De há uns tempos a esta parte, sem que isso faça (aparentemente) muito mal, a sociedade em que vicejamos acentuou uma característica que vai sendo estruturadora de uma determinada concepção de mundo: a proliferação de prémios, de concursos, de galardões. Sempre, naturalmente, coroados com a entrega de umas quantias em dinheiro, para além de diplomas, certificados e medalhas, que muito agradam aos felizes contemplados e criam um esfuziante ambiente simultaneamente de boa disposição e seriedade gratificada/gratificante.
Em Portugal, tal como nos outros países em geral, tem sido uma delícia: os prémios literários e artísticos multiplicam-se, os concursos televisivos reproduzem-se, a emulação entre as partes envolvidas garante bons minutos de emoção num corropio de competitividade que, evidentemente, se torna típica e natural.
Tal como no Carnaval, ninguém leva a mal...
Isso concorre, naturalmente, para criar um determinado tipo de saudável mentalidade e, ao mesmo tempo, estabelece uma habituação à guisa do famoso cão de Pavlov: e é ver-se que a salivação dos vates, dos artistas, dos talentos à compita, se dá pacificamente, pois se acha tudo lógico, muito natural e sem qualquer gato escondido com a venera de fora.
Mas deixemos isso, que para chatices já bastam as propiciadas pelos que nos tratam do dia-a-dia (e não me estou a referir, garanto, ao meu arqui-adversário, o Engenheiro, a quem aliás reconheço grandeza de alma).
Também eu, para não parecer desmancha prazeres, arranjei um concursozito. E como sou de meu natural folgazão e muito ocidentalizado, articulei os tais quatro cenários – sem ostensividade subversiva como os mais atentos notaram e os mais marotos quiseram empandeirar... Mas sem o conseguirem, claro, pois se tratava como disse de cenários cinematográficos evidentes!
Quem não notou que a quarta estorinha se referia à primeira versão de “O fugitivo”? E a terceira à versão original de “O principe da cidade”? E a segunda ao excelente “Antes da meia-noite”, com o grande Georges Rivière?
E agora vamos à primeira, em que um dos fiéis inimigos acertou (por acaso?): eu disse que correspondia a um facto real e...era verdade (contra o que é meu hábito, não menti!). Foi um facto sucedido mesmo e apresentado entre nós, os previlegiados que dispõem de TV cabo, na “Zone Reality”. Deu-se há uns anos numa cidedezinha do Maine.
O truque, como os menos distraídos logo notaram, residia em se simular que podiam ter sucedido entre nós, neste ridente país onde felizmente, devido aos esforços de quem tutela a segurança nacional e os bons costumes, coisas daquelas não acontecem, para bem do nosso amantíssimo coração benevolente.
Algo me diz que, num futuro longínquo, poderá haver aqui outro concurso, como este pejado de êxito.
Tudo dependerá, é claro, dos nossos patrocinadores...ou se até lá eu não fôr arrecadado!
Lagarto, lagarto...!
PS - E agora a derradeira má notícia: o elegante balde de plástico que substituíra o jipão e podia servir como sucedâneo da taça que o Benfica parece ir ganhar no final do Campeonato, foi-me surripiado da garagem onde o escondera prudentemente no meio de cobertores velhos e coisas assim. Fiquei consternado e irritado.
Que diabo, por vezes chego a pensar que, cá, a segurança já não é o que era!
It is quite gratifying to feel guilty if you haven't done anything wrong: how noble! (Hannah Arendt).
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