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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O PRAZER DE CITAR

Tenho um gosto pronunciado pelos provérbios e as citações.
Os provérbios porque, independentemente da sua justeza, por vezes são pérolas de fantasia verbal; as citações porque correspondem a momentos excepcionais no espírito dos autores das frases, quando a mente, em fase ascendente e profundidade fecunda, traça girândolas que jamais se apagam.
Além disso, ambos são úteis. Os primeiros servem muito bem para nos acautelar o dia-a-dia, tornando-nos mais atentos às eventuais ciladas; os segundos, além de serem uma homenagem reconhecida a quem as pronunciou ou escreveu, dão sempre sinal sonoro que ilumina tudo em torno.
Assim, por exemplo, quando um político astuto e cheio de ronha vem prometer mundos e fundos, tirando o pigarro uma pessoa pode responder-lhe parafraseando Churchill: " Pois... Como se eu não soubesse que a política é a arte de ajudar o público a não tratar dos assuntos que lhe interessam...". E, se um malacueco qualquer até nós vem com falinhas mansas para nos interessar num negócio chorudo e de mão-beijada, podemos raciocinar: "Tá bem, deixa...Como se eu não soubesse que não dá o frade do que bem lhe sabe!". Se alguém se queixa de que, num estabelecimento, comprou um produto bom e barato, desses que a perclara televisão nos mete pelos lúzios adentro e que a breve trecho pifou, pode pensar com equilíbrio: "Fui um saloio... Então não sabia eu que as pechinchas dão em requinchas?". E, ao saber que num determinado serviço público certos funcionários andaram a lesar o contribuinte mediante actos de pequena ou grande corrupção, abafados pelos superiores factuais, pode comentar com filosofia: "Os javardos, na lama, são donos como el-Rei no Paço...". E a alguém que se admire de que num areópago os representantes populares passem o tempo a bulhar por dez réis de mel coado, esquecendo os interesses da nação, pode responder-se com sensatez: " Deixe lá... Se se pusessem de acordo é que se calhar era mau. Pois não sabe o meu amigo que quando os barões se abraçam quem leva as pauladas é o servo?". Espanta-se uma pessoa porque os inquéritos sobre os casos das contas de… e das luvas de... demoram a deslindar-se? É referir-se-lhe, com bonomia: "Tenha lá tento! Então nunca ouviu dizer que a roupa suja deve ser lavada em família?". E ao fabiano que comente o ar patibular de certas figuras públicas, pode esclarecer-se sensatamente, a exemplo de Oscar Wilde: "Note, meu caro, que cada sujeito tem a cara que merece. Aliás, a partir dos trinta anos cada um é responsável pela cara que tem...". Vem um tipinho, muito moralista, metido na sua indumentária a dar conselhos à gente, pela televisão e pela rádio, alertando-nos para a nossa falta de contenção na fala e para o nosso amor ao mundo, ao dianho e à carne? É repontar-se-lhe de pronto: "Sim, sim...Bem prega frei Tomás". Ou, como escreveu um dia Benjamin Péret, "Quando eu tinha 20 anos, os espertalhaços avisavam-me: vais ver quando tiveres 40 anos! Tenho 40 anos - não vi nada...".
Pela minha parte, digo que embora os ditames e as citações sejam inúteis para ultrapassar certas situações de facto (vejam, por exemplo, se é possível acabar com o abuso de poder de certos donos dos grandes dinheiros com um provérbio jogado à cabeça do argentário) o que não admira pois lá reza o ditado sobre o trinta-e-um de boca, e sabe-se que cantar é bonito mas não enche barriga, serei sempre apreciador de tão concisos conceitos.
Bom, mas calo-me já para não correr o risco de algum leitor mais afoito me dizer fique-se com a sua sabença que eu fico-me com a minha mantença ou, pior ainda, vozes de jerico não chegam ao firmamento.
E não me assistiria, está de ver, o direito de ficar torpemente desagradado, como fazem certas coléricas personagens que, por enquanto, nos tratam do quotidiano...

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