Tirando meia dúzia de académicos, o mundo universitário, ainda encafuado no sarcófago do marxismo cultural ou embrenhado nos afunilamentos da especialização, tem sobrevoado de muito alto o fenómeno da guerra, limitando-se a verter sobre ele a catilinária da condenação moral ou analisando-o apenas com as lupas da História e da Alta Estratégia.
É pena porque a guerra, o mais exigente desafio da espécie, é um verdadeiro filão, diria até a essência do conceito capitalista de “destruição criadora”.
Aí à sua volta, caro leitor, na conspícua normalidade paisana, vicejam descaradamente objectos, métodos e linguagens gerados no útero da violência organizada.
A começar pela Internet, saída directamente das entranhas de um projecto militar americano.
A Investigação Operacional, os Sistemas de Informação Geográfica, o GPS, as redes de comunicações, etc., são filhos legítimos do animal, bem como conceitos de organização, como “staff”, “linha, “logística”, etc
A linguagem do dia-a-dia, essa é uma verdadeira cornucópia de expressões guerreiras.
Entre empresas estratégicas, e a táctica a seguir, despoleta-se o problema, ataca-se a situação de frente, porque a melhor defesa é o ataque, combate-se na batalha da produção, pela defesa dos direitos, luta-se pela paz, faz-se a patrulha ideológica, recebe-se um salário, com ou sem trabalho de sapa, enfim, é um louvar a deus de expressões marciais.
Mas é no linguarejar politicamente correcto, que a organização militar pede meças e reclama brios.
Nas ordens de operações não se mata, neutraliza-se.
Malhar com centenas de granadas sobre os infelizes que têm o azar de vir por onde a gente os espera, chama-se “barragem”, e lançar algumas mortíferas ameixas sobre uns castiços que se vêem ao longe, designa-se “flagelação”. Destruidores bombardeamentos de artilharia são “fogos de apoio” e uma “retirada sob pressão” é basicamente uma sofisticada técnica tefe-tefe, que consiste em bater com os calcanhares nas nádegas.
De uma unidade estraçalhada e reduzida a meia dúzia de aterrorizados pobres diabos, diz-se que tem o seu potencial de combate reduzido e está “inop”. Se for do inimigo, está “neutralizada”.
De resto nas operações militares não há mortos, apenas “baixas”.
Hipocrisia?
Neste caso, não, ao contrário do linguarejar da esquerda "moderna", ou "pós-moderna".
De um modo geral, este afastamento da linguagem em relação à rudeza do real, visa ordenar o caos letal dos campos de batalha num conjunto de rótulos cuja assepsia permite manter alguma sanidade mental nas cabeças dos homens lançados em situações impossíveis e agredidos por um meio ambiente que os quer literalmente matar.
Racionaliza-se o medo e mantém-se o domínio da razão sobre o instinto.
(Publicado na edição de Janeiro da Revista "Atlântico")
It is quite gratifying to feel guilty if you haven't done anything wrong: how noble! (Hannah Arendt).
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3 comentários:
Bonitas palavras para racionalizar a barbárie.
Convenceu-me lidador. A guerra é uma coisa bonita e criadora. Consta que Hitler também concebeu o belíssimo cão pastor alemão de cor branca. Um doggie que é uma fofura. Não tão fofo e útil como o gps e outras "criações da guerra".
Posta fantástica. Continue lidador.
Só o Hitler? Espere até ver a lista dos criadores de beleza. Não deve tardar.
Agora, em vez de sanfona, toca a rufar.
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