A História regista Carl Sagan como um bom cientista e um invulgar divulgador da ciência. Os seus livros sobre ciência são de leitura obrigatória.
“
Um mundo infestado de demónios”, escrito em 1995, é um livro emblemático, sobre a influência do pensamento mágico em todas as épocas da História. Tenho-o ao alcance e profusamente sublinhado.
Tendo sido um “
liberal” moderado (
no sentido americano do termo) durante grande parte da sua vida, uma certa esquerda reclama-se proprietária da sua memória numa tentativa de marcar território e associar as suas convicções políticas à excelência como cientista. Trata-se de uma atitude algo primária, mas que se entende. Einstein sofre do mesmo sequestro.
Claro que, pelo mesmo racional, Teller, Heisemberg, e outros vultos incontornáveis da Física seriam considerados imbecis por terem outras visões políticas.
Sagan era apenas um homem e, como todos os homens, o seu carácter desdobrava-se em múltiplas dimensões, não necessariamente “boas” ou “correctas”.
Do facto de ser consumidor de haxixe, dificilmente se pode concluir que os consumidores de haxixe são génios da ciência ou que os génios da ciência têm de consumir haxixe.
Em termos políticos, Sagan comungava da amálgama ideológica que caracteriza a
“bempensância”: uma mistura estranha de liberalismo clássico, com cristianismo, utopia libertária, pieguice, demagogia floribélica e crenças vagamente socialistas.
Na altura este indigesto
pot pourri estava na moda, e era assumido como a “Verdade”, por quase toda uma geração de intelectuais formatados no cadinho do marxismo cultural.
Era essa amálgama que fazia dele anti-nacionalista embora vivesse e prosperasse na nação mais bem sucedida do planeta; ou anti-capitalista, embora usasse os frutos mais saborosos do capitalismo.
Foi também essa amálgama irracional que o levou a politizar a sua credibilidade científica desaguando nos dois maiores fracassos da sua vida:
O
catastrofismo climático e a oposição à
Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE) de Reagan, presidente que na altura era brindado pela
bempensância com os mesmos adjectivos que hoje estão reservados a Bush.
Quanto ao
catastrofismo climático, Sagan liderou um grupo de activistas que profetizava o
arrefecimento global, e dardejava veementes condenações ao capitalismo, ao nuclear e à indústria. Hoje como ontem, a amálgama esquerdista aglomera-se também por detrás do catastrofismo climático e usa a mesma retórica, os mesmos alvos e as mesma tácticas embora a questão esteja apontada numa direcção que dista exactamente 180º.
Quanto à
IDE, na campanha presidencial de 1984, Sagan fez frente com Walter Mondale e com uma plêiade de activistas de esquerda (
e direita, note-se), contra a IDE e contra as políticas de Reagan, não se dando conta de que a sua posição era exactamente aquela que interessava ao Kremlin.
Em termos puramente técnicos, Sagan tinha razão, isto é, o projecto era caro e de factibilidade duvidosa. O que Sagan nunca parece ter compreendido, é que o jogo de poder é essencialmente um jogo de percepções, tal como o
poker, em que o que realmente interessa não são as cartas na posse do jogador, mas sim as que o adversário acredita que ele tem.
Os líderes soviéticos, levando ou não a IDE a sério (
e tudo indica que levaram), sabiam que a URSS não estava em condições, económicas e tecnológicas, não só para acompanhar o
bluff, mas também para construir mais mísseis que saturassem o eventual sistema.
A História provou que as politicas de Reagan era superiores e hoje poucos investigadores credíveis têm dúvidas de que foram elas que encostaram a URSS à parede e a levaram a lançar a toalha ao tapete.
A memória é curta, a ignorância deliberada é poderosa, mas convém relembrar que o “
cowboy” “
warmonger”, Reagan só avançou com estas politicas após a URSS ter estupidamente recusado a chamada
Opção Zero, (
a total erradicação das armas nucleares no teatro europeu), numa altura em que toda a gente acreditava que o seu poder era esmagador. Acabou por aceitá-la mais tarde, em posição de fraqueza.
Carl Sagan, nestas matérias esteve do lado errado da História e aqueles que se encostam à sua autoridade noutros campos, não entendem que lhe estão a denegrir a imagem de homem de ciência, trazendo à superfície os seus fracassos.