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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O JOÃO, O EDGAR E O AMIGO DELE

O João era o mais novo dos três. O Edgar era o mais velho e o amigo finou-se nos quarenta e sete.
Sofria de muitas coisas, coitado: poiquilotermismo, que é a incapacidade de manter estável a temperatura do corpo, ficando-se precisamente ao nível da temperatura comum aos peixes e aos répteis; de prognatismo, o que lhe carregava, nas gripes, os músculos do pescoço dando-lhe aquele ar ligeiramente fantasmal; e numerosas alergias, como fôssem aos poléns, às gramíneas que andam pelo mundo durante a Primavera, ao ar do mar... Meditem na pouca sorte!
Mas isso não o impedia de ser expedito, desembaraçado e verdadeiramente genial. Já vamos ver isso, mas agora deixem que, antes de me debruçar sobre o Edgar, vos diga que há no mundo gente que não gosta da inteligencia, da liberdade, do simples acto de fazer coisas salubres e “desintoxicantes”, como muito bem disse uma senhora brasileira que usa vir visitar-nos.
Daí que não seja dispiciendo falar em pessoas como o amigo dele, o Edgar e o João.
Vamos ao Edgar: deu-se com ele uma coisa curiosa - nasceu num ano terminado em 9, morreu num outro terminado em 9. Até nisto os deuses, nomeadamente o Baco, o cumularam de coincidências! Gostavam de brincar e ele não lhes ficava atrás. Daí que tenha feito muita coisa: por exemplo “O Corvo”, por exemplo “Ullalume”, por exemplo “A queda da casa de Usher”.
Era multidisciplinar, o nosso homem - assim como no resto da vida: scotch, brigas, amores impossíveis, viagens imaginárias. O amigo dele também alinhava nas interrogações ao destino. Antecipava factos, era como uma (sensível) máquina de raciocinar e sonhar o que viria depois, ainda que por vezes em estilo pesadelo. Aí adiante lerão uns versos que até parecem talhados sobre a figura dum tal ben Laden, que bem/mal se conhece. Mas não nos antecipemos...
O João era o mais novito. E o melhor apessoado. Parece que lá na sua Irlanda natal as vizinhas do moço se perdiam de amores por ele e as suas mamãs diziam enlevadas: “O João (John) Updike era mesmo um papossêco p'ró apetite da minha filha”...
Os outros seduziam menos. O Edgar (Allan Poe) era baixinho e magrito e tinha um ar de alcoólico. Mas aqueles olhos! Luziam como estrelas vindas de muito longe – e o amigo dele, o Howard Philips Lovecraft ia na mesma rota.
Estão os três mortinhos da silva – o João marchou há poucos dias, o Edgar celebram-lhe agora o aniversário do nascimento e da morte, o Howard será p'ró ano.
Agora já andam juntos, decerto, pois o João admirava muito os outros dois. Lá vão eles pelo empíreo, na mesma linha editorial...


21. NYARLATHOTEP

Do interior do Egipto eis que por fim chegou
O estranho Obscuro ante quem os felás se inclinavam;
Silencioso e descarnado, de enigmática altivez
Ia envolto em panos vermelhos como as chamas do sol-pôr.

À sua volta juntavam-se multidões ansiosas p´lo seu ditame
Mas ao deixarem-no não sabiam contar que coisas tinham ouvido;
Entretanto, pelas nações se difundia a pavorosa notícia
De que, lambendo-lhe as mãos, o seguiam bestas selvagens.

Cedo começou no mar um daninho nascimento;
Em terras esquecidas cúspides douradas cobriam-se de ervas ruins;
O chão abriu-se e auroras dementes abateram-se
Sobre as tremebundas cidadelas dos homens.

Então, esmagando o que por pirraça ele moldou
O Caos insensato o pó da Terra assoprou.

in “Os fungos de Yuggoth”(2002)
(Black Sun Editores)

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