Somos animais de hábitos, e eu confirmo que não passo sem alguns rituais diários, como o café depois da refeição, ou uma olhadela à blogosfera.
Com o tempo, certos rituais comunitários, cuja origem se perde na memória, acabam por ganhar a patine da tradição.
Sou um conservador, e por isso penso que algumas tradições, por traduzirem o direito do homem à continuidade, funcionam como uma espécie de cimento identitário, contribuindo para a coesão interna de grupos, sociedades, organizações e instituições.
Claro que nem todas aparentam ter esta utilidade.
Por vezes, face a algumas, ocorre-nos perguntar:
-Porquê?
As respostas dependem da contigência de cada um, da sua visão do mundo, da extensão dos seus conhecimentos, ou do alcance da sua curiosidade. A maioria delas será limitada e insatisfatória.
Mas, se ninguém questionasse, se tudo aceitasse com bovina resignação, não haveria mudança e uma equivalente da 2ª Lei da Termodinâmica começaria a fazer o seu trabalho, empurrando os sistemas para o seu estado de máxima entropia (mínima organização).
Por vezes é preciso "sangue novo". Os grupos humanos necessitam dele para evitar a degenerescência genética, e as organizações precisam de ideias novas para evitar a progressiva degradação e a tendência para se consumirem a si próprias.
Mas, sendo um animal de hábitos, o homem desconfia da mudança, excepto quando nada tem a perder, e frequentemente, quando se pergunta a alguém porque faz isto desta forma e não daqueloutra, a resposta surge espantada, definitiva e por vezes indignada:
Porque sempre se fez assim!
Muitas vezes trata-se de tradições úteis, daquela que funcionam como traves mestras, embora isso possa não ser imediatamente visível, mas outras vezes, sob sólida aparência, esconde-se madeira carunchosa, travestida de vaca sagrada.
Vem isto a propósito da religião e das crenças em geral, desde as ideologias às paranóias das teorias da conspiração.
O ritual religioso é comum a todas os grupos humanos, e é daqueles que, pela sua aparente irracionalidade, apetece desancar de alto a baixo.
Não acredito em Deus, e também já tive a minha fase de atirar pedras à vaca, numa altura da vida em que a borbulha abunda e a sensatez escasseia.
Feliz ou infelizmente, as certezas mata-frades esvaíram-se na proporção inversa da maturidade e hoje, mantendo a mesma total descrença em Deus, criador ou moral, há coisas que não posso ignorar:
1ª- As sociedades totalitárias que despediram Deus, foram obrigadas a criar religiões profanas, com teleologias e rituais próprios, macaqueando a "alienação" que dizia pretender combater.
2ª- Os resultados da ausência de Deus foram trágicos, em sociedades como a chinesa e a soviética
3ª- A base moral e ideológica da nossa civilização e do nosso regime democrático liberal assenta sobre uma herança religiosa judaico-cristã , de tal modo que Nietzche e Hegel não tinham papas na língua quando definiam o cristianismo como uma religião de escravos e a democracia como a versão secular do cristianismo.
4ª- Na última grande turbação politico-militar do nosso país, foi a imensa força da pertença religiosa católica que impediu o deslizamento sem luta para o totalitarismo comunista.
É por isso que, quando ouço e leio as baboseiras dos mata-frades de serviço da nossa esquerda anti-clerical, não consigo deixar de pensar no tipo que vai partindo os pratos, insultando o cozinheiro e criticando o menu, enquanto se vai empazinando com a comida.
It is quite gratifying to feel guilty if you haven't done anything wrong: how noble! (Hannah Arendt).
Teste
teste
terça-feira, 11 de março de 2008
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Alguém me explica porque têm a GNR e a justiça(?) que meter o nariz para saber se quem trabalha na pastelaria lá está dentro ou não?
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Um dos pilares do liberalismo e do mercado livre, é a constatação, colhida da prática, de que a concorrência, a livre formação dos preços, ...
10 comentários:
"2ª- Os resultados da ausência de Deus foram trágicos, em sociedades como a chinesa e a soviética"
Na china é "relativo", porque o regime maoísta funcionava como uma "religião".
Ainda para mais estão mais do lado do politeísmo. Não acho que os Chineses tivessem um vazio religioso, houve outros factores.
No 4º ponto mais uma vez o senso e bom conhecimento fazem-me ficar estupefacto por saber e bem que o Salgado Zenha e o Soares (embora se digam laicos)estiveram sempre com a Igreja de atalaia.
Aqui em Portugal estamos no oposto da 2ª Lei da Termodinâmica, porque estamos a entrar na entropia, mas devido às "questões" que a liberdade nos garante. Todos se questionam e têm o dever e direito de questionar, criando uma instabilidade legitimada!
Bom post.
[Os resultados da ausência de Deus foram trágicos, em sociedades como a chinesa e a soviética]
Eu diria que os resultados catastróficos foram consequência da maluquiera comunista.
De resto, concordo com a sua visão, que era também a de Hayek.
Caro Lidador
Tudo muito ajustado e razoável, uma análise com precisão que penso que já o vi fazer no 'Triunfo' a este mesmo respeito.
Mas parece-me que há por aí uma contradição interior não resolvida.
Caros vicissitude e LO, os comunismos são, para todos os efeitos, religiões profanas.
Antecipam um céu de felicidade e exigem o mesmo tipo de crença e rituais.
O que confirma o que disse: não havendo Deus, tem de haver algum substituo e o que a história demonstra é que não é melhor, bem pelo contrário.
Por exemplo, antes as pessoas viam anjos e santos a pairar nos ares.
Agora vêem extraterrestres.
Antes eram possuidas por súcubos e íncubos. Agora é por alienígenas de olhos em bico e cabeça grande.
Antes o demónio, as bruxas e os judeus eram a causa de todos os males.
Agora é a CIA, o "grande capital", o "neoliberalismo", o "bush e o blair", as teorias da conspiração e, claro, os judeus (ao menos isto não mudou, sempre há boas tradições que se preservam e a zazie caralheta decerto concordará)
[os comunismos são, para todos os efeitos, religiões profanas]
Concordo, mas não problematizo a catástrofe comunista como consequência de uma troca de um Deus com maíúscula por um deus com minúscula. Deus (com maiúscula) é coisa que não falta para as bandas do Islão, e nessa frente o que vimos até agora não é nada, a catástrofe ainda está por vir.
"Mas parece-me que há por aí uma contradição interior não resolvida."
Nesta matéria há sempre, caro pp. Não acredito em deus, mas acredito que a necessidade de acreditar em algo transcendente é uma constante de todas as culturas em todas as épocas.
"mas não problematizo a catástrofe comunista como consequência de uma troca de um Deus com maíúscula por um deus com minúscula."
Mas olhe que as semelhanças eram muitas, LO, não só na interpretação linear e deterministica da história, como nos rituais.
As pessoas necessitam de acreditar em algo, parece-me.
POde ser no céu, na vinda dos alienígenas, no Reich dos Mil Anos, ou na "Sociedade Comunista".
O rebanho é sempre conduzido da mesma maneira e em vez de santos, temos os mártires da revolução, em vez da confissão, a autocrítica, os profetas, a Revelação.
Está lá tudo....
"Deus (com maiúscula) é coisa que não falta para as bandas do Islão, e nessa frente o que vimos até agora não é nada, a catástrofe ainda está por vir."
É verdade. O que confirma que as religiões não são iguais. O marxismo, o nazismo e o islamismo, estão numa categoria de especial virulência.
Mas o judaísmo, o budismo,o xintoísmo, o taoísmo, certos cristianismos e certos islamismos (por exemplo, a seita do Aga Khan, e os sufis) são relativamente benignos.
Exactamente. Por isso é que não vejo o ateísmo como portador de todas as desgraças e a religião como inofensiva ou benigna. Dpende dos ateísmos e depende das religiões.
Subscrevo completamente as duas últimas opiniões - Lidador e Luís Oliveira - sobre religião, sem tirar nem pôr.
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