Este texto (escrito um pouco à pressa, e por cujas imperfeições peço desculpa) pretende ser o início de um complemento e, simultaneamente de uma resposta a este post de Joaquim Simões, a quem prometi fazê-lo.
Anos atrás, quando eu ainda era professor no ensino público, o estágio profissionalizante em ensino, após uma licenciatura, durava dois anos. No primeiro, os estagiários limitavam-se a frequentar e a obter aproveitamento num conjunto de cadeiras teóricas, da responsabilidade do departamento das ciências da educação da respectiva universidade. No segundo, ainda na vertente teórica, era constituído por um seminário no mesmo âmbito, enquanto a vertente prática se concretizava no trabalho realizado, ao longo do ano lectivo, com duas turmas. Essas turmas eram atribuídas por uma escola, trabalhando o estagiário sob a orientação de um colega, o orientador, que, por sua vez, trabalhava em sintonia com o professor da faculdade encarregue de coordenar a formação dada em todos os núcleos de estágio abertos pela mesma.
A classificação profissional era obtida pela média aritmética entre a classificação académica e a que lhe era atribuída nesse estágio. Em teoria, a classificação relativa ao lado prático seria determinada pelo orientador, dado ser ele quem diariamente trabalhava com o estagiário, mas, na realidade, a sua nota era obtida por consenso com o coordenador (que também assistia a duas das aulas dadas pelo estagiário) ou, em caso de desacordo entre ambos, por nova média aritmética.
Os núcleos estruturavam-se com base na distribuição do número de turmas do orientador (normalmente seis) entre ele e os estagiários, e de mais algumas outras, sobrantes nos horários da escola. A atribuição de apenas duas turmas tanto aos estagiários como ao orientador explicava-se por todo o trabalho que quer uns quer outros deveriam realizar para além da leccionação. Esse trabalho consistia na planificação conjunta do programa determinado pelo Ministério, tendo cada estagiário, no entanto, com base nessa planificação, que determinar uma linha de apropriação pessoal do programa, assente numa sua leitura do mesmo, o que implicava, por vezes, uma leccionação em que os caminhos de interligação entre as matérias eram enriquecidos e mesmo alterados. Cada estagiário teria que, por isso mesmo, apresentar planificações das unidades programáticas e das aulas a que o orientador deveria assistir em conjunto com os outros colegas de estágio, procedendo-se a uma apreciação posterior, também conjunta, do seu desempenho. Os formandos deveriam assistir, sempre que possível, às aulas do orientador e fazer uma análise comparativa com o que eles próprios teriam feito face às situações e às questões postas pelos alunos. No sentido de ir limando as dificuldades e de melhorar a leccionação pela troca de impressões e de conhecimentos, o regulamento de estágio estipulava igualmente a obrigatoriedade de reuniões semanais entre os elementos do grupo, e reuniões mensais entre os orientadores e o coordenador ou coordenadores.
Para além disto, o estagiário teria também que dar conta, num trabalho final, da sua experiência como professor, fazer uma apreciação fundamentada da escola e da respectiva população e ainda da perspectiva e das expectativas em que se baseara a sua acção. Isto tanto no que respeita à sua concepção de escola e de leccionação como no que concerne ao envolvimento e dinamização da comunidade escolar.
A classificação profissional determinava (e continua a determinar) a posição na lista de candidatos aos lugares a concurso. Atendendo à crescente escassez de lugares no ensino, em resultado da progressiva diminuição da população escolar, a selecção dos melhores foi acontecendo naturalmente. Lembro-me que, na disciplina de História, cerca de vinte anos atrás, só entraram dois candidatos a professor de quadro de escola, um deles com a classificação profissional de 18 valores e numa das zonas mais recônditas do país.
O que, atendendo a que pelo menos 70% dos professores em actividade foram já seleccionados desta maneira, levanta, obviamente e desde logo, a questão seguinte: a melhoria dos resultados dos alunos estará assim tão dependente da avaliação do desempenho destes docentes, uma vez que só conseguiram um lugar aqueles que obtiveram boas classificações, não apenas académicas como no plano da docência?
Decorre, porém, de tudo isto, uma segunda questão, cuja resposta complica tudo ainda mais: em que consiste o processo de avaliação que a actual equipa ministerial se tem esforçado por impor, a bem da Pátria (socialista)?
Na sua essência, em repetir, ano após ano, o processo de estágio profissionalizante! Desde as planificações até aos projectos pessoais que dinamizem a comunidade escolar, passando pelas aulas assistidas. De outra maneira: em avaliar o que já foi avaliado, aquilo em que o professor já deu provas e do qual resultou a sua selecção como profissional. Com uma diferença fundamental: é que o tempo necessário ao preenchimento de toda a papelada mais ou menos inútil (planificações incluídas, que o que não está claro na cabeça também o não estará por o escrevermos num papel) justificativo da diminuição do número de horas lectivas, é agora acumulado ao tempo de leccionação estipulado para seis ou sete turmas…!
Leccionação para a preparação da qual, evidentemente, os professores passam a ter cada vez menos tempo (é necessário adaptar os recursos e as estratégias ao tipo e ao estado dos alunos a quem ela se dirige). Os grupos e as comissões para apreciar e analisar os projectos multiplicam as reuniões preparatórias e definitivas, retirando também elas tempo de leccionação e de tranquilidade aos que as fazem. Os Conselhos Executivos dispersam-se em burocracia. Todos, todos afogados num mar de papéis e de policiamento mútuo.
Conheço bastantes professores que estão frequentemente, desde o início deste ano lectivo, cerca de 12 horas consecutivas na escola. O descalabro é total.
Imagine-se o que seria um arquitecto de créditos profissionais firmados ter que provar anualmente que sabe fazer o projecto de uma casa!, que a um mecânico especializado em automóveis de alta competição se exigisse, também anualmente, que prove saber quais são as peças de um motor!, que…
Não soaria ridículo que isso pudesse ser considerado como uma avaliação destinado a melhoria profissional? Não se suporia uma enorme incompetência e desconhecimento das questões por parte de quem a propusesse ou estabelecesse? Melhor: alguém acreditaria sequer que, deste modo, se estivesse a querer avaliar fosse o que fosse?
Anos atrás, quando eu ainda era professor no ensino público, o estágio profissionalizante em ensino, após uma licenciatura, durava dois anos. No primeiro, os estagiários limitavam-se a frequentar e a obter aproveitamento num conjunto de cadeiras teóricas, da responsabilidade do departamento das ciências da educação da respectiva universidade. No segundo, ainda na vertente teórica, era constituído por um seminário no mesmo âmbito, enquanto a vertente prática se concretizava no trabalho realizado, ao longo do ano lectivo, com duas turmas. Essas turmas eram atribuídas por uma escola, trabalhando o estagiário sob a orientação de um colega, o orientador, que, por sua vez, trabalhava em sintonia com o professor da faculdade encarregue de coordenar a formação dada em todos os núcleos de estágio abertos pela mesma.
A classificação profissional era obtida pela média aritmética entre a classificação académica e a que lhe era atribuída nesse estágio. Em teoria, a classificação relativa ao lado prático seria determinada pelo orientador, dado ser ele quem diariamente trabalhava com o estagiário, mas, na realidade, a sua nota era obtida por consenso com o coordenador (que também assistia a duas das aulas dadas pelo estagiário) ou, em caso de desacordo entre ambos, por nova média aritmética.
Os núcleos estruturavam-se com base na distribuição do número de turmas do orientador (normalmente seis) entre ele e os estagiários, e de mais algumas outras, sobrantes nos horários da escola. A atribuição de apenas duas turmas tanto aos estagiários como ao orientador explicava-se por todo o trabalho que quer uns quer outros deveriam realizar para além da leccionação. Esse trabalho consistia na planificação conjunta do programa determinado pelo Ministério, tendo cada estagiário, no entanto, com base nessa planificação, que determinar uma linha de apropriação pessoal do programa, assente numa sua leitura do mesmo, o que implicava, por vezes, uma leccionação em que os caminhos de interligação entre as matérias eram enriquecidos e mesmo alterados. Cada estagiário teria que, por isso mesmo, apresentar planificações das unidades programáticas e das aulas a que o orientador deveria assistir em conjunto com os outros colegas de estágio, procedendo-se a uma apreciação posterior, também conjunta, do seu desempenho. Os formandos deveriam assistir, sempre que possível, às aulas do orientador e fazer uma análise comparativa com o que eles próprios teriam feito face às situações e às questões postas pelos alunos. No sentido de ir limando as dificuldades e de melhorar a leccionação pela troca de impressões e de conhecimentos, o regulamento de estágio estipulava igualmente a obrigatoriedade de reuniões semanais entre os elementos do grupo, e reuniões mensais entre os orientadores e o coordenador ou coordenadores.
Para além disto, o estagiário teria também que dar conta, num trabalho final, da sua experiência como professor, fazer uma apreciação fundamentada da escola e da respectiva população e ainda da perspectiva e das expectativas em que se baseara a sua acção. Isto tanto no que respeita à sua concepção de escola e de leccionação como no que concerne ao envolvimento e dinamização da comunidade escolar.
A classificação profissional determinava (e continua a determinar) a posição na lista de candidatos aos lugares a concurso. Atendendo à crescente escassez de lugares no ensino, em resultado da progressiva diminuição da população escolar, a selecção dos melhores foi acontecendo naturalmente. Lembro-me que, na disciplina de História, cerca de vinte anos atrás, só entraram dois candidatos a professor de quadro de escola, um deles com a classificação profissional de 18 valores e numa das zonas mais recônditas do país.
O que, atendendo a que pelo menos 70% dos professores em actividade foram já seleccionados desta maneira, levanta, obviamente e desde logo, a questão seguinte: a melhoria dos resultados dos alunos estará assim tão dependente da avaliação do desempenho destes docentes, uma vez que só conseguiram um lugar aqueles que obtiveram boas classificações, não apenas académicas como no plano da docência?
Decorre, porém, de tudo isto, uma segunda questão, cuja resposta complica tudo ainda mais: em que consiste o processo de avaliação que a actual equipa ministerial se tem esforçado por impor, a bem da Pátria (socialista)?
Na sua essência, em repetir, ano após ano, o processo de estágio profissionalizante! Desde as planificações até aos projectos pessoais que dinamizem a comunidade escolar, passando pelas aulas assistidas. De outra maneira: em avaliar o que já foi avaliado, aquilo em que o professor já deu provas e do qual resultou a sua selecção como profissional. Com uma diferença fundamental: é que o tempo necessário ao preenchimento de toda a papelada mais ou menos inútil (planificações incluídas, que o que não está claro na cabeça também o não estará por o escrevermos num papel) justificativo da diminuição do número de horas lectivas, é agora acumulado ao tempo de leccionação estipulado para seis ou sete turmas…!
Leccionação para a preparação da qual, evidentemente, os professores passam a ter cada vez menos tempo (é necessário adaptar os recursos e as estratégias ao tipo e ao estado dos alunos a quem ela se dirige). Os grupos e as comissões para apreciar e analisar os projectos multiplicam as reuniões preparatórias e definitivas, retirando também elas tempo de leccionação e de tranquilidade aos que as fazem. Os Conselhos Executivos dispersam-se em burocracia. Todos, todos afogados num mar de papéis e de policiamento mútuo.
Conheço bastantes professores que estão frequentemente, desde o início deste ano lectivo, cerca de 12 horas consecutivas na escola. O descalabro é total.
Imagine-se o que seria um arquitecto de créditos profissionais firmados ter que provar anualmente que sabe fazer o projecto de uma casa!, que a um mecânico especializado em automóveis de alta competição se exigisse, também anualmente, que prove saber quais são as peças de um motor!, que…
Não soaria ridículo que isso pudesse ser considerado como uma avaliação destinado a melhoria profissional? Não se suporia uma enorme incompetência e desconhecimento das questões por parte de quem a propusesse ou estabelecesse? Melhor: alguém acreditaria sequer que, deste modo, se estivesse a querer avaliar fosse o que fosse?
(continua)
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