deuses, porque fostes tão injustos a distribuir a gestão dos silêncios?

Paulo Porto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Porto disse...

ML

A 'ordem espontânea'não tem a ver com imobilismo. Tudo muda, por muito pouco que seja, e todos os dias. A ordem expontânea tem a ver com mudar de forma racional mantendo o melhor do passado e adequando a mudança ao presente. Uma aplicação desta regra é, por exemplo, adequar a produção legislativa aos factos novos considerando as boas práticas anteriores em lugar de usar a legislação para fazer engenharia social.

Uma das razões centrais para o sucesso da Grã-Bretanha ou dos EUA é o facto de terem sabido mudar sem convulsões maiores. Basta pensar que ambos usam constituições (que na GB recebe outro nome) com centenas de anos. Em minha opinião, a Suiça é um exempo ainda melhor que os dois anteriores, por razões acrescidas. Ainda um dia sai um post sobre a pequena/grande Suiça.

Sobre o aborto; repare que aquilo que eu escrevi tem a ver com a lógica perversa e injusta de o aborto ser gratuito e um parto não ser. Se me está a dizer que são as pessoas com mais posses que estão a benificiar mais da perversão, então está a falar de um assunto ao lado, não muito distante, mas ao lado.

Por fim, como deveria ter imaginado, agradeço o elogio de ter achado que eu disse algo equivalente a uma 'boutade do Lidador'

ml disse...

É claro que tudo vai mudando, caro PP, ‘ninguém pode parar o vento’. Mas espera-se que os homens e a sociedade cruzem os braços e se deixem ir calmamente na onda, sem deixar pegadas, uma pequenina intervenção aqui, outra acolá.
Isso seria interessante se nunca tivesse havido interferências anteriores que foram alterando profundamente esse deslizar manso. Mudar o curso dos acontecimentos foi sentido como uma necessidade quase permanente desde os tempos mais remotos. Agora é que andamos numa de tentar a peace and love, sem muito sucesso em algumas latitudes.

Quando diz que nos EU, no RU e na Suiça as mudanças se têm feito sem convulsões maiores, refere-se certamente à história recente, não a tempos passados. A manutenção da constituição, com Emendas no caso americano, e clarificações, Emendas e outros documentos complementares no caso da Magna Carta britânica - que permitem grande flexibilidade a uma constituição não escrita - significam apenas que muito mais cedo do que os outros países se passaram a reger por regimes ainda hoje válidos. Os acontecimentos violentos que ambos os países viveram não puseram em causa os princípios inscritos nesses documentos.
A história dos países é desigual, não há fórmulas de aplicação universal.


E eu não estava a falar de posses, meu caro PP, mas sim a seguir a sua linha de raciocínio. Não é verdade o que escreveu, porque no que toca a certos ‘arranjos’ não há esquerdas nem direitas. Diabolizar apenas aqueles que legalmente possibilitam aos ‘anjinhos’ servir-se de equipamentos que fingem publicamente condenar não me parece muito certo.

Não sei porque diz que um parto custa mais do que um aborto porque nos hospitais públicos o acesso é igual, tirando as taxas de utilização. Provavelmente refere-se a este aspecto, e nisso dou-lhe razão. No privado paga-se tudo.


Olhe que não era elogio, pode crer. Muito longe disso, mas a opinião é sua, evidentemente.

Anónimo disse...

Autor - "Uma sociedade só embarca no projecto revolucionário quando perdeu todo o respeito por si mesma"

PP - "Uma sociedade perde respeito por si mesma quando uma mulher tem de pagar um parto num hospital público mas não paga nada e tem prioridade sobre qualquer outro se for abortar."

PP-..."terceiro é também ele uma revolução"...

Autor-"Examinem bem e verão que ordem democrática é precisamente isso e nada mais"

Então uma decisão democrática é ou não revolucionária? parece-me que o PP não concorda com o autor e julga a democracia como sendo revolucionária.

"Se esse momento, na imaginação dele, expressa os valores do passado, isso não vem ao caso, porque na prática política esse ideal será um “projecto de futuro” tanto quanto o ideal revolucionário."

Gostava de saber se os autores conservadores deste blogue concordam com esta frase?

STRAN

David Lourenço Mestre disse...

Concordo com o ml.

A historia tem um caracter inacabado, está aberto às contigencias e à mudança, e a mudança por si pode ser expontanea, semiconsciente ou consciente

Paulo Porto disse...

ML

“Quando diz que nos EU, no RU e na Suiça as mudanças se têm feito sem convulsões maiores, refere-se certamente à história recente, não a tempos passados.”

Óbvio. No caso da GB, a mudança espontânea tem sido um sucesso inquestionável desde há mais de 400 anos, o que explica em muito o sucesso de um pequeno país. É interessante comparar a projeção da GB, o país da mudança espontânea, com o declínio da França, o país das revoluções. No caso americano, aplica-se a toda a história do país, excluindo naturalmente a guerra pela independência. Aliás, os EUA são uma mutação para melhor da GB e em maior dimensão.


Sobre o aborto:
“No privado paga-se tudo.”. No público, também, exceto o aborto.

Paulo Porto disse...

Anónimo anterior
(Stranger (suponho eu))

“Então uma decisão democrática é ou não revolucionária? parece-me que o PP não concorda com o autor e julga a democracia como sendo revolucionária.”

A democracia também pode ser revolucionária. A perda de respeito de uma sociedade por si mesma não está em contradição com a democracia. Pelo contrário, parece-me que a maneira mais comum é precisamente essa. Exemplos: o plebiscito do Anschluss e a eleição de Chavez.


Sobre o ponto seguinte, em que pede a opinião de outros, deixe-me citar-lhe a totalidade da entrevista do autor que antecede a passagem que refere:
“Se, ao contrário, um grupo imbuído do amor a valores tradicionais tenta deter a mudança, ele está introduzindo na ordem espontânea uma mudança tão radical quanto o grupo revolucionário que deseja virar tudo de pernas para o ar, pois o que esse alegado conservadorismo deseja é imortalizar no ar um momento estático de perfeição hipotética. Se esse momento, na imaginação dele, expressa os valores do passado, isso não vem ao caso, porque na prática política esse ideal será um “projecto de futuro” tanto quanto o ideal revolucionário.”

Com isto penso que a parte que cita fica devidamente contextualizada.

Isto também serve para dizer o seguinte: O imobilismo de alguns que se dizem conservadores é, efectivamente, revolucionário. E de tal modo revolucionário que é o terreno fértil para revoluções de sentido contrário. Aproxima-se uma data que é o último exemplo nacional desta lógica fatal na política.

Stran disse...

"A democracia também pode ser revolucionária. A perda de respeito de uma sociedade por si mesma não está em contradição com a democracia."

Desculpe mas essa leitura que faz da despenalização do aborto é sua, subjectiva portanto. Duvido que encontre fundamento no que transcreveu do autor para apelidar tal acto como revolucionário e uma situação em que a sociedade perdeu o respeito por si mesmo. Aliás a sua opinião enquandra-se mais próximo do que o autor apelidou também de revolucionário, ou seja no "grupo imbuído do amor a valores tradicionais tenta deter a mudança".

Desculpe, mas podia enquadrar e explicar melhor esta sua frase:
" E de tal modo revolucionário que é o terreno fértil para revoluções de sentido contrário. Aproxima-se uma data que é o último exemplo nacional desta lógica fatal na política."

E sim sou eu, o Stranger...

Paulo Porto disse...

Stranger

Refiro-me ao 25 de Abril. A revolução aconteceu pq o regime anterior não protagonizou a mudança, não se adptou às alterações. Ele foi assim duplamente revolucionário porque (1) quis impor um modelo político que não se adequava à realidade, forçando assim um futuro que só existia na imaginação dos seus lideres, e (2) ao fazê-lo criou as condições para a mudança acontecesse por via revolucionária. Depois os loucos tomaram conta da revolução e o resto foi o que se sabe.

Stran disse...

" Depois os loucos tomaram conta da revolução e o resto foi o que se sabe."

Tirando isto não deixo de concordar com essa visão.

No entanto não entendo é como que alguém que tem essa opinião apelida a alteração à lei da despenalização como um acto em que a sociedade perde o respeito por si mesmo e portanto revolucionário. Da forma como foi feita aproxima-se mais das mudanças que mencionaste e que algumas pessoas/regimes tem dificuldade em se adaptar.

Além de que algo para mim é estranho em ti. Julgava que eras liberal, no entanto agora não tenho tanta certeza. Posso te apelidar de liberal?

Paulo Porto disse...

Claro que sim, liberal.

Stran disse...

Como liberal que és prezas a liberdade de opção correcto?

Unknown disse...

"Como liberal que és prezas a liberdade de opção correcto?"

Não seja tontinho, Stranger. A liberdade de opção não é absoluta, nem que seja pelo facto de existirem leis físicas. Não tenho liberdade de bater as asas, porque não as tenho.

Do mesmo modo, a liberdade total só é defendida em teoria por anarquistas e libertários, não por liberais.
E em teoria, porque na prática nem esses.

Isto para lhe dizer que a minha liberdade de lhe dar um soco no nariz, termina exactamente um milímetro antes dele.
Porquê?
Porque se a levasse até ao fim, podia ver-me a seguir privado da minha liberdade de ficar inteiro.

Por isso deixe-se de caricaturas e homens de palha.
Eu sei que precisa disso. Os seus argumentos são de tal forma estereotipados que só se podem usar contra homens de palha. É por isso que você procura criá-los.
Não pode argumentar contra o liberalismo se não descrever antes numa forma que se adapte à forma como os seus argumentos estão organizados.

Se você tem aí uma bateria de argumentos sobre o carácter sulfuroso do Benfica, necessita primeiro de acreditar que há enxofre na Luz.
Mesmo que não haja, você necessita que haja. E se for preciso, explicará que o xulé dos jogadores cheira ao que cheira porque há sulfatos à solta na Luz.

A falácia do homem de palha é muito primária, Stranger.
Sofistique-se...

ml disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ml disse...

No caso da GB, a mudança espontânea tem sido um sucesso inquestionável desde há mais de 400 anos

Meu caro PP, só mesmo os seus fortes preconceitos contra a França ‘decadente’, porque a conota com a esquerda, é que podem levá-lo a firmar que o fluir histórico no RU e dos EU é praticamente espontâneo.

Se há história violenta desde o começo até aos nossos dias é a do RU, e nem sequer vou para o plano externo, porque então aí haveria muito pano para mangas quanto a tentativas de preservar à força o passado, nuns casos, e de agir violentamente para acelerar o futuro, em outros.

Desde a matança que durou gerações entre as duas famílias reinantes, continuando com o afastamento de Roma, cujas consequências em conturbações sangrentas duraram séculos e foram apenas definitivamente enterradas em meados do séc. XVIII, após mais revoltas, as chamadas jacobinas (não, não se benza já, tem a ver com James ou Jacob e não com o que está a temer); duas revoluções, uma guerra civil, a deposição da monarquia e proclamação da república, a restauração da monarquia, tudo no séc. XVII; a frente de confronto permanente que foi a Irlanda até à independência do Eire no início do séc. XX, a semi guerra civil que continuou a grassar no Ulster até aos nossos dias, nada, mas nada na história do Reino Unido foi o doce fluir da história a tocar harpa. E sempre com a Magna Carta como pano de fundo.

E quanto aos EU, se começarmos a olhar para o extermínio dos índios durante a conquista a oeste, continuando com a abolição da escravatura e a guerra civil que deixou o sul completamente destruído, o assassinato do Lincoln, o Ku-klux-klan, o assassinato dos Kennedy, Luther King, as revoltas em Detroit e Los Angeles, também não se pode dizer que ficaram à beira do rio a ver passar a corrente.

Está a querer encaixar a história no que gostaria que ela fosse para carrear argumentos para a sua ideologia. Não pode, porque nada foi como afirma.

Stran disse...

Meu caro Lidador,

Que estranha reacção a uma questão que nem foi endereçada para si.

No entanto é benvindo ao debate.

"A liberdade de opção não é absoluta..." concordo por diversas razões.

"Isto para lhe dizer que a minha liberdade de lhe dar um soco no nariz, termina exactamente um milímetro antes dele."

Ok, também concordo com o lema de que "a liberdade de uns termina onde começa a liberdade dos outros".

A minha questão é: no espaço que medeia a sua acção até um milimetro antes do meu nariz defende totalmente a sua liberdade?

Unknown disse...

Totalmente, caro Stranger, desde que, obviamente, no caminho não atinja outro nariz que não o seu.

By the way, é por isso que o aborto não é (não devia ser) APENAS uma questão de liberdade pessoal, como fazer uma plástica, ou extrair um rim.

Há qq coisa que é afectada e não é apenas um rim....

ml disse...

A historia tem um caracter inacabado, está aberto às contigencias e à mudança

mestre Mestre, em história só a mudança permanece. Se há períodos menos agitados - e alguma Europa está a atravessar um deles, apesar dos pesares - num momento tudo pode dar a volta. Não há garantias de nada a não ser de que estas teses do põe-te manso, 'laissez faire, laissez passer', dá muito jeito em certas áreas, mas não só é completamente estranha à vida em sociedade como é a negação da sua vitalidade.
Além de que ela, a própria teoria, já pressupõe mudança, pois é um remake do que já houve em tempos.
Como tudo, passará outra vez, a despeito das vozes que advogam a quietude enquanto o filão está dar.

David Lourenço Mestre disse...

Eu diria, que em periodos de reorganizaçao, por muito redundante que pareça, a mudança é sobretudo consciente, enquanto nos periodos de estagnaçao, estaveis, de calmaria, a mudança ocorre de modo espontaneo

Stran disse...

"Totalmente, caro Stranger, desde que, obviamente, no caminho não atinja outro nariz que não o seu.

By the way, é por isso que o aborto não é (não devia ser) APENAS uma questão de liberdade pessoal, como fazer uma plástica, ou extrair um rim.

Há qq coisa que é afectada e não é apenas um rim...."

OK, mas então qual a sua posição relativo à Eutanásia e ao casamento civil entre homossexuais?

É a favor ou contra? E se for contra em que medida é que afecta a liberdade dos outros?

Unknown disse...

Eutanásia- Tenho o direito de decidir se quero viver ou morrer. A favor, portanto,

Casamento gay- Não há nada que impeça dois gays de viverem juntos. Ninguém tem o direito de ir inspeccionar a alcofa. São livres e acho que nenhuma lei os impede de fazerem o que quiserem.
O que não têm é o direito de exigir que eu lhes pague e o "casamento" é um tipo de contrato que estipula direitos que a comunidade deve aos contratantes.

E contrariamente ao casamento , não vejo que benefícios a sociedade como um todo colhe da extensão desse contrato a outro tipo de partes contratantes.

P.S. Tb não entendo como é que se dá esta cambalhota de querer abdicar da liberdade para a encerrar nas clausulas de um contrato, ao mesmo tempo que se critica o formalismo do casamento e se defende que as relações devem ser livres.

O Stranger é capaz de explicar porque é que uma determinada esquerda, que sempre foi contra o casamento, aparece agora a defender as suas virtudes para os homossexuais?

ml disse...

Eu diria, que em periodos de reorganizaçao, por muito redundante que pareça, a mudança é sobretudo consciente, enquanto nos periodos de estagnaçao, estaveis, de calmaria, a mudança ocorre de modo espontaneo

Depende da profundidade dessa reorganização e mesmo assim parece-me que não temos todas as respostas. O início de uma era sobrepõe-se ao fim da que acaba e só a posteriori é possível uma visão clara dos acontecimentos.

Neste momento a Europa está em reorganização, é uma alteração muito profunda para os países envolvidos e não só, e no entanto toda esta converseta a coloca no quadro da 'velha Europa estagnada'.

David Lourenço Mestre disse...

Se tentarmos espicificar a profundidade da reorganizaçao entao acabamos na metafisica, o melhor é mesmo seguir os instintos como o asno do buridan. E mesmo assim as respostas nao sao satisfatorias, a revoluçao dos cravos foi provavelmente mais consciente do que um espasmo espontaneo da historia, e entao o quee dizer da revoluçao cultural dos anos 60, aquilo foi certamente mais espontaneo do que obra de concelhos administrativos

Stran disse...

Eutanasia - parabéns pela sua posição.


"E contrariamente ao casamento , não vejo que benefícios a sociedade como um todo colhe da extensão desse contrato a outro tipo de partes contratantes."

Se poderem adoptar então tem exactamente os mesmos beneficios que os outros.

No entanto julgo que não é pelo casamento que se constitui uma familia, embora familias (que já estão juntas) acabam por decidir casar pelos privilégios que podem ter. Algo que fica vedado a quem seja homosexual. E não falo de privilégios monetários (que esses poderiam ser suprimidos pela simples união de facto).

Falo do caso de não poder visitar o seu companheiro no hospital numa situação de internamento muito grave ou de não ser legitimo herdeiro de algo (por exemplo uma casa) quando na realidade até pode ter ajudado a pagar.

"O Stranger é capaz de explicar porque é que uma determinada esquerda, que sempre foi contra o casamento, aparece agora a defender as suas virtudes para os homossexuais?"

Não sei explicar a posição de uma determinada esquerda, apenas sei defender a minha posição (que pode ser ou não coicidente).
Para mim o que me provoca mais estupefação é ainda criar-se estas divisões por orientações sexuais. Julgo que não se devia discriminar cidadadãos portugueses. Deveriam ser pessoas de pleno direito. Algo que actualmente não o são.
O que existe é uma clara violação da constituição, e que nenhum partido com poder para tal teve coragem de acabar.

ml disse...

Não se cai necessariamente na metafísica, pode haver resultados 'contabilizáveis'.
Isso não acontecerá com a revolução dos anos 60, os efeitos culturais e nas mentalidades não são tão óbvios nem passíveis de ligação aos acontecimentos. Muita coisa já estava em marcha, inclusivamente o caldo de cultura que tornou possível a espontaneidade do Maio/68.

Mas o acontecimento político que abalou de alto a baixo toda a estrutura da sociedade inglesa - a separação de Roma - foi de ruptura abrupta com o que estava para trás e impulsionou a modernidade num pais que se regia ainda por comportamentos feudais.
Pode dizer-se que essa modernidade tem data no calendário.

Nas sociedades contemporâneas os ciclos são muito mais rápidos, as influências múltiplas, identificar as relações de causa/efeito é tarefa sempre em aberto.

Unknown disse...

Caro Stranger, está a misturar alhos com bugalhos. O casamento é um contrato entre um homem e uma mulher. Um contrato de compra e venda é entre um comprador e um vendedor.
A lei regula-os porque o legislador considerou isso importante e relevante. Poderia tb ter regualado o contrato entre um gato e um gafanhoto,se considerasse o assunto importante.
Entre dois homens ou duas mulheres não regulou qq tipo de contrato, pelo que os contratantes podem perfeeitamente esabelecer as clausulas do seu contrato, reconhecê-las e enviá-las para o Diário da Republica,se quiserem. Ninguém os impede, estão à vontade. O que não faz sentido é que o gafanhoto e o gato queiram que a sua relação de interesses seja abrangida pelo contrato de compra e venda, tal como os homossexuais querem que se estenda a eles o contrato de casamento.
O legislador achou até agora que não faz sentido. Eu estou de acordo. Você não.
Azar!

Quanto às heranças e outras minudências, num país livre cada um pode fazer o testamento que bem entender e deixar tudo ao gato.
Só se o não fizer é que o estado entra e aplica a receita comum.

Quanto ao "discriminar", não sei se reparou, mas a natureza estabelece umas diferençazinhas. Tem mesmo de ser a mulher a parir e a amamentar e nem a Constituição, do alto de toda a sua resplandecência, pode resolver o problema.

Quanto à "violação da Constituição", ignorava que tinhamos aqui no blogue a comentar, um juíz do SSe Tribunal Constitucional.

Paulo Porto disse...

ML

Sobre estes 400 anos de ordem espontânea na GB naturalmente que corrijo para 350. É verdade que quando se escreve em comentário sem mais este tipo de erros pode acontecer. Mas como é também óbvio que me referia ao período posterior à restauração da monarquia, momento a partir do qual o país se foi transformando na maior potência mundial, só superado muitos anos mais tarde pelos EUA que, não por acaso, são um derivado cultural britânico.

Ainda assim, existem duas instituições que foram um referencial no país: a Magna Carta, e o Parlamento. A Inglaterra foi sempre, depois da Suiça, o país mais livre da Europa.

Um último caso ainda sobre a Inglaterra. Repare que a separação de Roma não altera de alto a baixo a estrutura da sociedade, como escreveu. Antes foi a forma que uma mulher de visão e coragem raras, a rainha Isabel I, encontrou para reforçar e consolidar uma fórmula que já era, e continuou sendo, umas das bases da pujança britânica mais de cem anos depois, isto é, o poder civil, por mais que se inspire na religião, não depende do poder dos clérigos. Em França algo parecido com isto só se conseguiu muitos anos depois, no meio de um mar de sangue revolucionário e com intolerâncias de esquerda que duram até hoje. Esta é mais uma comparação entre ordem espontânea e revolução.

Não me benzo com jacobinos, como não se perde tempo com benzeduras quando as unhas saem das patas. Mas não há confusão possível, basta que use a designação correta para as pessoas que referiu: jacobitas.

Sobre os EUA; em minha opinião os factos que referiu não foram revoluções nos EUA, foram acontecimentos ou convulsões que não alteraram a ordem constitucional do país e cuja saída ocorreu dentro dessa ordem. Assim, esses factos servem para reforçar o meu argumento.

Em resumo. É bem verdade que, para a esquerda, quando há dores de cabeça entra-se em pânico e declara-se doutoralmente que é preciso abrir crânios. O problema é que, abertos os crânios, feitos os estragos, se repara que não estava lá nenhum tumor cerebral. Ficam os danos difíceis de reparar. E afinal tudo se tinha resolvido tomando paracetamol.

ml disse...

Meu caro PP, percebi. Uma facção imbuída de valores tradicionais tenta pela força deter a mudança, outra entusiasmada com os valores revolucionários impõe um ideal de futuro, deixam metade do país em destroços, decidem quem pode ser proprietário de quem, obrigam à mudança do espírito da constituição através de várias Emendas e conduzem ao assassinato de um presidente. No entanto nada disto é tão grave nem tão capaz de incomodar a espontaneidade da história como um aborto.


Repare que a separação de Roma não altera de alto a baixo a estrutura da sociedade, como escreveu.

Não foi assim.
É difícil resumir a revolução no sistema social, judicial, fiscal, produtivo, comercial, cultural, educativo, que os Tudor (e não apenas Isabel) iniciaram.
O simples facto de o poder ter deixado de ser bicéfalo, limitado por Roma e pelo peso da sua estrutura – benfeitorias, imunidades, direito de justiça privada, direito de licença sobre a escolarização dos vilãos, recolha de impostos, educação -, fez com que o poder régio passasse a controlar sozinho, com soberania quase ilimitada, todos os domínios da vida dos súbditos. Desde assuntos de matéria religiosa, assistência aos pobres, administração de justiça e passando por todos os outros, o estado tudo reformou, alterou e passou a supervisionar.

E de mãos livres da concorrência papal, os poderes intermédios até então exercidos pelos mosteiros, senhorias, corporações, guildas, fortemente ligados ou dependentes do poder eclesiástico, não tardaram a ser enquadrados numa estrutura nacional administrada por mãozinhas régias.
As instituições que resistiram ou que colidiam com o poder central pura e simplesmente desapareceram e o estado redesenhou o sistema existente de acordo com as novas necessidades.

E para além dos impostos que antes ficavam por outras mãos e lhes permitiam administrar o poder que tinham, a nova autoridade régia recolheu também as prebendas, as imensas riquezas da igreja católica, cujas propriedades em grande parte passaram para as novas classes emergentes em que a coroa e o parlamento passaram a apoiar-se, enquanto os vilãos desapareciam e a nobreza rural perdia os privilégios e entrava em decadência.

Como para si todas as convulsões dentro do sistema não passam de constipações (o que não me parece ser o conceito expresso no texto do Olavo), continua a insistir nos 350 anos. Se assim é nós, portugueses, somos ainda mais estáveis do que os britânicos, apenas tivemos um 'desvio' quando derrubámos a monarquia.


no meio de um mar de sangue revolucionário

Meu caro PP, a sua aversão aos processos históricos que desaprova ideologicamente é notável e faz com que veja os acontecimentos com duas lentes. Tanto em França como na Grã-Bretanha e para os milhares de mortos, as fogueiras, as forcas, as decapitações, os litros de sangue que correram foram os mesmos, não vejo diferença a não ser na distribuição numérica por unidade de tempo. O que verdadeiramente o incomoda é a ideologia, não os processos. Se o tumor for 'amigo' do sistema, dê-se-lhe paracetamol.
Mas quanto a isso a história é inocente, a medicação é apenas sua.

Stran disse...

"Quanto às heranças e outras minudências, num país livre cada um pode fazer o testamento que bem entender e deixar tudo ao gato.
Só se o não fizer é que o estado entra e aplica a receita comum."

É o que dá quando fala do que não sabe. O que disse é falso pois um testamento desses sem a aprovação dos legitimos herdeiros é inválido. Portanto consegue imaginar que numa temática tão sensivel como esta chegar a acordo com o legitimo herdeiro é por vezes complicado...

Além de que um casamento é principalmente um contrato para duas pessoas constituirem familia, pelo que julgue pode perfeitamente ser alargado a noção de familia para englobar esta realidade.

Mas para uma mente "revolucionária" como a sua é muito dificil compreender isto

Unknown disse...

Tem razão, Stranger, confesso que pouco sei sobre a magna questão dos direitos testamentários dos homossexuais. É uma coisa importantíssima que devia ser ensinada nas escolas. O futuro da Pátria disso depende.
Felizmente temo-lo aquo a si, a ensinar o beábá da coisa a estes pobres ignorantes.

Quanto ao "casamento ser principalmente" isso que você acha, atrevo-me a sugerir-lhe que estabeleça uma sólida parede entre os seus desejos e o Código Civil.

Paulo Porto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Porto disse...

ml

Sobre o seu primeiro parágrafo, em que chamou revolucionários aos apoiantes da União e tradicionalistas aos da Confederação; trata-se de uma apreciação tenta fazer encaixar a coisa numa lógica de esquerda. Acontece que a realidade não se ajustou, como costume, à lógica da esquerda, e os verdadeiros revolucionários foram os que quiseram cristalizar uma certa realidade no tempo, e os conservadores os que mudaram e se mantiveram fiéis à Constituição dos EUA. Olavo de Carvalho tem razão.


Ainda a Inglaterra

A ml tem as coisas à sua frente, consegue lê-las, mas faz um esforço terrível para mostrar que as coisas estão a andar para trás, por mais que elas andem para a frente, ou vice-versa, isto é, para que elas encaixem numa lógica de esquerda. Fez uma boa descrição do que se passou com os Tudor e a forma como os reis ingleses se souberam sobrepor a Roma sem revoluções. Portanto, evolução espontânea. Mas finalmente tem de meter qualquer coisa a martelo, no caso, o fim dos mosteiros. Acontece que o fim dos mosteiros não se traduziu em o Estado passar a desempenhar tarefas humanitárias dos monges, isso é conversa jacobina, já lida em muitos outros sítios, que não aconteceu neste caso nem em caso nenhum. O fim dos mosteiros serviu apenas para distribuir propriedade pela burguesia e pela nobreza, a preços módicos e com receitas a favor da coroa. Dizer mais do que isto é dourar pílulas. Tudo isto na Inglaterra do séc.XV, muitos antes de todos os outros. Só mais uma, a decadência da nobreza rural inglesa não acontece nesta altura, mas bem mais tarde, com a revolução industrial.

Escreveu “Tanto em França como na Grã-Bretanha e para os milhares de mortos, as fogueiras, as forcas, as decapitações, os litros de sangue que correram foram os mesmos, não vejo diferença a não ser na distribuição numérica por unidade de tempo."
Não. No PREC francês morreram cerca de 1.5 milhões de inocentes. Nada se compara a isto em qualquer outra guerra civil europeia.


“O que verdadeiramente o incomoda é a ideologia, não os processos”. Caríssima, se assim fosse então eu seria eu seria homem de esquerda.

ml disse...

Sabe que ainda me ri com a sua observação de que tento encaixar numa lógica de esquerda a revolução social operada pelos Tudor - como se não bastasse a história - e que só os jacobinos (ressuscitaram?) é que afirmam que os pobres passaram a ser uma responsabilidade social imposta pelo estado?
Então lembrei-me do velhinho Trevelyan e fui à procura dele. Mas nem precisava, já que a Isabelinha deixou tudo preto no branco ao ter feito promulgar a ‘Poor Law’, que obrigava ao levantamento de impostos para atender os pobres, com registo obrigatório e tipificados para efeitos de assistência.


O fim dos mosteiros serviu apenas para distribuir propriedade pela burguesia e pela nobreza, a preços módicos e com receitas a favor da coroa e já agora para dar mais uma machadada na igreja católica resistente.

Nunca relacionei o fim dos mosteiros com a assistência estatal aos pobres, até porque não eram as únicas instituições que até aí exerciam caridade.
Quanto à decadência da nobreza rural, referia-me à feudal, evidentemente.

E caríssimo, eu nunca pretendi que se transformasse num homem de esquerda, também não vou tão longe. Apenas me espanta que o seu horror ao sangue seja tão selectivo. E também me espanta o papel revolucionário do aborto na história, que consegue reviravoltas sociais vedadas às guerras civis e às convulsões violentas.


A ml tem as coisas à sua frente, consegue lê-las
Espero que o mesmo possa acontecer consigo.

Stran disse...

"Tem razão, Stranger, confesso que pouco sei sobre a magna questão dos direitos testamentários dos homossexuais. É uma coisa importantíssima que devia ser ensinada nas escolas..."

Por acaso devia pois é uma discriminação, ou seja um atentado à nossa constituição.

"...a estes pobres ignorantes."
Pelo menos admite já é um passo relativo ao seu passado recente em que se julgava dono da razão...

"Quanto ao "casamento ser principalmente" isso que você acha, atrevo-me a sugerir-lhe que estabeleça uma sólida parede entre os seus desejos e o Código Civil."

O problema não é entre os meus desejos e o Codigo Civil mas sim entre a Constituição e o Código Civil.

Existe algum outro contrato no Código Civil cujos contraentes não o poderam assinar por serem homosexuais?